São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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JANIO DE FREITAS

Os fins da festa

A inocência atribuída a um deputado que recebeu R$ 450 mil ilegais da caverna de Delúbio e Valério, confessou tê-los recebido e nem demonstrou a alegada destinação partidária não foi um ato inocente dos que absolveram vários crimes em um só réu. Foi uma operação elaborada e comandada por petistas, com o fim preciso de abrir caminho para invalidar vários processos de cassação e anular um dos já encerrados -o de José Dirceu.
Se havia alguma dúvida de que a orientação política adotada no PT -e, até meado deste ano, no governo- é a dos fins justificando os meios, petistas e aliados seus escancararam e proclamaram o método, na defraudada votação que inocentou os crimes confessados pelo petebista Romeu Queiroz.
Foi lamentável para os cidadãos, e erro imperdoável como jornalismo, a quase nenhuma divulgação de afirmações e cenas, entre tantas, como o despudor com que o deputado Professor Luizinho pregou e apregoou os votos vitoriosos na falsa inocência de Queiroz. Não foi só de votos assim, porém, que a operação petista se fez. Obter ausências, afinal numerosas, eliminou muitos apoios prováveis à cassação.
Por si mesmas confirmadoras do compromisso com a ilegalidade de proteger outra ilegalidade, as comemorações festivas de petistas e aliados começaram na noite brasiliense, depois da votação de quarta-feira, e continuaram no dia seguinte: a ilegalidade e o crime deixam de ser puníveis e se tornam festejáveis.
Mais reservada, uma outra comemoração aconteceu no Rio, como culminância do jantar que reunia José Dirceu a amigos seus na casa de uma jornalista. Mais do que pela TV, Dirceu foi informado do andamento da operação pró-inocência por telefonemas periódicos dados da Câmara. Caracterizada a absolvição de Queiroz, até a vizinhança podia ouvir os "vencemos, vencemos". No plural mais indicativo do que nunca.
Ao indicar uma das pontas da operação desenvolvida na Câmara, o plural proporcionou outra informação importante relativa a José Dirceu. Não seria pelo acusado Romeu Queiroz que Dirceu e seus convivas comemorariam a derrota da cassação proposta. A única importância de Romeu Queiroz como parlamentar é a importância de R$ 450 mil que recebeu, por intermédio de Valério, do mesmo PT que cuidou da sua absolvição.
Um só motivo justificaria a conexão direta com o desenrolar em Brasília e, ao final, a comemoração: José Dirceu vai ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal para recuperar o seu mandato. Buscava, e obteve, um argumento de defesa, propriamente, e não só os seus truques de protelação: ao absolver o recebedor de meio milhão ilegal, a Câmara negou o "mensalão" e qualquer outro suborno, reduzindo o efeito do "valerioduto" apenas a ilegalidade eleitoral. Ou seja, prática sem relação com o comando político exercido por José Dirceu sobre a base parlamentar do governo, fundamento primordial da acusação que lhe cassou o mandato.
Uma operação para inocentar o crime de receptação de dinheiro ilegal, ainda mais por um parlamentar, pode ser um meio útil a diferentes fins ou ao mesmo fim de diferentes pessoas. Mas não é ético, não é democrático e não é legal. Apesar disso, ou por isso, é muito adequado ao Brasil farsante de hoje em dia.


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