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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA
Governador paulista afirma que presidente conhecia, em algum grau, a corrupção e diz que país precisa retomar "sonho coletivo"
"Lula sabia, não haveria como desconhecer"
DA REDAÇÃO
"Coloquei o quadro aí para ver
se o Fernando Henrique se anima." Quem fala é um sorridente
Geraldo Alckmin, no corredor
que dá acesso a seu gabinete,
diante do retrato de Rodrigues Alves (1848-1919), que foi governador de São Paulo depois de ter sido presidente da República.
O próprio Alckmin considera
improvável que FHC dispute a
sua sucessão, mas diz que a avaliação do governo dará a qualquer
tucano, mesmo desconhecido,
boas condições para vencer.
(RLP E FBS)
Folha - Vamos passar o governo
Lula em revista. Qual é a sua avaliação da política externa?
Alckmin - Em primeiro lugar,
gostaria de dizer que vejo alguns
acertos, como o G20 e a reprovação à Guerra do Iraque. A diplomacia brasileira tem um elevado
padrão de qualidade.
O problema, como em outras
áreas, é a perda de oportunidades,
especialmente na questão comercial. Posições ideológicas do gênero "a Alca é ruim". Não vejo dessa
forma. O Brasil precisa aprofundar sua inserção internacional.
Os EUA estão fazendo acordos
bilaterais com países do Caribe e
da América do Sul. Enquanto isso, nós não resolvemos nossos
problemas e deixamos de conquistar espaços novos. Essa é uma
questão central: pisar no acelerador do comércio exterior.
Folha - Como o sr. vê a entrada da
Venezuela no Mercosul?
Alckmin - Acho natural que o
Mercosul cresça, mas é preciso
considerar que a Venezuela está
no Pacto Andino e, no Mercosul,
somos uma união aduaneira. Ou
seja, houve um gesto, mas somente isso, porque você vai ter um
problema prático logo adiante.
Folha - E a política social de Lula?
Alckmin - Inclusão se faz com
emprego e renda. E é bom lembrar que a atual rede de proteção
social começou a ser implantada
no governo Fernando Henrique
Cardoso. Eram vários programas.
Lula uniu tudo no Bolsa-Família.
Se eleito presidente, vou manter.
Está correto. Mas não para deixar
eternamente as famílias na situação de pobreza. Por isso o fundamental é a educação. Considero
essencial vincular a concessão do
benefício à presença da criança
em sala de aula.
Folha - A Febem é considerada
um de seus pontos mais vulneráveis. O sr. encerra o governo frustrado com os resultados obtidos
nessa área?
Alckmin - Não vou dizer que esteja satisfeito. Mas também aqui
não há soluções milagrosas. E nós
avançamos muito. Hoje você tem
unidades pequenas espalhadas
pelo Estado inteiro. Dez anos
atrás eram apenas dois grandes
complexos: Imigrantes e Tatuapé.
O adolescente cometia um ato
infracional em São José do Rio
Preto e vinha parar em São Paulo.
Hoje ele fica perto da família,
mantém laços de parentesco e
amizade e está submetido a uma
grande agenda educativa, profissionalizante, inclusive. Quando
sair, tem emprego. De cada dez
que passam pela Febem, oito, ou
até um pouquinho mais, não voltam às infrações.
Folha - A população carcerária do
Estado de São Paulo não pára de
crescer. Esse caminho é correto?
Alckmin - Não, é errado. Mas nós
não temos escolha. A polícia flagra alguém cometendo um crime.
Com o Código Penal que temos,
faz o quê? Prende, prende, prende. Vamos virar o ano com quase
140 mil presos. E o fato é que isso
ajudou a derrubar os índices de
criminalidade em São Paulo.
Mas o governo federal tem tarefas importantíssimas a cumprir
na questão da segurança pública.
Primeiro, reformar o Código Penal. Hoje você tem bagrinhos
dentro do sistema e muitos tubarões fora. Poderia haver mais penas alternativas e penas mais duras para o crime organizado.
Em segundo lugar, é preciso
mais polícia de fronteira. São Paulo pega uma arma a cada 14 minutos. Não pára de entrar. Em terceiro, os recursos. Prioridade sem dinheiro é apenas retórica. O ano
vai acabar sem conseguirmos assinar o fundo penitenciário e o
fundo de segurança. Veja bem:
não é que não recebemos o dinheiro do governo federal. Não
chegamos nem a assinar.
Folha - O sr. concorda com a crítica de que, na gestão Lula, as ações
da Polícia Federal passaram a abusar da pirotecnia?
Alckmin - O espetáculo não me
incomoda muito porque existe a
questão da exemplaridade.
Folha - Lula recriou a Sudene, que
FHC havia extinguido. Qual é a sua
posição sobre instrumentos de desenvolvimento regional?
Alckmin - O melhor instrumento
é a reforma tributária, acabar com
a guerra fiscal. Nosso modelo tributário é absurdamente complexo. Precisamos simplificar. Tome
o ICMS: cada Estado tem uma lei.
São 27 leis diferentes, 55 alíquotas. Imagine a estrutura burocrática que o investidor precisa ter.
Potencializar as vocações econômicas: esse é o caminho. E sou favorável a instrumentos regionais
como a Sudene. O nome tanto faz.
Você precisa fiscalizar, mas é necessário que exista.
Folha - A pergunta mais repetida
dos últimos seis meses: Lula sabia?
Alckmin - Sabia. Pode-se discutir
com que grau de detalhe, mas
desconhecer por completo não
haveria como. E, neste caso, mesmo a hipótese implausível de que
não soubesse de nada seria muito
ruim para o presidente.
