São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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ELEIÇÕES 2006/PRESIDÊNCIA

Governador paulista afirma que presidente conhecia, em algum grau, a corrupção e diz que país precisa retomar "sonho coletivo"

"Lula sabia, não haveria como desconhecer"

DA REDAÇÃO

"Coloquei o quadro aí para ver se o Fernando Henrique se anima." Quem fala é um sorridente Geraldo Alckmin, no corredor que dá acesso a seu gabinete, diante do retrato de Rodrigues Alves (1848-1919), que foi governador de São Paulo depois de ter sido presidente da República.
O próprio Alckmin considera improvável que FHC dispute a sua sucessão, mas diz que a avaliação do governo dará a qualquer tucano, mesmo desconhecido, boas condições para vencer.
(RLP E FBS)  

Folha - Vamos passar o governo Lula em revista. Qual é a sua avaliação da política externa?
Alckmin -
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que vejo alguns acertos, como o G20 e a reprovação à Guerra do Iraque. A diplomacia brasileira tem um elevado padrão de qualidade.
O problema, como em outras áreas, é a perda de oportunidades, especialmente na questão comercial. Posições ideológicas do gênero "a Alca é ruim". Não vejo dessa forma. O Brasil precisa aprofundar sua inserção internacional.
Os EUA estão fazendo acordos bilaterais com países do Caribe e da América do Sul. Enquanto isso, nós não resolvemos nossos problemas e deixamos de conquistar espaços novos. Essa é uma questão central: pisar no acelerador do comércio exterior.

Folha - Como o sr. vê a entrada da Venezuela no Mercosul?
Alckmin -
Acho natural que o Mercosul cresça, mas é preciso considerar que a Venezuela está no Pacto Andino e, no Mercosul, somos uma união aduaneira. Ou seja, houve um gesto, mas somente isso, porque você vai ter um problema prático logo adiante.

Folha - E a política social de Lula?
Alckmin -
Inclusão se faz com emprego e renda. E é bom lembrar que a atual rede de proteção social começou a ser implantada no governo Fernando Henrique Cardoso. Eram vários programas. Lula uniu tudo no Bolsa-Família. Se eleito presidente, vou manter. Está correto. Mas não para deixar eternamente as famílias na situação de pobreza. Por isso o fundamental é a educação. Considero essencial vincular a concessão do benefício à presença da criança em sala de aula.

Folha - A Febem é considerada um de seus pontos mais vulneráveis. O sr. encerra o governo frustrado com os resultados obtidos nessa área?
Alckmin -
Não vou dizer que esteja satisfeito. Mas também aqui não há soluções milagrosas. E nós avançamos muito. Hoje você tem unidades pequenas espalhadas pelo Estado inteiro. Dez anos atrás eram apenas dois grandes complexos: Imigrantes e Tatuapé.
O adolescente cometia um ato infracional em São José do Rio Preto e vinha parar em São Paulo. Hoje ele fica perto da família, mantém laços de parentesco e amizade e está submetido a uma grande agenda educativa, profissionalizante, inclusive. Quando sair, tem emprego. De cada dez que passam pela Febem, oito, ou até um pouquinho mais, não voltam às infrações.

Folha - A população carcerária do Estado de São Paulo não pára de crescer. Esse caminho é correto?
Alckmin -
Não, é errado. Mas nós não temos escolha. A polícia flagra alguém cometendo um crime. Com o Código Penal que temos, faz o quê? Prende, prende, prende. Vamos virar o ano com quase 140 mil presos. E o fato é que isso ajudou a derrubar os índices de criminalidade em São Paulo.
Mas o governo federal tem tarefas importantíssimas a cumprir na questão da segurança pública. Primeiro, reformar o Código Penal. Hoje você tem bagrinhos dentro do sistema e muitos tubarões fora. Poderia haver mais penas alternativas e penas mais duras para o crime organizado.
Em segundo lugar, é preciso mais polícia de fronteira. São Paulo pega uma arma a cada 14 minutos. Não pára de entrar. Em terceiro, os recursos. Prioridade sem dinheiro é apenas retórica. O ano vai acabar sem conseguirmos assinar o fundo penitenciário e o fundo de segurança. Veja bem: não é que não recebemos o dinheiro do governo federal. Não chegamos nem a assinar.

Folha - O sr. concorda com a crítica de que, na gestão Lula, as ações da Polícia Federal passaram a abusar da pirotecnia?
Alckmin -
O espetáculo não me incomoda muito porque existe a questão da exemplaridade.

Folha - Lula recriou a Sudene, que FHC havia extinguido. Qual é a sua posição sobre instrumentos de desenvolvimento regional?
Alckmin -
O melhor instrumento é a reforma tributária, acabar com a guerra fiscal. Nosso modelo tributário é absurdamente complexo. Precisamos simplificar. Tome o ICMS: cada Estado tem uma lei. São 27 leis diferentes, 55 alíquotas. Imagine a estrutura burocrática que o investidor precisa ter. Potencializar as vocações econômicas: esse é o caminho. E sou favorável a instrumentos regionais como a Sudene. O nome tanto faz. Você precisa fiscalizar, mas é necessário que exista.

Folha - A pergunta mais repetida dos últimos seis meses: Lula sabia?
Alckmin -
Sabia. Pode-se discutir com que grau de detalhe, mas desconhecer por completo não haveria como. E, neste caso, mesmo a hipótese implausível de que não soubesse de nada seria muito ruim para o presidente.

