São Paulo, Sábado, 18 de Dezembro de 1999


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JUDICIÁRIO
Senador citado por CPI diz que tribunais e Congresso poderiam ter evitado irregularidade em fórum de SP
Estevão culpa fiscais por desvio de verba

DANIEL BRAMATTI
da Sucursal de Brasília

O senador Luiz Estevão (PMDB-DF), investigado por suposta participação no desvio de recursos da obra do fórum do Tribunal Regional de Trabalho de São Paulo, afirma que, "se há responsáveis", eles devem ser encontrados no Executivo, no Judiciário e no Legislativo, que não interromperam a liberação de verbas mesmo depois das primeiras suspeitas de superfaturamento.
Desde 1992, a obra consumiu R$ 231,9 milhões, dos quais R$ 169 milhões foram desviados, segundo constatou o TCU (Tribunal de Contas da União).
No período da construção do fórum, as empresas de Estevão receberam US$ 35 milhões do grupo de Fábio Monteiro de Barros, dono da construtora Ikal, contratada para a obra. O senador diz que os recursos "não são necessariamente oriundos do tribunal".
A CPI do Judiciário pediu ao Ministério Público a abertura de um inquérito contra o senador por enriquecimento ilícito, atos lesivos ao patrimônio público e falsidade ideológica. Estevão também é alvo de um inquérito civil em São Paulo. A seguir, os principais trechos de entrevista.

Folha - A CPI concluiu que houve desvio de R$ 169 milhões na obra do TRT e que uma parte foi para suas empresas. O sr. afirma que os repasses não têm nada a ver com a obra. Quem é o responsável pelo desvio?
Luiz Estevão -
Os recursos pagos às nossas empresas pelo grupo Monteiro de Barros não são necessariamente oriundos do tribunal. A CPI e o TCU falam em desvios e superfaturamento. Se há responsáveis por isso, é claro que eles só podem ser encontrados, em primeiro lugar, no Tribunal Regional do Trabalho, que contratou a obra.
Em segundo lugar, no Tribunal Superior do Trabalho, que, durante sete anos, repassou recursos para que a obra continuasse. Outras instituições poderiam ter evitado esse eventual desvio, como o TCU, a Comissão de Fiscalização do Congresso e a Comissão de Orçamento do Congresso, que há muito tempo deveriam ter interrompido o fluxo de recursos se a obra tinha irregularidade.
E o governo federal, que todos os anos aprovava créditos suplementares para que a obra continuasse. Certamente não posso ser o responsável por isso, já que durante esse período não era de nenhum desses órgãos envolvidos.

Folha - O sr. não cita entre os responsáveis o empresário Fábio Monteiro de Barros, da Ikal?
Estevão -
Veja bem, a responsabilidade pela condução da obra não é da construtora. Se há alguma responsabilidade, é sempre dos contratantes e dos responsáveis pela alocação de recursos.
Do outro lado, se tiver havido algum conluio para esse desvio de recursos, a construtora seria eventualmente envolvida.

Folha - Se há superfaturamento, não é óbvio que a empresa beneficiada está envolvida?
Estevão -
Sim, mas há duas questões. Uma é olhar a questão do lado da execução da obra e do contratante. Do lado do contratante estão TRT, TST, Comissão de Orçamento e TCU. Do lado do contratado, se houve um conluio para haver superfaturamento daquela obra, é claro que só se faz com a presença de duas partes.

Folha - Quando o sr. ouviu pela primeira vez denúncias sobre o superfaturamento da obra?
Estevão -
Devo ter tomado conhecimento pela imprensa de questionamentos sobre a regularidade da obra em 1995 ou 1996.

Folha - O sr. chegou a conversar com Monteiro de Barros?
Estevão -
Não, até porque, na época, eu já estava até certo ponto afastado do dia-a-dia das empresas, já era deputado distrital e não tinha condições de fazer um acompanhamento permanente das nossas atividades empresariais, que geravam alguma relação de negócios com o grupo Monteiro de Barros. O assunto não me dizia respeito.

