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São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

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AGENDA PETISTA

Francisco de Oliveira afirma que medida proposta pelo governo significaria que petista foi eleito para "não governar"

Autonomia do BC esvazia Lula, diz sociólogo

Luana Fischer/Folha Imagem
Francisco de Oliveira em aula magna na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, na USP


DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo Francisco de Oliveira, 68, afirmou anteontem em São Paulo, após aula magna na USP, que dar autonomia ao Banco Central "é como dizer que a eleição do Lula não teve nenhuma importância".
A aula proferida por ele marcou a inauguração do ano letivo na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Oliveira, um dos principais intelectuais ligados ao PT, disse ainda que a recente elevação de juros pelo BC é antidemocrática e que o banco é uma instituição anti-republicana.
A primeira reforma patrocinada pelo governo buscará abrir caminho para a autonomia do BC. Para o sociólogo, a autonomia é "a anulação da política"; com ela, diz, "elege-se o presidente para não governar".
No discurso intitulado "Em Busca do Consenso Perdido", que leu para cerca de 300 pessoas espremidas em auditório da USP em que cabiam 200 sentadas, Francisco de Oliveira defendeu que "está em gestação uma sociedade de controle que escapa aos rótulos simples do neoliberalismo e do totalitarismo".
Sociedade, diz, "em que as instituições democráticas e republicanas são o pão escasso do circo amplo para manter as energias cidadãs entretidas enquanto os grupos econômicos decidem o que é relevante".
"A democracia e a República são um luxo que o capital tem que conceder às massas, dando-lhes a ilusão de que controlam os processos vitais, enquanto as questões reais são decididas em instâncias restritas, inacessíveis e ausentes de qualquer controle", afirmou ele.
Seguindo um raciocínio do filósofo francês Michel Foucault, o sociólogo da USP disse que o caráter sutil desse novo poder está no fato de que o próprio "prisioneiro faz o dever de casa como um autômato".
"O FMI, por exemplo, é um saber foucaultiano. Ele enquadra os governos nacionais, recomendando superávits que são dictats. Suas missões são o guarda penitenciário que reiteradamente dá uma olhada no prisioneiro. Este mantém suas contas prontas para mostrar ao gendarme que volta, mas essa volta é até dispensável", afirmou.

Nova prisão
Oliveira insistiu na metáfora para dizer que a autonomia do Banco Central é uma "nova prisão" que se apresenta ao país.
Disse que mesmo nos EUA há "bancos centrais" regionais que compensam a independência do BC federal. "[O dramaturgo Eugène] Ionesco não teria sido capaz de produzir peça tão absurda", disse sobre a autonomia. Para ele, é preciso, ao contrário, democratizar essa que como "nenhuma outra instituição zomba tanto da democracia". "Guardião do signo maior da sociedade de classes, o Banco Central é fechado, anti-republicano e antidemocrático."
Disse, por exemplo, que quando o Banco Central já no governo Lula eleva a taxa básica de juros em meio ponto percentual, ele "desfaz a vontade dos cidadãos no Orçamento votado no Congresso Nacional".
Para democratizá-lo, é necessário, ele afirma, melhorar os instrumentos de controle do parlamento sobre o BC, "indo além da sabatina" dos novos presidentes da instituição no Senado.
"A sabatina que o Silvio Santos faz aos concorrentes do "Show do Milhão" é mil vezes mais complexa que a que o Senado faz com o presidente do Banco Central." Citou como exemplo a sabatina do atual presidente, Henrique Meirelles. "É uma ironia que devêssemos ter convidado o Silvio Santos a sabatiná-lo", afirmou.
Outra forma de aprimorar o controle democrático sobre o BC, para Oliveira, seria a criação de "uma câmara de cidadãos encarregada de emitir pareceres sobre sua atuação".
Para participar desse novo conselho, defende o sociólogo, os integrantes deveriam ter ilibada reputação. "O que exclui desde logo membros do mercado financeiro", afirmou.
O consenso perdido, a que se referia o título da aula, é o de "que somos uma nação, e não um aglomerado de consumidores", explicou o professor.
(RAFAEL CARIELLO)


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