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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA
Tucano afirma que só pesquisas não definem candidatura, diz ter afeto pessoal por Lula, mas acusa governo de ser "frouxo na ética"
Alckmin diz não fazer política "na cotovelada"
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Geraldo Alckmin evita o confronto com José Serra e diz que o
candidato do PSDB à Presidência
da República será escolhido na
base do entendimento partidário.
Mas, bem ao seu estilo, o governador de São Paulo parece mandar
um recado ao prefeito tucano
quando diz que pesquisas não devem ser tomadas como único critério de escolha e que seu desempenho hoje não pode ser comparado ao de quem já foi submetido
à exposição nacional.
Mais do que isso, Alckmin, 53,
afirma que nunca fez política na
base da cotovelada e apresenta
como cartão de visita à sucessão
de Lula seus quase 12 anos à frente
do governo paulista, metade deles
como vice de Mario Covas.
O governador falou à Folha
com exclusividade na manhã da
última sexta-feira, em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes,
por mais de duas horas.
Disse ter "afeto pessoal" pelo
presidente, mas acusou o governo
do PT de ser "frouxo na ética e incompetente na gestão". Leia a seguir e na página ao lado os principais trechos da entrevista:
Folha - Ruim para Lula, a recente
rodada de pesquisas de intenção
de voto em 2006 é boa para quem?
Geraldo Alckmin - Para o PSDB,
sem dúvida. Quanto a mim, estou
muito satisfeito. Considerando
que boa parte do eleitorado ainda
não me conhece, 22% no primeiro turno e empate técnico com o
presidente no segundo, de acordo
com o Datafolha, é um resultado
bastante positivo.
Folha - Dada a vantagem de José
Serra sobre Lula, o sr. acha correto
concluir que sua candidatura depende essencialmente de uma decisão do prefeito de não concorrer?
Alckmin - Acredito que o governador Aécio Neves tem razão
quando diz que será uma decisão
coletiva do partido. E as pesquisas
serão um elemento nessa decisão,
não o único. Coloquei meu nome
à disposição. E tenho uma experiência administrativa bem-sucedida para apresentar. O PSDB é
um partido maduro. Nosso caminho será o do entendimento.
Folha - O senhor considera que a
dianteira de Serra expressa apenas
"recall" de 2002 e 2004?
Alckmin - Não. Afirmar isso seria
desconhecer os méritos do Serra.
Mas, a quase um ano da eleição,
você não pode comparar o desempenho em pesquisas de quem
já teve exposição em disputa nacional com o de quem ainda não
teve. A campanha começa de fato
com o horário eleitoral gratuito.
Folha - O sr. e Serra venderam
uma imagem de parceria em benefício da população na campanha de
2004 para a prefeitura. Não teme
que agora o eleitor reprove o litígio
no processo de escolha do candidato a presidente?
Alckmin - A parceria existiu em
2002, quando Serra foi candidato
a presidente e eu a governador, e
em 2004, quando dei todo o apoio
à campanha dele a prefeito. E vai
se repetir agora em 2006.
Folha - De zero a dez, que nota o
senhor dá ao governo Lula?
Alckmin - Acho que é o povo
quem deve dar nota, mas, para
não fugir à pergunta, dou três
"pela presença". Não tenho nada
pessoal contra o presidente, por
quem sinto respeito e até afeto.
Mas seu governo é frouxo na ética, desastroso na política e incompetente na gestão.
É o governo das oportunidades
perdidas. As coisas simplesmente
não acontecem. E isso enquanto o
mundo vive um momento excepcional. Quando é que vamos ter
outro momento tão bom quanto
este, sem nenhuma crise externa?
Folha - Em seu entender, por que
as oportunidades se perderam?
Alckmin - Por falta de projeto. O
PT passou 25 anos criticando,
mas hoje sabemos que não tinha
alternativa a oferecer. Um projeto
econômico. Um projeto de infra-estrutura e logística. Educacional.
O governo Lula realizou o maior
programa de concentração de
renda do mundo. Os juros consumiram neste ano quase R$ 160 bilhões, tirados do pobre para dar
ao rentista. São R$ 160 bilhões no
topo da pirâmide e R$ 11 bilhões
para o Bolsa-Família. Não acredito em tiro único, mas num conjunto de iniciativas que promovam um chacoalhão. Dou ênfase à
questão fiscal, não acho que seja
secundária. Assim como a questão da qualidade do gasto público.
Folha - Por que o país chegou ao
atual patamar de juros?
Alckmin - Por fatores conjunturais e estruturais. O conjuntural é
o que eu chamo de custo PT. O
partido passou a vida anunciando
que mudaria tudo. Então não inspira credibilidade e para contornar isso exagera na dose.
Mas faltam também ousadia e
reformas estruturantes. Porque
você não faz mágica, não resolve
os problemas em 24 horas, mas
tem de sinalizar no curto, médio e
longo prazos que haverá uma situação melhor. Vejam o dilema
em que estamos. Gastam-se
R$ 160 bilhões por ano com juros
-é o maior gasto do governo. E a
dívida aumenta. É um círculo vicioso. Como os juros são altos,
eles têm impacto fiscal. Como a
carga tributária também é alta, a
conta não fecha. Então você tem o
risco, que exige juros mais altos.
Folha - O presidente da República
é expansivo. O senhor, retraído. Ele
é um intuitivo. O senhor, um aplicado. Se somarmos ao contraste de
personalidades as diferenças de
origem e formação, o senhor se
considera o verdadeiro antiLula?