Folha - De volta às pesquisas, o Datafolha apontou a liderança de Orestes Quércia (PMDB) na disputa pelo governo paulista. Mas 19% de entrevistados mencionam Geraldo Alckmin no levantamento espontâneo, sem saber que o sr. não pode mais concorrer ao cargo. O que esses dados significam?
Alckmin -
Em primeiro lugar, significam que o quadro de candidatos ainda não está definido.
Quando Covas assumiu, em 1995 [depois de Luiz Antonio Fleury, então no PMDB, que sucedera Quércia], não havia dinheiro nem para pagar o salário do funcionalismo. O Estado estava quebrado, com 380 obras paradas. A última -o Instituto da Mulher- vai ficar pronta agora.
Uma década depois, estamos reduzindo impostos, como resultado de um grande esforço. E noto que as pessoas gostam do meu estilo de administrar. Governo não é para girar em torno do governante, e sim em torno das pessoas. Governo bom é aquele que não aparece muito. Mas tem de funcionar. Não sei quem será o nosso candidato, mas sei que a chance dele será muito grande.
Nenhum tucano tem mais de 6%. Só o Fernando Henrique, mas ele é diferente. O Fernando Henrique, se quiser, é candidatíssimo -a tudo o que ele quiser.
Nós vamos pegar um nome novo, de uma pessoa que ainda não é tão conhecida, com percentual baixo, mas com todas as possibilidades de chegar à vitória.

Folha - O sr. vê chance real de Fernando Henrique concorrer ao governo estadual, a chamada "hipótese Rodrigues Alves"?
Alckmin -
Eu não acho provável. Mas, se ele quisesse, seria ótimo.

Folha - Dizem que, se Serra for o candidato a presidente, o sr. escolhe o nome do PSDB para disputar o governo estadual, e vice-versa.
Alckmin -
Como um prêmio de consolação...

Folha - Funcionará assim?
Alckmin -
Não. São Paulo tem mais de 40 milhões de habitantes. O Estado tem uma importância própria. A escolha será coletiva. E nós temos bons nomes.

Folha - Poderia listá-los?
Alckmin -
São esses que vocês já disseram [o governador se referia a José Anibal e Paulo Renato, incluídos no Datafolha, e ao secretário da Habitação, Emanuel Fernandes, mencionado em conversa anterior à entrevista]. Poderia lembrar também o [Gabriel] Chalita [Educação] e o Saulo [de Castro Abreu Filho, Segurança].
O fato de o governo ser bem avaliado ajuda o candidato. E as pessoas só vão prestar mesmo atenção na campanha quando mudar o horário da novela por causa da propaganda eleitoral.
Daí todo mundo é a favor do emprego, tudo é muito parecido. Por que as pessoas votam em um e não em outro? A história, a experiência, a coerência. E a confiança, a empatia que o candidato for capaz de despertar. Porque eleição é, cada vez mais, um embate de personalidades.

Folha - O sr. poderia citar um livro ou autor particularmente importante em sua formação?
Alckmin
- O autor que eu mais li na vida foi Monteiro Lobato. Da literatura infantil à adulta, gosto de tudo dele. "Cidades Mortas" é um livro formidável. E ele foi muito generoso com a minha aldeia, falava de Pindamonhangaba.
Mas eu gosto de tudo o que é brasileiro. Adoro os filmes nacionais também. Achei o "Auto da Compadecida" belíssimo.
Quando encerro o meu trabalho -e isso nem sempre acontece cedo-, quero descansar da política, desligar do assunto que me consome durante o dia. Na televisão, se tiver algo de política, eu mudo logo de canal, para não dormir com aquilo na cabeça.
Nessa hora eu gosto de ler. Adoro o tema qualidade de vida. Leio muito sobre medicina e saúde. Gosto também de ler sobre religião. Já li o que você puder imaginar sobre judaísmo e islamismo.

Folha - Se o sr. for candidato a presidente e vencer, quem será seu ministro da Fazenda?
Alckmin -
Considerando que ainda não chegamos nem à etapa de oficializar candidaturas, acho que seria inadequado falar em nomes. Mas posso afirmar que, se for eleito presidente, a economia será a preocupação central, não pelo tema em si, mas por seu impacto na vida das pessoas.
Se a economia crescer mais, aumentará junto a oferta de emprego e os salários vão melhorar. O que não elimina a necessidade de um conjunto de políticas, de ações afirmativas. Não posso introduzir ações afirmativas nas universidades, porque elas têm autonomia. Mas, como governador, introduzi no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, na Fatec, com o sistema de pontuação para alunos da rede pública e afrodescendentes.

Folha - Numa palavra, por que ser presidente?
Alckmin -
Nós precisamos recuperar o sonho coletivo, um projeto que una o Brasil. Hoje cada um quer resolver o seu problema, não se importa muito com os problemas dos outros. Está errado. Quero ser candidato para mudar, não para administrar o marasmo.
O trabalho é o que realiza o ser humano. Sentir-se útil à sociedade. O povo brasileiro adora trabalhar. Eu ando na rua e ouço: "Arranje um trabalho para o meu filho, para a minha irmã, para a minha mãe". Esse é o nosso desafio.

Folha - E se o candidato do PSDB à sucessão de Lula não for o sr., o que pretende fazer?
Alckmin -
Eu me apresentei como candidato à Presidência nesta semana. Como é que vocês querem que eu já considere alguma outra possibilidade?


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