São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2001

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CELSO PINTO

Só o câmbio não segura crise externa

A Argentina entra em crise, aumenta o medo de uma recessão nos Estados Unidos e o Banco Central no Brasil eleva os juros. Faz sentido?
Em teoria, não. Num regime de câmbio flexível, como o brasileiro, a política monetária deveria olhar apenas fatores internos. Como o próprio BC diz que não há pressão de demanda interna, não haveria razão para frear o crescimento. Choques externos deveriam ser absorvidos por uma elevação da taxa de câmbio, não dos juros.
A razão para elevar os juros, como todo mundo sabe, é que o aumento do câmbio, ainda que provocado por um choque externo, acaba pressionando os preços e ameaçando as metas inflacionárias. Mas, se o BC eleva os juros, não acaba interferindo na taxa de câmbio, algo que também é teoricamente contraditório com o regime de câmbio flutuante?
Sim, e a explicação aqui é mais embaraçosa. O fato é que o regime é de câmbio flutuante, "ma non troppo". Pela simples razão de que, em países emergentes, existe um custo alto de se usar apenas o câmbio para absorver crises externas.
Uma maneira de entender melhor esta questão é ler um trabalho do diretor do BC Ilan Goldfajn e de Gino Olivares ("Can Flexible Exchange Rates Still "Work" in Financially Open Economies?"), feito para a Unctad, na série de estudos de apoio ao Grupo dos 24 (de países emergentes), do Fundo Monetário Internacional. A discussão é geral, mas ajuda a entender os atuais dilemas do BC no Brasil.
O ponto de partida é a constatação de um paradoxo, feita por trabalhos de economistas que defendem a dolarização, como Guillermo Calvo (economista-chefe do BID) e Ricardo Hausmann (ex-economista-chefe do BID): câmbio flutuante em país emergente, principalmente na América Latina, não flutua. Ou melhor, o câmbio flutua muito menos do que em países desenvolvidos, enquanto os juros variam muito mais.
A conclusão desses economistas é que existe um "medo de flutuação", provocado pelo desbalanceamento de empresas e bancos, que têm passivos em dólar muito maiores do que ativos. Desvalorizações podem levar, no limite, a crises bancárias e falências. Já que o câmbio flutuante não existe na prática, a saída seria o câmbio fixo.
Goldfajn e Olivares discordam. Em primeiro lugar, eles argumentam que desvalorizações podem funcionar. Mesmo que tragam uma crise transitória, elas podem levar a mais crescimento com inflação sob controle, como nos casos do México e do Brasil. O que faz com que a flutuação cambial posterior seja modesta é o medo da inflação. A desvalorização, em países emergentes, pressiona os preços muito mais do que nos países desenvolvidos.
Como em países como México, Brasil e Chile o câmbio flutuante veio acompanhado por algum sistema de metas inflacionárias, isso aumentou o receio do impacto do câmbio sobre a inflação. A conclusão é que, como com câmbio flutuante não faz sentido usar as reservas e a flutuação do câmbio pode ter custos altos, é inevitável recorrer, também, aos juros. O que quer dizer que, no caso dos países emergentes, não faz sentido imaginar que regimes extremos "puros", seja o câmbio fixo, seja o totalmente flutuante, são a melhor resposta.
Mas, se a saída é um regime intermediário, qual a melhor mistura entre o uso do câmbio e dos juros? O trabalho aplica um modelo numa amostra de 46 países, entre 1990 e 1999, e tira algumas conclusões.
A primeira é que depende muito do grau de abertura da economia aos capitais externos. Quanto mais aberto, mais difícil e custoso é manter regimes de câmbio fixos e administrados (sujeitos a ataques especulativos), mas também aumenta o risco de regimes flutuantes "puros" (via inflação). Se a flutuação for muito pequena, de outro lado, pode ser um convite à especulação.
Em suma, a decisão sobre quanto usar de câmbio e de juros depende do grau de integração ao mercado mundial de capitais e à qualidade do financiamento externo. Um país aberto, que pode contar com investimentos diretos para financiar a totalidade ou quase totalidade de suas necessidades externas, pode usar mais o câmbio como amortecedor de crises externas. Países que dependem de capitais voláteis e de curto prazo terão mais dificuldade para operar com câmbio mais flexível.
O trabalho não discute o caso brasileiro atual, mas como o país tem quase todo seu déficit em conta corrente financiado por investimentos diretos, pode deixar o câmbio flutuar mais. Mas não sem limites, pela argumentação de Goldfajn. Juros devem ser sempre instrumentos auxiliares. E quanto pior ficar a qualidade do financiamento externo, mais auxiliar ele será.

O ganho de sair da Vale
Ao sair da presidência da Vale, Benjamim Steinbruch perdeu o poder e a influência que o posto lhe dava -e sentiu o golpe. A contabilidade da troca, contudo, lhe foi francamente favorável.
Antes da troca, o Grupo Vicunha, que os Steinbruch dividem com os Rabinovich, tinha 18% da CSN; ficou com 46%. O patrimônio líquido do grupo, há pouco mais de um ano, era de R$ 2,4 bilhões; subiu para R$ 3,6 bilhões. A dívida era de R$ 1,7 bilhão e 37% dela era de curto prazo; caiu para R$ 1,1 bilhão, sem vencimentos no primeiro ano.
No longuíssimo processo de discussão sobre o descruzamento de participações na CSN e na Vale, Steinbruch começou preferindo ficar com a Vale e vender a CSN. Não deu, mas a conta final não foi ruim.
E-mail - CelPinto@uol.com.br


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