São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2008

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Mangabeira afirma preferir "ser imprudente a ser evasivo"

Na Amazônia, ministro de Assuntos Estratégicos diz ser seu dever ligar futuro e presente

Mangabeira Unger, que afirma querer "subordinar seus impulsos às intenções do país", propõe criar escola federal de ensino médio

RODRIGO VARGAS
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

À frente do ministério criado para apresentar propostas para o futuro do Brasil, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, 60, diz preferir "ser imprudente a ser evasivo". Uma amostra dessa atitude veio logo na primeira ação de sua pasta -uma viagem ao Pará e ao Amazonas-, quando divulgou idéias como a transposição de água da Amazônia para o Nordeste. Sobraram críticas e o ministro recuou -falou em "mal-entendido" e que a proposta é parte de um "esboço" de idéias.
"Não posso executar minha tarefa se estiver preocupado em me resguardar", disse o titular da pasta de Assuntos Estratégicos. "Ministro sem pasta" por uma semana em 2007 -intervalo entre a atual nomeação e a derrubada, pelo Senado, da medida provisória que criara a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo-, ele diz querer "subordinar seus impulsos às intenções do país".
Em entrevista à Folha, Mangabeira cita outros projetos do ministério -que vão da construção de uma "infovia nacional" a uma rede de escolas médias federais. E evoca o foco de sua pasta ao minimizar sua defesa, em 2005, do impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Para nós e para o Brasil, o futuro é mais importante do que o passado."

 

FOLHA - Qual foi o objetivo da viagem do senhor pela Amazônia?
MANGABEIRA UNGER -
A causa da Amazônia deve ser vista no Brasil como uma causa nacional. Então, comecei a organizar uma proposta para a Amazônia, que não poderia ser imposta de cima para baixo.

FOLHA - O sr. lançou documento com propostas à região que causou controvérsia. Qual seu objetivo?
MANGABEIRA -
Preferi ser imprudente a ser evasivo. Não posso executar minha tarefa de maneira responsável se estiver preocupado em me resguardar. Nós, brasileiros, temos de perder o medo das idéias. Formulei esse documento e o divulguei. Não é a expressão de uma posição oficial do governo nem da minha pasta. É um documento destinado a provocar e a organizar a discussão.

FOLHA - O sr. pode citar algumas propostas de sua pasta?
MANGABEIRA -
Agora, por exemplo, estou focado em iniciativas de acesso a crédito, tecnologia e conhecimento em favor da multidão de pequenos empreendimentos emergentes que são a verdadeira força de nossa economia. Estou trabalhando com o Ministério da Educação na idéia de uma rede de escolas médias federais. Também trabalho com o Ministério da Cultura em um projeto de inclusão digital. Vamos fazer uma infovia nacional para fortalecer capacitações populares de acesso à rede e estimular a produção de conteúdos nacionais.

FOLHA - Em Manaus ficou nítida a distância entre suas idéias do futuro e demandas urgentes da região.
MANGABEIRA -
Não vejo assim. Julgo ser natural que as pessoas se preocupem com o imediato, mas questões pontuais só podem ser resolvidas quando colocadas em perspectiva de longo prazo. Eu é que tenho que construir a ponte entre o futuro e o presente.

FOLHA - Quais as dificuldades nos primeiros meses na pasta?
MANGABEIRA -
Muitas e imensas. Estamos discutindo a transformação de um grande país. Há agora o surgimento de uma nova classe média que vem de baixo, morena, mestiça, de pessoas que estudam à noite e lutam para abrir pequenos negócios. Essa vanguarda de batalhadores emergentes já está no comando do imaginário popular. A revolução brasileira seria o Estado usar seus poderes e recursos para ajudar a maioria a seguir o exemplo dessa vanguarda. Isso só é possível pela renovação das instituições econômicas e políticas.

FOLHA - O senhor se refere a uma reforma política?
MANGABEIRA -
Sim, um caminho inevitável. Basta termos financiamento público de campanhas, fidelidade partidária, substituição da maioria dos cargos comissionados por carreiras de Estado e revisão do processo orçamentário. Vai separar a política do dinheiro.

FOLHA - Em 2006, o sr. se lançou pré-candidato à Presidência. Ainda mantém este sonho?
MANGABEIRA -
Hoje não mais. Minha luta durante toda a vida foi em favor de uma alternativa. Tentei vários caminhos. Agora estou no mais fecundo que encontrei até agora, pois estou dentro do governo e com o apoio do presidente. Para ajudar a transformar o país, eu tenho que me transformar. Não posso atuar apenas como doutrinador, um agente político isolado. Tenho que subordinar meus impulsos às intenções do país e aprender a praticar aquilo que nunca fiz antes como prática habitual, que é a construção de consensos. Estou aprendendo.

FOLHA - Em 2005, o sr. chegou a defender o impeachment do presidente Lula. Como se deu essa mudança de posição?
MANGABEIRA -
Fui um crítico severo do governo Lula em seu primeiro mandato. Por isso não foi fácil para o presidente me convidar e não foi fácil aceitar o convite. Para nós e para o Brasil, o futuro é mais importante do que o passado.


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