São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

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CONTRATOS SUSPEITOS

80% dos terceirizados da estatal são da Bauruense, que desde 2000 recebeu R$ 821 milhões pelos serviços

Furnas é investigada por terceirização irregular

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO

Furnas Centrais Elétricas está sendo investigada por terceirização irregular de funcionários e improbidade administrativa, pelos Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal. São negócios de mais de R$ 800 milhões só com o grupo Bauruense desde 2000 -R$ 323,6 milhões só em 2004.
Atualmente, há 2.000 terceirizados e 4.581 funcionários na subsidiária da Eletrobrás. O Ministério Público do Trabalho aponta o ex-presidente e ex-diretor de Engenharia de Furnas Dimas Fabiano Toledo como administrador dos contratos de terceirização.
A Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho receberam informações de que Dimas Toledo seria sócio-oculto da Bauruense, cujos sócios são os irmãos Airton Antônio Daré e Jair Daré. A PF investiga o fato.
Junto com dois diretores, Toledo foi afastado em junho de 2005, depois de o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmar à Folha ter ouvido dele que havia desvio de R$ 3 milhões mensais em Furnas. Segundo Jefferson, R$ 1 milhão ia para o PT nacional; R$ 1 milhão para o PT de Minas, R$ 500 mil para deputados que foram para a base aliada e R$ 500 mil seriam divididos entre diretores de Furnas. Uma sindicância na estatal negou haver caixa dois.
Dos terceirizados em Furnas, 1.598 (80%) são contratados pelo grupo Bauruense, que desde 2000 recebeu R$ 821 milhões de Furnas em 28 contratos para prestação de serviços, diz o site da estatal. Só em 2004, foram assinados negócios de R$ 323,65 milhões. Em ao menos cinco não houve licitação.
Os acordos de Furnas com a Bauruense são vultosos. Em 2004, a estatal pagou R$ 35,6 milhões por serviços para a sua Superintendência de Empreendimentos de Geração; R$ 23,8 milhões pela "prestação de serviços de apoio técnico e administrativo" ao escritório central de Furnas; e R$ 10,9 milhões por "serviços complementares". Foram 12 contratos e aditamentos só em 2004.

Concurso aprovou 9.000
Embora, por pressão do Ministério Público do Trabalho, Furnas tenha feito concurso público em 2003/2004 que aprovou 9.000, a empresa manteve os empregados de firmas terceirizadas e resiste a substitui-los pelos concursados. "A terceirização burla o princípio do concurso público", diz o procurador Fábio Leal Cardoso, coordenador nacional do combate a irregularidades trabalhistas na administração pública.
Na ação, o Ministério Público do Trabalho informa que Furnas usa "empresas prestadoras de serviços e/ou cooperativas como "testas-de-ferro" para manter 2.500 trabalhadores em seu quadro sem concurso público" e delega a terceiros "serviços próprios" de funcionários.
"Furnas fez concurso e aprovou 9.000. Achamos que estava resolvido, mas soubemos que não estavam dando posse a ninguém", conta a procuradora Guadalupe Couto. Ela diz que nomeações são poucas, lentas e dão preferência a terceirizados que estão entre os aprovados no concurso.
Segundo Cardoso, Furnas mantém os mesmos funcionários mesmo quando troca a prestadora de serviços, que incorpora os antigos empregados como seus. "São empresas laranjas, fantasmas. É comum pessoas serem indicadas, e muitas vezes os funcionários que antes atuavam em Furnas são recontratados pela nova empresa que assume." Um prestador de serviços que saiu há um ano ouvido pela Folha confirma a prática e menciona o freqüente apadrinhamento político.
Na ação, o Ministério Público do Trabalho fala de "proteção exacerbada da empresa ao pessoal não concursado". "O prestígio aos não concursados é claramente evidenciado (...) no pagamento a um não concursado de salário superior ao valor pago a um servidor que exerce as mesmas funções."

Ameaças de morte
Uma reunião entre o Ministério Público do Trabalho e Furnas no próximo dia 27 pode selar acordo que levaria à substituição dos contratados pelos aprovados em concurso. Os procuradores admitem a troca em no máximo dois anos -Furnas quer oito- e abrir mão de multa de R$ 25 milhões. A validade de um dos concursos acaba em 26 de fevereiro, mas o Ministério Público do Trabalho quer prorrogá-lo por dois anos, caso o impasse não seja resolvido.
Em maio de 2004, o juiz do caso, Ricardo Miguel, e a procuradora Guadalupe receberam ameaça de morte -a dela foi na véspera de audiência do caso de Furnas.

Bauruense
Em sua página na internet, o grupo Bauruense se apresenta como empresa de prestação de serviços tão diversos que vão de fornecimento de mão-de-obra, conservação, aluguel de aeronaves, vigilância e segurança patrimonial a serviços específicos para as áreas de transmissão, geração e distribuição de energia elétrica. A Bauruense informa ter contratos com Furnas desde 1992.
Segundo o site de Furnas, a estatal detém contratos com a Bauruense Tecnologia e Serviços Ltda. e Bauruense Serviços Gerais Ltda. Entre os outros clientes estão estatais como a Petrobras -primeira da lista-, Eletronuclear, e a Prefeitura de São Paulo.
A "flexibilidade" no atendimento da empresa é ressaltada pelo texto do grupo na internet. A matriz da empresa fica em São Paulo e o centro administrativo em Bauru. O grupo conta ainda com nove unidades espalhadas pelo país, em locais como Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Goiânia (GO) e Curitiba (PR), por exemplo.
Em Bauru (345 km de SP), a Bauruense Serviços Gerais Ltda., de propriedade de Airton Antonio Daré e Jair Daré, ocupa um quarteirão no Jardim Pagani. O local fica bastante afastado do centro de Bauru, à margem da rodovia Marechal Rondon.
A sinalização da empresa é precária, apesar de suas dimensões. Não se encontra placa, painel, faixa ou qualquer outro sinal que identifique o funcionamento da Bauruense naquele imóvel.


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