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São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

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ELIO GASPARI

O brasileiro, esse problema

Lula disse o seguinte:
"Esta é a hora de cada brasileiro e brasileira pensar menos em si mesmo e mais no país. (...) Louvável tem sido a conduta política dos governadores e governadoras, prefeitos e prefeitas, de todos os partidos, que vêm colocando seus compromissos com a nação acima de seus interesses particulares".
Será que ele realmente acredita que os governadores e prefeitos (de cujo apoio precisa) formam uma louvável elite de altruístas num país de brasileiras e brasileiros egoístas?
Boa parte dos 53 milhões de eleitores de Lula prefeririam ouvi-lo dizendo assim:
"Esta é a hora de governadores e prefeitos pensarem menos em si e nos seus partidos e mais no país. Louvável tem sido a conduta de cada brasileira e brasileiro que aguenta o desemprego, os juros altos, a violência e a estagnação, colocando a esperança acima dos sofrimentos".
Lula ainda não tem dois meses de governo e já faz concessões a uma retórica depreciativa do povo, típica do andar de cima. Oito anos de demofobia tucana tornaram esse número até cansativo. O Brasil não difere da França, dos Estados Unidos ou do Iraque porque os brasileiros e brasileiras pensam mais em si do que no país. Se Pindorama padece de um mal, este foi o de ter sido governado por pessoas que têm uma má opinião de seu povo.
Atribui-se a San Tiago Dantas a observação de que a Índia tem uma grande elite e um mau povo (para ficar no adjetivo mais educado), enquanto o Brasil tem um grande povo e uma má elite. Num dos discursos que pronunciaria no dia de sua posse, em 1985, Tancredo Neves fez um precioso resumo da grandeza do povo brasileiro, contrapondo-a ao nanismo de uma elite de segunda.
Infelizmente, Lula deu-se a crer que o brasileiro pensa mais em si do que no país. Não há uma medida capaz de aferir o grau de egoísmo das pessoas, muito menos dos povos, mas se pode suspeitar que o problema esteja mais na cabeça do presidente do que no coração das gentes. Por exemplo: aquele pedaço desse povo que vai para a porta de suas casas e palácios para abraçá-lo. Pouco ou nada lhe pedem. Já não se pode dizer o mesmo dos maganos que recebe no Planalto.
Um povo que suporta uma carga tributária de 36% do PIB e vai completar duas décadas de virtual estagnação econômica merece mais carinho. Não é justo que o presidente da República lhe jogue frases de efeito, aproveitando a ocasião para falar bem de si próprio ("Sou um homem acostumado a falar com franqueza e de coração aberto") e mal de seu antecessor ("fonte de nossas dores de cabeça").
A tosca frase de Lula ecoa algo dito há tempos, com estilo e graça, pelo presidente John Kennedy em seu discurso de posse: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país". Não quer dizer nada, mas soa bem.
Se fosse para beber nessa fonte, os presidente brasileiros deveriam ser obrigados a ouvir outra construção:
"Não pergunte o que o povo pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo povo".
Se não puder fazer nada, pelo menos não fale mal dele.


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