São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Tucano afirma que só pesquisas não definem candidatura, diz ter afeto pessoal por Lula, mas acusa governo de ser "frouxo na ética"

Alckmin diz não fazer política "na cotovelada"

RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Geraldo Alckmin evita o confronto com José Serra e diz que o candidato do PSDB à Presidência da República será escolhido na base do entendimento partidário. Mas, bem ao seu estilo, o governador de São Paulo parece mandar um recado ao prefeito tucano quando diz que pesquisas não devem ser tomadas como único critério de escolha e que seu desempenho hoje não pode ser comparado ao de quem já foi submetido à exposição nacional.
Mais do que isso, Alckmin, 53, afirma que nunca fez política na base da cotovelada e apresenta como cartão de visita à sucessão de Lula seus quase 12 anos à frente do governo paulista, metade deles como vice de Mario Covas.
O governador falou à Folha com exclusividade na manhã da última sexta-feira, em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes, por mais de duas horas.
Disse ter "afeto pessoal" pelo presidente, mas acusou o governo do PT de ser "frouxo na ética e incompetente na gestão". Leia a seguir e na página ao lado os principais trechos da entrevista:
 

Folha - Ruim para Lula, a recente rodada de pesquisas de intenção de voto em 2006 é boa para quem?
Geraldo Alckmin -
Para o PSDB, sem dúvida. Quanto a mim, estou muito satisfeito. Considerando que boa parte do eleitorado ainda não me conhece, 22% no primeiro turno e empate técnico com o presidente no segundo, de acordo com o Datafolha, é um resultado bastante positivo.

Folha - Dada a vantagem de José Serra sobre Lula, o sr. acha correto concluir que sua candidatura depende essencialmente de uma decisão do prefeito de não concorrer?
Alckmin -
Acredito que o governador Aécio Neves tem razão quando diz que será uma decisão coletiva do partido. E as pesquisas serão um elemento nessa decisão, não o único. Coloquei meu nome à disposição. E tenho uma experiência administrativa bem-sucedida para apresentar. O PSDB é um partido maduro. Nosso caminho será o do entendimento.

Folha - O senhor considera que a dianteira de Serra expressa apenas "recall" de 2002 e 2004?
Alckmin -
Não. Afirmar isso seria desconhecer os méritos do Serra. Mas, a quase um ano da eleição, você não pode comparar o desempenho em pesquisas de quem já teve exposição em disputa nacional com o de quem ainda não teve. A campanha começa de fato com o horário eleitoral gratuito.

Folha - O sr. e Serra venderam uma imagem de parceria em benefício da população na campanha de 2004 para a prefeitura. Não teme que agora o eleitor reprove o litígio no processo de escolha do candidato a presidente?
Alckmin -
A parceria existiu em 2002, quando Serra foi candidato a presidente e eu a governador, e em 2004, quando dei todo o apoio à campanha dele a prefeito. E vai se repetir agora em 2006.

Folha - De zero a dez, que nota o senhor dá ao governo Lula?
Alckmin -
Acho que é o povo quem deve dar nota, mas, para não fugir à pergunta, dou três "pela presença". Não tenho nada pessoal contra o presidente, por quem sinto respeito e até afeto. Mas seu governo é frouxo na ética, desastroso na política e incompetente na gestão.
É o governo das oportunidades perdidas. As coisas simplesmente não acontecem. E isso enquanto o mundo vive um momento excepcional. Quando é que vamos ter outro momento tão bom quanto este, sem nenhuma crise externa?

Folha - Em seu entender, por que as oportunidades se perderam?
Alckmin -
Por falta de projeto. O PT passou 25 anos criticando, mas hoje sabemos que não tinha alternativa a oferecer. Um projeto econômico. Um projeto de infra-estrutura e logística. Educacional.
O governo Lula realizou o maior programa de concentração de renda do mundo. Os juros consumiram neste ano quase R$ 160 bilhões, tirados do pobre para dar ao rentista. São R$ 160 bilhões no topo da pirâmide e R$ 11 bilhões para o Bolsa-Família. Não acredito em tiro único, mas num conjunto de iniciativas que promovam um chacoalhão. Dou ênfase à questão fiscal, não acho que seja secundária. Assim como a questão da qualidade do gasto público.

Folha - Por que o país chegou ao atual patamar de juros?
Alckmin -
Por fatores conjunturais e estruturais. O conjuntural é o que eu chamo de custo PT. O partido passou a vida anunciando que mudaria tudo. Então não inspira credibilidade e para contornar isso exagera na dose.
Mas faltam também ousadia e reformas estruturantes. Porque você não faz mágica, não resolve os problemas em 24 horas, mas tem de sinalizar no curto, médio e longo prazos que haverá uma situação melhor. Vejam o dilema em que estamos. Gastam-se R$ 160 bilhões por ano com juros -é o maior gasto do governo. E a dívida aumenta. É um círculo vicioso. Como os juros são altos, eles têm impacto fiscal. Como a carga tributária também é alta, a conta não fecha. Então você tem o risco, que exige juros mais altos.