Folha - Ao saber de denúncias envolvendo uma pessoa com quem fazia negócios, o sr. chegou a cogitar a possibilidade de romper esses negócios?
Estevão -
Não que eu chegasse a aventar a possibilidade de romper negócios com essa pessoa, até porque eu teria de aguardar a apuração para saber se havia ou não o superfaturamento.
A denúncia existia na Comissão de Orçamento, mas a comissão aprovava verbas. Existia no TCU, que permitiu a continuidade da obra. Os órgãos responsáveis pela fiscalização nunca consideraram as denúncias suficientes para interromper as obras. Não seria eu, que não dispunha de nenhum meio de fiscalização, que decidiria pela procedência ou improcedência das obras.

Folha - Para o sr., uma pessoa do ramo da construção, não era evidente que aquela obra estava superfaturada?
Estevão -
Eu nunca me interessei, nem me cabe, não sou fiscal de obras públicas ou de construtoras. Não é minha missão. Nunca tive dados, nunca fui lá. Passei na porta dessa obra uma semana atrás.

Folha - O sr. afirma que os recursos repassados para suas empresas não são necessariamente da obra. Segundo a CPI, os repasses coincidiram com as liberações feitas pelo Tesouro.
Estevão -
Se uma pessoa ou uma empresa tem uma dívida comigo, ela só pode me pagar no momento em que recebe dinheiro de algum lugar. Não nos cabia perguntar de onde a empresa estava recebendo dinheiro para fazer os pagamentos.
Se você fizer uma analogia entre os recursos pagos pelo TRT (ao grupo Monteiro de Barros) e os recursos pagos por ele a nós, vai ver que não há nenhuma constância. Houve ano, por exemplo, em que nós recebemos um valor equivalente a 3% do que ele teria recebido do tribunal e houve ano em que a gente recebeu 65%.

Folha - O sr. confia no empresário Monteiro de Barros?
Estevão -
Empresarialmente, quem tem de confiar não sou eu, é a minha empresa. E os negócios que ele fez conosco tiveram uma conduta regular até que ele teve aquele problema de bloqueio de contas, que acabou ensejando uma inadimplência.

Folha - O sr. acha que ele é responsável pelo desvio?
Estevão -
Não faço juízo, não me cabe. Eu não posso analisar coisas que não conheço com profundidade e não me cabe conhecer com profundidade.

Folha - Como o sr. avalia sua situação política hoje?
Estevão -
A CPI começou a falar no meu nome em abril. A primeira visão que os meus adversários tiveram é que as investigações encontrariam alguma evidência de ligação minha com a obra do tribunal ou com a figura do juiz (Nicolau dos Santos Neto), que foi o grande gestor da obra do tribunal.
Após oito meses de investigação, ficou mais que comprovado que eu não tenho nenhuma relação com a obra nem com o juiz. Por outro lado, quebraram o sigilo bancário do grupo Monteiro de Barros e ficou demonstrado que todos os pagamentos que eles fizeram a nós foram em cheques nominativos, todos lançados na nossa contabilidade e todos declarados à Receita. A insinuação que se fazia é que o grupo Monteiro de Barros poderia ser testa-de-ferro do Grupo OK, o que é totalmente improcedente.

Folha - O que o sr. tem a dizer sobre a acusação de que mentiu à CPI ao afirmar que estava desligado do Grupo OK desde 94?
Estevão -
Quando prestei depoimento, perguntaram por que eu me dizia licenciado das empresas se tinha assinado uma escritura de 97 como diretor da empresa.
Eu disse que não só tinha assinado essa escritura como assinava e continuava assinando documentos, intimações, procurações e contratos em nome da empresa. Eu estava licenciado do dia-a-dia administrativo da empresa, não estava licenciado da posição de dono da empresa.

Folha - Seu nome apareceu, na época da CPI do caso PC, como avalista da "Operação Uruguai", supostamente armada para beneficiar o ex-presidente Fernando Collor. Como foi a operação?
Estevão -
Foi um empréstimo tomado por intermédio do Cláudio Vieira (assessor de Collor) pelo presidente Collor para financiar os gastos iniciais da campanha dele, do qual eu fui o terceiro avalista. Na campanha passada, meus adversários vieram com a acusação de que o aval seria uma fraude. Fui ao Ministério Público, que disse que não havia nenhuma investigação sobre a questão do empréstimo. Se achasse que havia fraude, o Ministério Público teria aberto uma investigação.

O sr. ainda tem relações com o ex-presidente Collor?
Estevão -
Eu sou amigo do presidente Collor desde 1966. Não fiquei mais amigo dele quando ele era presidente nem fiquei menos amigo depois que ele saiu.


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