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EDUARDO CAMPOS
Campos diz que razão é estratégica, pois processo de enriquecimento de urânio é mais barato que o dos EUA
Ministro nega acesso visual de inspetores às centrífugas
Ana Carolina Fernandes - 9.jan.2004/Folha Imagem
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As usinas nucleares Angra 1 (ao fundo) e Angra 2; a meta do governo é fazer o país enriquecer 100% do urânio consumido por elas |
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Às vésperas da visita de inspetores da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) à fábrica
de enriquecimento de urânio em
Resende (Rio de Janeiro), marcada para amanhã, o ministro
Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) insiste em negar acesso
visual às centrífugas.
O ministro alega que elas são
mais econômicas que as centrífugas americanas, daí ser um segredo a ser protegido.
"Aquela tecnologia, que custou
muito, não será de forma alguma
devassada", disse ele à Folha na
última sexta-feira, por telefone.
Eduardo Campos avalia que o
programa nuclear brasileiro vive
um bom momento.
A meta do governo, de acordo
com ele, é fazer o país enriquecer
100% do urânio consumido pelas
duas usinas nucleares já construídas -Angra 1 e Angra 2. O destino de Angra 3 segue indefinido
até o final do ano.
A meta não cabe no mandato do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é para mais cinco anos, adianta o ministro. A fábrica de Resende, depois que entrar em funcionamento, poderá enriquecer 60%
do combustível dessas usinas, serviço feito hoje fora do país.
Embora negue planos de o Brasil exportar urânio enriquecido
nos próximos anos, Eduardo
Campos atribui à entrada do país
no seleto mercado de produtores
do combustível a polêmica sobre
o alcance das vistorias.
"Conquistar posições contraria
forças e é natural que essas forças
apostem num processo de desinformação", afirma.
Folha - O modelo da vistoria está
definido ou ainda é objeto de discussão até terça-feira?
Eduardo Campos - Tudo o que
envolve o processo de salvaguarda está praticamente discutido.
Em setembro, fizemos a proposta
por escrito, eu fui a Viena e lá definimos os princípios que iriam reger essa visita. A gente quer a salvaguarda da AIEA, quer facilitar o
trabalho deles, mas queremos
uma forma alternativa, que não
seja nem a proposta anterior nossa nem a proposta de uma visualização total. Por isso chegamos a
um ponto de equilíbrio.
A agência cumpre sua obrigação, tem total segurança de que
está inspecionando de forma correta e nós temos segurança também de que aquela tecnologia,
que custou muito, não será de forma nenhuma devassada.
Folha - O que o governo admite
que os inspetores inspecionem e
por quê?
Campos - Eles já fazem o controle físico do urânio, fizeram uma
inspeção quando construímos o
piso, que mostra que não há nenhum tipo de vazamento nem tubulações para desvio do material.
Nós apresentamos uma proposta
para que eles tenham acesso visual a toda a tubulação.
A forma física da centrífuga e a
maneira pela qual ela se apóia é
que não consideramos necessário
visualizar. Se o piso foi inspecionado, se o controle do que entra e
do que sai é contabilizado e se terão agora controle permanente
das tubulações, imaginamos que
estamos bem próximos de um
acordo final.
Folha - O que estamos preservando exatamente?
Campos - Uma tecnologia própria, nacional. Ela faz com que esse processo de enriquecimento de
urânio seja extremamente
eficiente porque economiza
muita energia. Esse conjunto de
centrífugas, da forma como se
apóia e está disposto, o formato
dele, faz com que o gasto de energia seja 25 vezes menor do que o
das centrífugas que os americanos desenvolveram depois de investir US$ 3 bilhões.
Folha -E quanto nós investimos?
Campos - No programa todo, as
centrífugas, o submarino a propulsão nuclear, US$ 1 bilhão. O
programa todo, exceto as usinas
de Angra 1 e Angra 2.
Folha - E são muito fortes até aqui
as pressões da AIEA para ampliar as
inspeções?
Campos - A agência tem buscado
o diálogo sempre, nunca houve
nenhum tipo de problema, a relação é extremamente positiva.
Tanto que ao longo deste ano recebemos 90 técnicos enviados pela agência para capacitação. Se
nós não contássemos com o respeito da agência, não seríamos escolhidos para treinar esse pessoal.
Folha - O Brasil pretende assinar
o protocolo adicional ao TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear),
que permitiria à agência ampliar as
vistorias no país?
Campos - A posição do Brasil
tem sido historicamente a seguinte: nós assinamos o TNP e cumprimos integralmente o que está
no tratado. Existe uma conferência marcada para 2005 de avaliação do tratado. Nós achamos que
será a hora correta de tomar uma
posição.
Folha - Como avalia as notícias de
que o país quer limitar o trabalho
da agência? Deu no "Washington
Post" em abril.
Campos - Tem muita notícia
equivocada, sobretudo na imprensa internacional. Esse é um
mercado importante: 17% da
energia do mundo tem fonte nuclear, e essa fonte tende a crescer
na matriz energética.
Então há a possibilidade de o
Brasil entrar num mercado extremamente seleto, de poucos países. Conquistar essas posições
contraria forças, e é natural que
essas forças apostem num processo de desinformação.
O Brasil tem todas as suas unidades do programa inspecionadas pela agência. Não há uma só
unidade que não seja inspecionada. Somos um dos poucos países
em que até unidades militares são
inspecionadas pela agência. Somos sócios-fundadores da agência, temos uma história de muito
respeito, e o clima tem sido de
muita cordialidade.