Folha - O presidente da República é expansivo. O senhor, retraído. Ele é um intuitivo. O senhor, um aplicado. Se somarmos ao contraste de personalidades as diferenças de origem e formação, o senhor se considera o verdadeiro antiLula?
Alckmin -
Cada um tem um estilo. Quando fui candidato a prefeito de São Paulo, Mario Covas, na primeira reunião que tivemos, entrou com aquele jeitão dele e falou: "Olha, não mudem o Geraldinho". O próprio Covas tinha outro estilo. E mesmo assim trabalhávamos em sintonia absoluta.
A política precisa ser feita com mais civilidade, não na base da cotovelada, de você querer ocupar a ribalta a qualquer preço. Não é por aí. Estou no oitavo mandato popular. Não ocupei nenhum cargo público que não fosse pelo voto. E eu gosto de gente. A coisa de que menos gosto é ficar nesta sala. Eu gosto de rua.
Agora, existem também diferenças de estilo que não são pessoais. Para o PT, as coisas precisam ser estatais. Para nós, do PSDB, têm de ser públicas.
Fizemos 22 hospitais, dois ambulatórios de especialidades e um centro de referência para atendimento ao idoso. Nenhum deles tem funcionário público. É tudo contrato de gestão com o terceiro setor. O gerenciamento não é do governo, mas o hospital é do SUS.

Folha - Além do governador Mario Covas, morto em 2001, a quem o sr. sempre se refere, que figuras mais o influenciaram na política?
Alckmin -
Quando comecei no MDB, o velho "manda brasa", eu era muito próximo de Franco Montoro [governador de São Paulo entre 1983 e 1987, foi um dos fundadores do PSDB e morreu em 1999]. Fui deputado estadual a convite do Montoro, depois de ter sido prefeito de minha cidade, Pindamonhangaba. Meu pai sempre recomendou que me espelhasse em Montoro, que ele admirava pelo espírito público.

Folha - Alguém mais?
Alckmin -
Em 1976, eu estava no sexto ano de medicina e era candidato natural a prefeito de Pindamonhangaba quando Juscelino Kubitschek sofreu o acidente de carro na via Dutra. A caminho de um plantão no pronto-socorro do hospital Santa Isabel, parei o carro e comprei a edição especial da revista "Manchete" sobre a morte de Juscelino, que li do início ao fim num intervalo daquelas 24 horas de trabalho. Naquele momento da minha vida, em que optar pela dedicação exclusiva à medicina era uma possibilidade clara e muito racional, pensar na trajetória de Juscelino foi algo que me ajudou a decidir pela política.
Mas foi com Montoro que convivi, e depois com Mario Covas. Ele foi o grande professor, para mim e para o meu partido, de política como instrumento para o desenvolvimento.

Folha - A sua geração é tida como mais pragmática, menos ideológica, menos retórica, se o sr. quiser. E isso se associa à idéia de que o sr. é mais conservador do que os tucanos mais velhos.
Alckmin -
A pouca idade o tempo cura. Além disso, eu sou do velho MDB, fazia oposição à ditadura. A imensa maioria dos quase 600 prefeitos em São Paulo aderiu aos militares e ao governo biônico do Maluf. Nós resistimos. Éramos 33, a chamada Frente de Resistência Laerte Mendes.
Minha trajetória é essa. Eu sou, sempre fui, de centro-esquerda. Sou um social-democrata. Mas, na realidade, eu gosto de ser considerado mais pragmático. Na política há muita retórica e pouca ação. E as pessoas não são bobas. Elas querem menos conversa e mais ação. Ah, esses rótulos. Eu, conservador? Engraçado.

Folha - O sr. se considera conservador do ponto de vista religioso ou no modo como criou seus filhos?
Alckmin -
Vou abordar o problema pelos aspectos político e religioso. Primeiro: o PT é de esquerda e faz o maior programa de concentração de renda do mundo.

Folha - Seus adversários dirão que isso começou no governo FHC.
Alckmin -
Situação diferente. Primeiro, o governo Fernando Henrique enfrentou a questão da inflação, estabilizou a moeda. Segundo, ele enfrentou quatro crises internacionais, teve que defender o real de ataques especulativos.
Agora vem a chamada esquerda, que chega ao poder, concentra renda como ninguém e ainda me chama de conservador. Não dá.
Sob o aspecto pessoal e religioso... Religião é assunto de foro íntimo. Todas as religiões. Até gosto quando sou convidado para ir a uma mesquita, a uma sinagoga, a um templo budista. Estudar teologia, aprender sobre todas as religiões. Agora: separação absoluta entre igreja e Estado. Absoluta. Defendo o Estado laico.

Folha - O sr. recebeu uma educação familiar linha-dura?
Alckmin -
Até que não muito, porque perdi minha mãe com dez anos de idade. O meu pai teve que ser pai e mãe ao mesmo tempo, e acabou sendo um amigo. Os meus filhos, basta ver, são hoje como irmãos, têm comigo total liberdade, grande abertura.

Folha - A Igreja Católica condena o uso de preservativo. Qual a sua posição sobre o assunto?
Alckmin -
Sou a favor do uso. É, em primeiro lugar, um problema de saúde pública. Vivemos o drama de uma epidemia, quase uma pandemia, que até poucos anos não tinha remédio, era uma sentença de morte. Além disso, há o problema da gravidez indesejada.

Folha - Sobre isso, o sr. estimularia algum tipo de avanço na legislação que hoje autoriza o aborto em determinadas circunstâncias?
Alckmin -
Primeiro é preciso deixar claro que aborto não pode ser visto como meio contraceptivo. Planejamento familiar: isso é importante destacar. O aborto hoje é autorizado quando a gravidez decorre de estupro e quando representa risco para a mãe. Acho que mereceria ser considerado também nos casos da anencefalia.


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