São Paulo, quinta, 19 de fevereiro de 1998

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CELSO PINTO
Uma conta de US$ 83 bilhões

A necessidade de recursos externos do Brasil, no ano passado, chegou a US$ 83,6 bilhões. Esse é o volume de dólares que seria necessário se o país quisesse ter fechado suas contas sem perder reservas cambiais.
É muito dinheiro, por qualquer critério. Equivale a 10,4% do PIB, que ficou em US$ 806 bilhões em 97 nas estimativas do Banco Central. Embora uma parte deste dinheiro seja estável, como os financiamentos às importações, outra é muito volátil, como as aplicações de curto prazo.
A necessidade total de recursos em 97, calculada pelo economista Octávio de Barros, da Sobeet, é a soma do déficit em conta corrente, das amortizações e da perda de reservas. Para 98, a conta será menor, mas ainda assim muito expressiva, em valores absolutos.
O déficit em conta corrente mede o resultado líquido da conta comercial (exportações menos importações) e de serviços (juros, remessas de lucros, fretes etc.). Em 97, o buraco ficou em US$ 33,4 bilhões, pelos números revisados do BC. Para 98, as autoridades têm mencionado um número em torno de US$ 30 bilhões.
As amortizações em 97 chegaram a US$ 28,7 bilhões, segundo o BC. Para este ano, o BC prevê amortizações de US$ 18,4 bilhões. Até aí, as necessidades neste ano seriam US$ 13,7 bilhões inferiores às de 97.
A diferença final está no movimento dos capitais de curto prazo que saem, basicamente, por meio do mercado de câmbio flutuante. O mercado estima que o flutuante perdeu US$ 23,6 bilhões no ano passado. Neste ano, até agora, já perdeu US$ 2,5 bilhões.
É esse tipo de capital que fez a diferença final nas contas do ano passado, argumenta Barros. Para entender por que, basta seguir as contas publicadas pelo BC na terça-feira.
Somando o déficit em conta corrente e as amortizações, já mencionados, as necessidades de recursos em 97 chegaram a US$ 62,2 bilhões. Essas necessidades foram mais do que cobertas pelo ingresso de diferentes tipos de capitais, num total de US$ 76,2 bilhões.
Foram US$ 17,1 bilhões em investimentos diretos, US$ 5,3 bilhões em investimentos em portfólio, US$ 20,1 bilhões em financiamentos a importações, US$ 28,9 bilhões em empréstimos de longo prazo, US$ 2,1 bilhões em linhas de crédito de curto prazo e US$ 2,7 bilhões em "63 caipiras" (empréstimos de curto prazo à agricultura).
Apesar de todos esses dólares, contudo, as reservas cambiais caíram US$ 7,9 bilhões. A razão principal está na saída de US$ 21,4 bilhões de capitais de curto prazo -equivalente, basicamente, às perdas no flutuante, segundo Barros.
O câmbio flutuante engloba várias contas, do cartão de crédito gasto no exterior ao turismo. O grosso de sua movimentação, contudo, é de aplicações externas de curto prazo no Brasil, utilizando as contas de não-residentes (as famosas CC-5) e de dinheiro de brasileiros que é remetido para o exterior.
O câmbio flutuante tem sido fortemente negativo há muitos anos. Antes da crise do ano passado, no entanto, o Brasil atraía tanto capital externo que conseguia compensar a perda de dólares no flutuante e ainda aumentar as reservas.
No ano passado, contudo, não foi assim. Só no último trimestre, depois da crise asiática em outubro, saíram pelo flutuante US$ 10,9 bilhões, na estimativa de Barros. O que mostra o potencial de estrago de uma crise externa.
Isso coloca em perspectiva a discussão sobre a dívida de curto prazo. O BC estima esta dívida em US$ 35,4 bilhões no ano passado, 18,4% da dívida total de US$ 192 bilhões, o que soa razoável. O comportamento dos capitais de curto prazo e das remessas de brasileiros quando houve a crise, contudo, deixam claro que não basta olhar a proporção da dívida de curto prazo para imaginar quanto o país pode perder rapidamente com uma crise externa.
O diretor do BC Francisco Lopes, aliás, é o primeiro a reconhecer este fato. Há vários anos ele admite que, no limite, o potencial de perda de dólares é o total dos ativos financeiros do país: R$ 386 bilhões no final de novembro. Quando bate o pânico, acabam saindo todos os tipos de capitais, a começar o dos brasileiros.




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