São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ FUNDOS DE PENSÃO

Economista fundou a Guaranhuns, que repassou R$ 6,5 mi ao PL de Valdemar Costa Neto, e é suspeito de ser doleiro de políticos

Mesmo convocado, Funaro não depõe na CPI

MARIO CESAR CARVALHO
JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 31 anos, o economista Lúcio Bolonha Funaro acumula uma fortuna de R$ 12 milhões, segundo o próprio, vive num apartamento de R$ 2,5 milhões na zona sul de São Paulo e circula num Touareg, o jipão da Volkswagen vendido no Brasil por cerca de R$ 320 mil. Já decidira comprar um jatinho Citation, avaliado em cerca de R$ 15 milhões, mas a CPI dos Correios arruinou os seus planos ao elegê-lo como alvo privilegiado de suas investigações.
No mercado financeiro, o próprio Funaro ajudou a difundir a idéia de que é imbatível quando se trata de ganhar dinheiro na Bolsa. A CPI dos Correios, no entanto, começou a minar essa lenda ao investigar os fundos de pensão.
Funaro acumulou muito dinheiro, de acordo com a CPI, não por ser um gênio financeiro, mas por fazer parte de um esquema político em que ele sempre ganha nas aplicações e os fundos de pensão sempre perdem. A Polícia Federal aponta outra de suas fontes de renda: diz que é doleiro.
Funaro entrou para o noticiário por ter fundado em 1999 uma empresa, a Guaranhuns Empreendimentos. Foi por meio da Guaranhuns, segundo a CPI, que Marcos Valério repassou R$ 6,5 milhões para o deputado federal Valdemar Costa Neto (PL), que renunciou em 1º de agosto para evitar a cassação.
A amigos, Funaro contou outra versão sobre os R$ 6,5 milhões. Diz que havia emprestado essa soma para Costa Neto usar na campanha e o então deputado o pagou com um cheque de uma das empresas de Marcos Valério. Aos mesmos amigos, o economista diz que ainda controla a Guaranhuns -formalmente, ele repassou a empresa em 2001 a José Carlos Batista, um operador do mercado financeiro que circula com um Gol ou de metrô e vive num apartamento de classe média em Santo André (SP).

A honra do silêncio
O que é certo é que a renúncia não afetou a amizade de Funaro e Costa Neto. Eles continuam se encontrando, e Funaro não poupa elogios ao silêncio de Costa Neto. Diz que "é homem macho", que nunca "entregou ninguém".
Esse código de honra é um componente essencial nos negócios de Funaro. Ali, vale a palavra, mesmo porque muitos dos acordos não poderiam ser escritos -o contrato é "no fio do bigode", como ele diz. Segundo investigação da CPI dos Correios, foi por meio desse tipo de acordo, por exemplo, que Funaro teria ganhado cerca de R$ 6 milhões em operações com a Prece, fundo de pensão dos funcionários da companhia de água e esgoto do governo do Rio de Janeiro.
A Prece foi a fundação que teve mais prejuízos entre 2000 e 2005, segundo ranking elaborado pelo deputado ACM Neto (PFL-BA). Só em operações na BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), a fundação perdeu R$ 309 milhões -o prejuízo total de 14 fundos analisados foi de R$ 729 milhões.
O período em que as perdas estão concentradas (2003 e 2004) coincide com os dois primeiros anos de Rosinha Matheus (PMDB) à frente do governo do Rio. As conexões de Funaro com o Rio estendem-se também a Anthony Garotinho (PMDB): ele é apontado como um dos operadores do caixa dois do ex-governador -o que ambos negam.
Funaro não nega, no entanto, que é dele o apartamento em que o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) mora, de graça, no hotel Blue Tree em Brasília. Cunha é o líder da bancada peemedebista que Garotinho controla, com 20 parlamentares.

Tucanos e Edir Macedo
Sobrinho do empresário Dilson Funaro, o ministro da Fazenda que lançou o Plano Cruzado em 1986, no governo do presidente José Sarney (1985-1990), Funaro diz que nunca se valeu do sobrenome para abrir portas no mundo político ou no mercado financeiro. Conta, com um sorriso no rosto, que começou a comprar e vender dólares quando tinha 15 anos em Vargem Grande do Sul, a cidade de 37 mil habitantes onde nasceu, a 246 km de São Paulo.
Aos 18, segundo ele, já ganhara a confiança dos moradores mais ricos da cidade para aplicar os recursos que lhe eram confiados na Bolsa de Valores. Foi quando quebrou pela primeira vez, segundo conta. Funaro relata que foi chamado ao Banco Central em São Paulo para explicar as operações que fizera, mas, quando viram a sua idade, nem quiseram ouvi-lo.
Entre os tucanos, Funaro diz que seu maior amigo é Ricardo Sérgio de Oliveira, que foi diretor da área internacional do Banco do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso e é apontado como caixa de campanha do PSDB. Ressalta que é companheiro de partidas de tênis desde que se conheceram, em 2003, quando o PT já havia assumido a Presidência, e nunca emprestou seu nome para operações realizadas por Oliveira com fundos de pensão.
Funaro brinca que se fosse verdade que seus contatos políticos vão do PL ao PSDB, com escala na facção do PMDB controlada por Garotinho, ele poderia se candidatar a deputado que seria eleito.
Delegados da Polícia Federal que investigam Funaro dizem que o arco político que ele percorre tem uma única razão -o fato de ser doleiro e os políticos precisarem de seus serviços para administrar o caixa dois.
Funaro diz que já cogitou lançar-se candidato a deputado federal. O pai da idéia de sua abortada carreira política, segundo ele, foi o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal. Desistiu da idéia porque o modo de vida dos evangélicos lhe parecia excessivamente ortodoxo. Havia também razões religiosas. Funaro é seguidor da Opus Dei, a corrente católica conhecida por seu conservadorismo.
Um dos mistérios da CPI é a razão pela qual Funaro já foi convocado, mas até agora não depôs. Ele próprio tem a sua versão sobre a "moleza" da CPI. Diz ser "destemperado" e, se provocado, poderia enlamear políticos de A a Z.
Ilustra o seu descontrole com uma história sobre Flávio Maluf. Diz que o filho de Paulo Maluf fez negócios com ele e deixou como caução um cheque de R$ 600 mil. Às vésperas da data em que o cheque deveria ser depositado, Flávio teria lhe pedido para trocar o cheque por dez cheques, assinados por outras pessoas. Funaro diz que aceitou. Ao depositar a série, descobriu que nenhum deles tinha fundo. "Fui até a Eucatex e dei uma porrada no Flávio", conta.
Adilson Laranjeira, assessor de Paulo Maluf, confirma que Flávio fez negócios com Funaro. Já a briga entre os dois, segundo Laranjeira, é lenda: "O Flávio nunca viu esse rapaz. Esse Funaro está com problemas com a CPI e quer arrastar outras pessoas com ele".


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