Folha - De volta às pesquisas, o
Datafolha apontou a liderança de
Orestes Quércia (PMDB) na disputa
pelo governo paulista. Mas 19% de
entrevistados mencionam Geraldo
Alckmin no levantamento espontâneo, sem saber que o sr. não pode
mais concorrer ao cargo. O que esses dados significam?
Alckmin - Em primeiro lugar,
significam que o quadro de candidatos ainda não está definido.
Quando Covas assumiu, em
1995 [depois de Luiz Antonio
Fleury, então no PMDB, que sucedera Quércia], não havia dinheiro
nem para pagar o salário do funcionalismo. O Estado estava quebrado, com 380 obras paradas. A
última -o Instituto da Mulher-
vai ficar pronta agora.
Uma década depois, estamos
reduzindo impostos, como resultado de um grande esforço. E noto
que as pessoas gostam do meu estilo de administrar. Governo não
é para girar em torno do governante, e sim em torno das pessoas. Governo bom é aquele que
não aparece muito. Mas tem de
funcionar. Não sei quem será o
nosso candidato, mas sei que a
chance dele será muito grande.
Nenhum tucano tem mais de
6%. Só o Fernando Henrique,
mas ele é diferente. O Fernando
Henrique, se quiser, é candidatíssimo -a tudo o que ele quiser.
Nós vamos pegar um nome novo, de uma pessoa que ainda não é
tão conhecida, com percentual
baixo, mas com todas as possibilidades de chegar à vitória.
Folha - O sr. vê chance real de Fernando Henrique concorrer ao governo estadual, a chamada "hipótese Rodrigues Alves"?
Alckmin - Eu não acho provável.
Mas, se ele quisesse, seria ótimo.
Folha - Dizem que, se Serra for o
candidato a presidente, o sr. escolhe o nome do PSDB para disputar o
governo estadual, e vice-versa.
Alckmin - Como um prêmio de
consolação...
Folha - Funcionará assim?
Alckmin - Não. São Paulo tem
mais de 40 milhões de habitantes.
O Estado tem uma importância
própria. A escolha será coletiva. E
nós temos bons nomes.
Folha - Poderia listá-los?
Alckmin - São esses que vocês já
disseram [o governador se referia
a José Anibal e Paulo Renato, incluídos no Datafolha, e ao secretário da Habitação, Emanuel Fernandes, mencionado em conversa anterior à entrevista]. Poderia
lembrar também o [Gabriel] Chalita [Educação] e o Saulo [de Castro Abreu Filho, Segurança].
O fato de o governo ser bem
avaliado ajuda o candidato. E as
pessoas só vão prestar mesmo
atenção na campanha quando
mudar o horário da novela por
causa da propaganda eleitoral.
Daí todo mundo é a favor do
emprego, tudo é muito parecido.
Por que as pessoas votam em um
e não em outro? A história, a experiência, a coerência. E a confiança, a empatia que o candidato
for capaz de despertar. Porque
eleição é, cada vez mais, um embate de personalidades.
Folha - O sr. poderia citar um livro
ou autor particularmente importante em sua formação?
Alckmin - O autor que eu mais li
na vida foi Monteiro Lobato. Da
literatura infantil à adulta, gosto
de tudo dele. "Cidades Mortas" é
um livro formidável. E ele foi muito generoso com a minha aldeia,
falava de Pindamonhangaba.
Mas eu gosto de tudo o que é
brasileiro. Adoro os filmes nacionais também. Achei o "Auto da
Compadecida" belíssimo.
Quando encerro o meu trabalho
-e isso nem sempre acontece cedo-, quero descansar da política, desligar do assunto que me
consome durante o dia. Na televisão, se tiver algo de política, eu
mudo logo de canal, para não
dormir com aquilo na cabeça.
Nessa hora eu gosto de ler. Adoro o tema qualidade de vida. Leio
muito sobre medicina e saúde.
Gosto também de ler sobre religião. Já li o que você puder imaginar sobre judaísmo e islamismo.
Folha - Se o sr. for candidato a
presidente e vencer, quem será seu
ministro da Fazenda?
Alckmin - Considerando que
ainda não chegamos nem à etapa
de oficializar candidaturas, acho
que seria inadequado falar em nomes. Mas posso afirmar que, se
for eleito presidente, a economia
será a preocupação central, não
pelo tema em si, mas por seu impacto na vida das pessoas.
Se a economia crescer mais, aumentará junto a oferta de emprego e os salários vão melhorar. O
que não elimina a necessidade de
um conjunto de políticas, de
ações afirmativas. Não posso introduzir ações afirmativas nas
universidades, porque elas têm
autonomia. Mas, como governador, introduzi no Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula
Souza, na Fatec, com o sistema de
pontuação para alunos da rede
pública e afrodescendentes.
Folha - Numa palavra, por que ser
presidente?
Alckmin - Nós precisamos recuperar o sonho coletivo, um projeto que una o Brasil. Hoje cada um
quer resolver o seu problema, não
se importa muito com os problemas dos outros. Está errado. Quero ser candidato para mudar, não
para administrar o marasmo.
O trabalho é o que realiza o ser
humano. Sentir-se útil à sociedade. O povo brasileiro adora trabalhar. Eu ando na rua e ouço: "Arranje um trabalho para o meu filho, para a minha irmã, para a minha mãe". Esse é o nosso desafio.
Folha - E se o candidato do PSDB à
sucessão de Lula não for o sr., o que
pretende fazer?
Alckmin - Eu me apresentei como candidato à Presidência nesta
semana. Como é que vocês querem que eu já considere alguma
outra possibilidade?
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