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CELSO PINTO
Só o câmbio não
segura crise externa
A Argentina entra em crise, aumenta o medo de uma
recessão nos Estados Unidos e o
Banco Central no Brasil eleva os
juros. Faz sentido?
Em teoria, não. Num regime
de câmbio flexível, como o brasileiro, a política monetária deveria olhar apenas fatores internos. Como o próprio BC diz que
não há pressão de demanda interna, não haveria razão para
frear o crescimento. Choques externos deveriam ser absorvidos
por uma elevação da taxa de
câmbio, não dos juros.
A razão para elevar os juros,
como todo mundo sabe, é que o
aumento do câmbio, ainda que
provocado por um choque externo, acaba pressionando os
preços e ameaçando as metas
inflacionárias. Mas, se o BC eleva os juros, não acaba interferindo na taxa de câmbio, algo
que também é teoricamente
contraditório com o regime de
câmbio flutuante?
Sim, e a explicação aqui é
mais embaraçosa. O fato é que o
regime é de câmbio flutuante,
"ma non troppo". Pela simples
razão de que, em países emergentes, existe um custo alto de se
usar apenas o câmbio para absorver crises externas.
Uma maneira de entender
melhor esta questão é ler um
trabalho do diretor do BC Ilan
Goldfajn e de Gino Olivares
("Can Flexible Exchange Rates
Still "Work" in Financially Open
Economies?"), feito para a Unctad, na série de estudos de apoio
ao Grupo dos 24 (de países
emergentes), do Fundo Monetário Internacional. A discussão é
geral, mas ajuda a entender os
atuais dilemas do BC no Brasil.
O ponto de partida é a constatação de um paradoxo, feita por
trabalhos de economistas que
defendem a dolarização, como
Guillermo Calvo (economista-chefe do BID) e Ricardo Hausmann (ex-economista-chefe do
BID): câmbio flutuante em país
emergente, principalmente na
América Latina, não flutua. Ou
melhor, o câmbio flutua muito
menos do que em países desenvolvidos, enquanto os juros variam muito mais.
A conclusão desses economistas é que existe um "medo de
flutuação", provocado pelo desbalanceamento de empresas e
bancos, que têm passivos em dólar muito maiores do que ativos.
Desvalorizações podem levar,
no limite, a crises bancárias e falências. Já que o câmbio flutuante não existe na prática, a
saída seria o câmbio fixo.
Goldfajn e Olivares discordam. Em primeiro lugar, eles argumentam que desvalorizações
podem funcionar. Mesmo que
tragam uma crise transitória,
elas podem levar a mais crescimento com inflação sob controle, como nos casos do México e
do Brasil. O que faz com que a
flutuação cambial posterior seja
modesta é o medo da inflação. A
desvalorização, em países emergentes, pressiona os preços muito mais do que nos países desenvolvidos.
Como em países como México,
Brasil e Chile o câmbio flutuante veio acompanhado por algum sistema de metas inflacionárias, isso aumentou o receio
do impacto do câmbio sobre a
inflação. A conclusão é que, como com câmbio flutuante não
faz sentido usar as reservas e a
flutuação do câmbio pode ter
custos altos, é inevitável recorrer, também, aos juros. O que
quer dizer que, no caso dos países emergentes, não faz sentido
imaginar que regimes extremos
"puros", seja o câmbio fixo, seja
o totalmente flutuante, são a
melhor resposta.
Mas, se a saída é um regime
intermediário, qual a melhor
mistura entre o uso do câmbio e
dos juros? O trabalho aplica um
modelo numa amostra de 46
países, entre 1990 e 1999, e tira
algumas conclusões.
A primeira é que depende
muito do grau de abertura da
economia aos capitais externos.
Quanto mais aberto, mais difícil
e custoso é manter regimes de
câmbio fixos e administrados
(sujeitos a ataques especulativos), mas também aumenta o
risco de regimes flutuantes "puros" (via inflação). Se a flutuação for muito pequena, de outro
lado, pode ser um convite à especulação.
Em suma, a decisão sobre
quanto usar de câmbio e de juros depende do grau de integração ao mercado mundial de capitais e à qualidade do financiamento externo. Um país aberto,
que pode contar com investimentos diretos para financiar a
totalidade ou quase totalidade
de suas necessidades externas,
pode usar mais o câmbio como
amortecedor de crises externas.
Países que dependem de capitais voláteis e de curto prazo terão mais dificuldade para operar com câmbio mais flexível.
O trabalho não discute o caso
brasileiro atual, mas como o
país tem quase todo seu déficit
em conta corrente financiado
por investimentos diretos, pode
deixar o câmbio flutuar mais.
Mas não sem limites, pela argumentação de Goldfajn. Juros devem ser sempre instrumentos
auxiliares. E quanto pior ficar a
qualidade do financiamento externo, mais auxiliar ele será.
O ganho de sair da Vale
Ao sair da presidência da Vale, Benjamim Steinbruch perdeu
o poder e a influência que o posto lhe dava -e sentiu o golpe. A
contabilidade da troca, contudo, lhe foi francamente favorável.
Antes da troca, o Grupo Vicunha, que os Steinbruch dividem
com os Rabinovich, tinha 18%
da CSN; ficou com 46%. O patrimônio líquido do grupo, há
pouco mais de um ano, era de
R$ 2,4 bilhões; subiu para R$ 3,6
bilhões. A dívida era de R$ 1,7
bilhão e 37% dela era de curto
prazo; caiu para R$ 1,1 bilhão,
sem vencimentos no primeiro
ano.
No longuíssimo processo de
discussão sobre o descruzamento de participações na CSN e na
Vale, Steinbruch começou preferindo ficar com a Vale e vender
a CSN. Não deu, mas a conta final não foi ruim.
E-mail - CelPinto@uol.com.br
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