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Universal quer intimidar, dizem entidades
Fenaj, Abraji, Article 19 e Centro pela Justiça e Direito Internacional preparam protestos após ações de fiéis da igreja contra a Folha
O departamento jurídico da TV Record e advogados da igreja foram procurados, mas não se pronunciaram até o fechamento da edição
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO
Juristas, magistrados e entidades de classe e da sociedade
civil criticam a iniciativa da
Igreja Universal do Reino de
Deus de incentivar fiéis a moverem ações de indenização em
juizados especiais, nas mais
distantes cidades do país, contra jornais e jornalistas. Eles dizem que a estratégia revela
uma tentativa de intimidação
da imprensa e atenta contra a
liberdade de expressão.
"O Poder Judiciário deve dar
uma resposta urgente, firme e
direta contra esse expediente.
O processo é absolutamente
ilegal. O juiz tem o dever de evitar [o processo] até em um despacho inicial", diz René Ariel
Dotti, professor e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal.
"Esse é um expediente antiético. É um novo modelo de intimidação à imprensa. Isso é um
gravíssimo atentado à liberdade de imprensa, que não deve
prosperar", diz Dotti. Segundo
o jurista, o juiz tem o dever de
manter o equilíbrio entre as
partes. "Não é possível que o
processo sirva para o triunfo de
uma parte em opressão da outra como ocorre nesse caso."
No total, há 56 ações de fiéis
da Iurd contra a repórter Elvira
Lobato e a Folha. Cinco delas
já foram extintas. Houve dois
casos em que, além de extinguir o processo, os juízes ainda
condenaram os fiéis por usar o
Poder Judiciário de forma indevida (litigância de má-fé).
Eles terão de pagar custas e
despesas processuais, além de
multa. Cabe recurso.
Das seis audiências marcadas para ontem dos processos
em nome de fiéis da Universal
contra a Folha e a jornalista,
três foram remarcadas: em
Santa Luzia (PB), Irecê (BA) e
São Benedito (CE). As três audiências que ocorreram não tiveram decisão final. Elas foram
realizadas em Lago da Pedra
(MA), Carapebus (RJ) e Cruzeiro do Sul (AC).
A Fenaj (Federação Nacional
dos Jornalistas) anunciou que
pedirá ao Itamaraty uma posição em órgãos internacionais
contra censuras prévias e intimidações à imprensa.
Em movimento paralelo, a
Article 19 -ONG que defende a
liberdade de imprensa com escritórios em vários países-, vai
levar o caso à Corte Interamericana dos Direitos Humanos,
junto com a Abraji (Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Centro pela
Justiça e Direito Internacional.
A comissão, órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos), pode recomendar ao
Brasil mudanças na legislação
caso considere que há ameaça à
liberdade de expressão.
A coordenadora da Article 19
no Brasil, Paula Martins, diz
que "há uma clara tentativa de
intimidação". Em nota divulgada ontem, a ABI (Associação
Brasileira de Imprensa) afirma
ser evidente que há "um cérebro no comando a centralizar a
instauração dessas ações judiciais" e "a nítida intenção de dificultar o direito de ampla defesa e do contraditório".
Ato de coragem
A cientista política Maria Tereza Sadek, que pesquisa o Judiciário, diz que os juízes têm
que ter "um ato de coragem para condenar os autores por litigância de má-fé". Para ela, o Judiciário "tem que cortar pela
raiz, [os processos] não poderiam proliferar dessa maneira".
Taís Gasparian, advogada da
Folha, afirma que "impressiona o fato de que as petições dessa demanda sejam praticamente idênticas e que muitas delas
tenham sido distribuídas em cidades nas quais a Folha de S.
Paulo nem mesmo circula".
Para o juiz Jayme Martins de
Oliveira Neto, da 13ª Vara da
Fazenda Pública de São Paulo,
o juizado especial foi montado
para ajudar o cidadão comum
no acesso à Justiça. "Quando se
verifica que o sistema passa a
ser utilizado de maneira que foge a esses padrões, ou por ma-fé
ou porque os argumentos são
repetitivos, idênticos em pontos distantes do país, o sistema
passa a ser desvirtuado com
evidente prejuízo para a defesa", diz Neto, que atuou durante anos em juizados especiais.
Em editorial publicado ontem sob o título "Empresário
quer intimidar a imprensa", o
jornal "O Estado de S. Paulo"
afirma que, "felizmente, os magistrados encarregados de julgar esses processos já perceberam a má-fé dos reclamantes".
Sob o título "Conspiração",
editorial de "O Globo" na última sexta-feira diz que o caso
"representa, na verdade, uma
ação arquitetada, usando métodos espúrios, contra a liberdade de expressão e de imprensa".
O advogado José Paulo Cavalcanti Filho, ministro interino da Justiça no governo Sarney, diz que há "um movimento conduzido pela própria igreja,
um instrumento de pressão para desestimular outros meios
de comunicação" [a tratar dos
negócios da Igreja Universal].
A Folha procurou o departamento jurídico da Record e os
advogados da Universal, mas
eles não se pronunciaram até o
fechamento desta edição.
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