São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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ELIO GASPARI

"Banho de ética"? Use sabonete internet

O candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, oferece "um banho de ética" à política nacional. Ele poderia começar a limpeza anunciando que colocará a contabilidade de sua campanha na internet, desafiando Lula a fazer o mesmo.
O PSDB e o PT sabotaram uma iniciativa nesse sentido, patrocinada pelo PFL. Argumentam, com alguma razão, que a divulgação dos nomes dos doadores durante a campanha inibe a ajuda de simpatizantes sinceros.
(Delúbio Soares já disse que "transparência assim é burrice.")
Alckmin pode propor a Lula o seguinte:
1) Os dois candidatos divulgam semanalmente todas as doações, identificando o boleto e a data do depósito. Coisa assim: dia 20 de agosto, doação de R$ 10 mil, bilhete nš 123.456. O nome do doador fica preservado até a noite do dia 3 de outubro. Fechadas as urnas, abrem-se os nomes. Esse é o pedaço menos relevante. Pelo sistema atual, os nomes dos doadores são conhecidos poucos meses depois da eleição.
2) Muito mais importante é a divulgação das despesas. A exposição dos gastos permite que se detectem os efeitos do caixa dois e impede a propagação de lorotas. Exemplo: na sua prestação de contas de 2002, Lula disse que gastou R$ 21 milhões, dos quais R$ 7 milhões pagaram "produções audiovisuais" (leia-se Duda Mendonça). Admitindo-se que o marqueteiro tenha comido todos os lanches da campanha (R$ 23 mil) e que tenha ficado com tudo o que "nosso guia" gastou em cachês, honorários e serviços de terceiros, chega-se a um total de R$ 8 milhões. A cifra não faz sentido, é um elefante de 200 gramas. Para ter uma idéia da escala eleitoral dos companheiros, Duda transferiu ilegalmente para a conta Dusseldorf cerca de R$ 10 milhões.
Alckmin e Lula podem chegar a um compromisso pelo qual divulgam suas despesas protegendo (até o dia seguinte à eleição) aspectos do sigilo comercial dos fornecedores. Se quiserem, é possível chegar a um acordo em benefício da moralidade e da transparência. Se um quiser, faz sozinho. Se ninguém quiser, tudo bem, mas o banho fica para depois.

Era dura a vida na corte proletária

Suprema vingança do capital: o melhor retrato da vida de Stálin foi escrito por um descendente do sobrinho do sócio de Nathan Rothschild, um dos homens mais ricos do mundo no início do século 19, quando os ancestrais do tirano bolchevique eram caipiras do Cáucaso. "Stálin: A Corte do Czar Vermelho", de Simon Sebag Montefiore, é um livro excepcional.
Uma biografia de Stálin que começa como o romance "Guerra e Paz", de Leon Tolstói, contando uma festa, prenuncia um escritor de gosto, um pesquisador obsessivo. Numa noite de novembro de 1932, os hierarcas comemoravam o aniversário da revolução de 1917. Bebiam, dançavam e brindavam à destruição dos "inimigos do estado". Stálin flertava com uma atriz, casada com um general, jogando-lhe bolinhas de pão.
Enciumada, sua mulher foi embora. Parece que horas mais tarde ele saiu com outra companhia. Quando retornou ao apartamento do Kremlin, caiu de sono. Pelos piores motivos, foi uma noite inesquecível para Josef Stálin.
Desde 1949, quando o escritor polonês Isaac Deutscher escreveu sua demolidora biografia do "Guia Genial dos Povos", a fatura do tirano pareceu liquidada: era um bugre, primitivo, recalcado, paranóico e vingativo.
Anne Applebaum, autora do monumental "Gulag" sustenta que o Stálin de Montefiore oferece novas percepções "sobre a natureza do mal e dos efeitos do poder absoluto nas relações humanas". Amparado em memórias, entrevistas e documentos que só começaram a aparecer nos últimos 15 anos, Montefiore abala a idéia de que Stálin tenha sido um tirano banal. Foi um exterminador, recalcado, vingativo e paranóico. Bugre primitivo nem pensar.
Um capítulo do livro intitula-se "O encantador". Montefiore ousa: "A base do poder de Stálin no partido não era o medo: era o charme". (Isso até 1930.) Em seguida, demonstra: ele buscava hierarcas na estação ferroviária, cedeu seu apartamento a um colega que o apreciou, distribuía planos de saúde e dachas, cuidando até da mobília. Também não era um bugre. Tinha pouca roupa, mas juntou 20 mil livros. Reviu pessoalmente a versão para o russo do poema épico georgiano "O Cavaleiro com Pele de Pantera" sem que o tradutor (preso) soubesse de quem eram as anotações que recebia. Depois presenteou-o com uma mansão.
A Corte do Tzar Vermelho era um mundinho fofoqueiro, fechado e violento. Como dizia o chefe: "Gratidão é doença de cachorro". A atriz do flerte da festa foi fuzilada antes do marido. Os chefes de polícia Yagoda, Yezov e Beria eram tarados. A mãe de Alexei Adjubei, que viria a ser genro de Nikita Kruschev, era a costureira do alto proletariado. A mulher do chanceler Molotov não pagava pelos vestidos que encomendava e hoje seus netos alugam o apartamento da família a banqueiros americanos. O avô do presidente Vladimir Putin, que cozinhara para Rasputin e Lênin, trabalhou numa das casas do "Marechalíssimo". O gordinho George Malenkov, seu sucessor, morreu em 1988, convertido ao catolicismo.
Poucos regimes blindaram de forma tão obsessiva a vida privada e os bastidores da vida pública de seus hierarcas. Perda de tempo. Poucos são os retratos minuciosos e bem construídos como o da corte de Stálin, por Montefiore.

Tasso fará História
O senador Tasso Jereissati assegurou seu lugar na história dos partidos políticos. Presidindo o PSDB, conduziu negociação na qual havia dois postulantes à vaga de candidato à Presidência. José Serra tinha 40% das preferências numa pesquisa em que Lula liderava com 44%. Geraldo Alckmin perdia de 49% a 31%, no primeiro turno. Presidido por Tasso, o tucanato ficou com Alckmin. Não há precedente de partido que tenha trocado o mais pelo menos com tamanha ousadia. Em outubro, Tasso saberá se entrou para a história como arquiteto clarividente ou catastrófico.

Na agulha
O PFL tem mais um nome para a disputa pelo governo de São Paulo. É o do deputado José Aristodemo Pinotti, secretário de Educação da prefeitura, ex-secretário de Saúde do Estado. Se o partido vai na bola, não se sabe.

O passado presente
Quem achava que a minissérie JK poderia ter reflexos na atualidade política errou o alvo. A reencenação do romance abolicionista "Sinhá Moça", na novela das seis, faz bem à alma e, se não provocar simpatias, certamente antipatias não levará para "nosso guia". Estará no ar durante toda a campanha e deverá se estender até o início do novo mandato presidencial. A mágica de Benedito Ruy Barbosa alegra. O Brasil do século 21 tem milhões de pessoas parecidas com Sinhá (Débora Falabella, ex-Sarah Kubitschek) e Rodolfo (Danton Mello). O caroço está na existência de maganos muito parecidos com o barão de Araruna (Osmar Prado).

Voto direto
Aloizio Mercadante bate Antonio Palocci na preferência dos grandes banqueiros nacionais na proporção de dois para um.


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