Alckmin - Cada um tem um estilo. Quando fui candidato a prefeito de São Paulo, Mario Covas, na
primeira reunião que tivemos,
entrou com aquele jeitão dele e falou: "Olha, não mudem o Geraldinho". O próprio Covas tinha outro estilo. E mesmo assim trabalhávamos em sintonia absoluta.
A política precisa ser feita com
mais civilidade, não na base da
cotovelada, de você querer ocupar a ribalta a qualquer preço.
Não é por aí. Estou no oitavo
mandato popular. Não ocupei nenhum cargo público que não fosse pelo voto. E eu gosto de gente.
A coisa de que menos gosto é ficar
nesta sala. Eu gosto de rua.
Agora, existem também diferenças de estilo que não são pessoais. Para o PT, as coisas precisam ser estatais. Para nós, do
PSDB, têm de ser públicas.
Fizemos 22 hospitais, dois ambulatórios de especialidades e um
centro de referência para atendimento ao idoso. Nenhum deles
tem funcionário público. É tudo
contrato de gestão com o terceiro
setor. O gerenciamento não é do
governo, mas o hospital é do SUS.
Folha - Além do governador Mario Covas, morto em 2001, a quem o
sr. sempre se refere, que figuras
mais o influenciaram na política?
Alckmin - Quando comecei no
MDB, o velho "manda brasa", eu
era muito próximo de Franco
Montoro [governador de São
Paulo entre 1983 e 1987, foi um
dos fundadores do PSDB e morreu em 1999]. Fui deputado estadual a convite do Montoro, depois de ter sido prefeito de minha
cidade, Pindamonhangaba. Meu
pai sempre recomendou que me
espelhasse em Montoro, que ele
admirava pelo espírito público.
Folha - Alguém mais?
Alckmin - Em 1976, eu estava no
sexto ano de medicina e era candidato natural a prefeito de Pindamonhangaba quando Juscelino
Kubitschek sofreu o acidente de
carro na via Dutra. A caminho de
um plantão no pronto-socorro do
hospital Santa Isabel, parei o carro e comprei a edição especial da
revista "Manchete" sobre a morte
de Juscelino, que li do início ao
fim num intervalo daquelas 24
horas de trabalho. Naquele momento da minha vida, em que optar pela dedicação exclusiva à medicina era uma possibilidade clara
e muito racional, pensar na trajetória de Juscelino foi algo que me
ajudou a decidir pela política.
Mas foi com Montoro que convivi, e depois com Mario Covas.
Ele foi o grande professor, para
mim e para o meu partido, de política como instrumento para o
desenvolvimento.
Folha - A sua geração é tida como
mais pragmática, menos ideológica, menos retórica, se o sr. quiser. E
isso se associa à idéia de que o sr. é
mais conservador do que os tucanos mais velhos.
Alckmin - A pouca idade o tempo cura. Além disso, eu sou do velho MDB, fazia oposição à ditadura. A imensa maioria dos quase
600 prefeitos em São Paulo aderiu
aos militares e ao governo biônico
do Maluf. Nós resistimos. Éramos
33, a chamada Frente de Resistência Laerte Mendes.
Minha trajetória é essa. Eu sou,
sempre fui, de centro-esquerda.
Sou um social-democrata. Mas,
na realidade, eu gosto de ser considerado mais pragmático. Na política há muita retórica e pouca
ação. E as pessoas não são bobas.
Elas querem menos conversa e
mais ação. Ah, esses rótulos. Eu,
conservador? Engraçado.
Folha - O sr. se considera conservador do ponto de vista religioso
ou no modo como criou seus filhos?
Alckmin - Vou abordar o problema pelos aspectos político e religioso. Primeiro: o PT é de esquerda e faz o maior programa de concentração de renda do mundo.
Folha - Seus adversários dirão
que isso começou no governo FHC.
Alckmin - Situação diferente.
Primeiro, o governo Fernando
Henrique enfrentou a questão da
inflação, estabilizou a moeda. Segundo, ele enfrentou quatro crises
internacionais, teve que defender
o real de ataques especulativos.
Agora vem a chamada esquerda, que chega ao poder, concentra
renda como ninguém e ainda me
chama de conservador. Não dá.
Sob o aspecto pessoal e religioso... Religião é assunto de foro íntimo. Todas as religiões. Até gosto
quando sou convidado para ir a
uma mesquita, a uma sinagoga, a
um templo budista. Estudar teologia, aprender sobre todas as religiões. Agora: separação absoluta
entre igreja e Estado. Absoluta.
Defendo o Estado laico.
Folha - O sr. recebeu uma educação familiar linha-dura?
Alckmin - Até que não muito,
porque perdi minha mãe com dez
anos de idade. O meu pai teve que
ser pai e mãe ao mesmo tempo, e
acabou sendo um amigo. Os
meus filhos, basta ver, são hoje
como irmãos, têm comigo total liberdade, grande abertura.
Folha - A Igreja Católica condena
o uso de preservativo. Qual a sua
posição sobre o assunto?
Alckmin - Sou a favor do uso. É,
em primeiro lugar, um problema
de saúde pública. Vivemos o drama de uma epidemia, quase uma
pandemia, que até poucos anos
não tinha remédio, era uma sentença de morte. Além disso, há o
problema da gravidez indesejada.
Folha - Sobre isso, o sr. estimularia algum tipo de avanço na legislação que hoje autoriza o aborto em
determinadas circunstâncias?
Alckmin - Primeiro é preciso deixar claro que aborto não pode ser
visto como meio contraceptivo.
Planejamento familiar: isso é importante destacar. O aborto hoje é
autorizado quando a gravidez decorre de estupro e quando representa risco para a mãe. Acho que
mereceria ser considerado também nos casos da anencefalia.
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