Folha - Quando o sr. diz que o
Brasil está entrando num mercado
seleto, é o da produção e venda
de urânio enriquecido no mercado
externo?
Campos - Ainda não, porque não
temos sequer o suficiente para
abastecer Angra 1 e Angra 2. Esse
conjunto de centrífugas que estamos fazendo em escala industrial
responderá por 60% da demanda
de Angra 1 e Angra 2. Não temos
como falar neste momento em exportação de urânio bruto porque
o Brasil não exporta o produto.
Sobre o urânio enriquecido, queremos chegar primeiro à auto-suficiência, o que ainda não alcançaremos com essa unidade.
Agora, é óbvio que, depois de
desenvolver a auto-suficiência,
nós podemos avaliar a possibilidade de entrar no mercado de exportação, mas essa é uma decisão
futura. O projeto na verdade tem
um viés inicial que é pegar a nossa
tecnologia, aplicar
em escala industrial e retirar a dependência que
nós temos da importação desse
serviços [de enriquecimento], que
nos custam cerca
de US$ 11 milhões
por ano. O urânio
é nosso, duas etapas nós já fazemos
aqui -a mineração e as pastilhas-, as duas
que nós não temos nos custam
esse valor.
Folha - Contam
que essa tecnologia contou com
importação
clandestina de equipamentos e outras fórmulas menos ortodoxas. É
lenda?
Campos - O programa nuclear
como um todo tem 50 anos, mas a
tecnologia de centrifugação tem
20 anos. Nunca objetivamente
ninguém de responsabilidade aspeou essas declarações, não há
nenhuma comprovação disso. Na
verdade, são desenvolvimentos
feitos a partir do
esforço de técnicos da CNEN
(Comissão Nacional de Energia
Nuclear) e do pessoal da Marinha.
Isso é mais onda.
Folha - Como o
sr. definiria o estado do programa
nuclear, ele vive
um processo de
paralisia?
Campos - Ele viveu um período
de grande aceleração até os anos
80, depois entrou
num processo de
muito constrangimento de recursos e vive agora
um momento de retomada, diante de uma nova conjuntura, de
priorização por parte do governo.
Ele vive um momento bom hoje.
Folha - De que forma o governo
materializa essa prioridade?
Campos - A geração de energia é
uma prioridade no mundo inteiro, sobretudo num país que viveu
um processo de apagão. A matriz
energética no mundo inteiro vai
sofrer uma grande mudança: os
motores a combustão tendem a
sair de cena pelo esgotamento das
fontes fósseis de combustível, o
mundo está investindo na retomada de programas nucleares,
em energia alternativa, energia
solar, eólica.
Folha - O sr. já previu que seriam
necessários investimentos de US$
1,5 bilhão para concluir o programa. Esse dinheiro vai sair?
Campos - Veja bem, um programa como esse não é um programa
de um governo, para concluir em
dois anos ou em seis, se o presidente Lula for reeleito. É um programa que tem um longo curso.
Folha - Quais são as metas até
o final do mandato do presidente
Lula?
Campos - A meta é nos aproximarmos da auto-suficiência no
fornecimento de combustíveis
para as duas usinas. A próxima
etapa é ter 100%, mas essa não
concluiremos até 2006.
Até lá, a meta é 60% do urânio
enriquecido consumido pelas usinas. Depois, num horizonte de
mais dois ou três anos, o Brasil teria 100% do seu fornecimento do
combustível.
Folha - E Angra 3 e o submarino a
propulsão nuclear?
Campos - Até o final do ano, a
ministra Dilma Rousseff [Minas e
Energia] apresenta o relatório do
grupo que ela criou envolvendo
um conjunto de ministérios,
Ciência e Tecnologia, Defesa.
Até o final do ano, o governo vai
se pronunciar em relação à Angra
3. E o projeto do submarino está
andando.
Folha - O contribuinte brasileiro
já tem um retorno visível do que
o Estado investiu no programa
nuclear?
Campos - Eu acho que o programa nuclear tem baixo conhecimento da sociedade sobre sua importância, como o espacial. São
programas concebidos em outro
momento político e institucional
no país, passaram por muito tempo com grande viés militar. A
questão nuclear, pelas razões sabidas, sempre foi mais ligada ao
uso bélico no mundo todo. Mas
hoje está ligada à medicina, por
exemplo. Não fossem esses investimentos, não estaríamos preparados para apoiar o agronegócio
com irradiação -outro exemplo.
O conhecimento nuclear é estratégico, as pessoas às vezes não
percebem. Sem contar a geração
de energia. A energia nuclear responde por 4,5% da energia consumida no Brasil, um número extremamente significativo. A tecnologia usada para a propulsão do
submarino poderá ser apropriada
para outros geradores, até mesmo
para a área de energia, ela tem a
sua valia, além de o país poder
dispor de um submarino, feito
aqui para as tarefas da Marinha,
mais barato que os velhos submarinos que nós temos.
Folha - Essa tecnologia fortalece
as chances de o Brasil de disputar
um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Campos - Não existe essa relação
direta. Acho que isso é uma ilação. Nossa preocupação é tecnológica, ter a tecnologia para gerar
energia e ter suporte do programa
nuclear para atividades econômicas. As razões são claramente econômicas.
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