São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2001

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CÚPULA DAS AMÉRICAS

Governantes se encontrarão com representantes de ONGs de todo o continente, incluindo Cuba

Québec abre espaço para cúpula social

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUÉBEC

Representantes dos 34 governos que participarão da Cúpula das Américas vão se encontrar no sábado com líderes da outra cúpula, a chamada Cúpula do Povo, que, sempre em Québec, reúne entidades da sociedade civil que se opõem à globalização.
Seria a reprodução em Québec do que ocorreu em Davos, em fevereiro: o diálogo (no caso de Davos, pela TV) entre participantes do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, tido como sinônimo da globalização, com seus rivais do Fórum Social Mundial que se realizava simultaneamente em Porto Alegre, no Brasil.
O que não estava claro, até a tarde de ontem, é a forma que tomará o encontro do sábado.
A iniciativa de solicitar a reunião foi da Cúpula do Povo, que reúne cerca de 2.000 ativistas dos 35 países americanos (ao contrário da cúpula oficial, inclui Cuba).
"Os representantes da Cúpula das Américas devem ouvir o ponto de vista dos milhões de homens e mulheres que sofrem as consequências das decisões que seus chefes de Estado tomam atrás de portas fechadas e de barricadas", justifica Monique Richard, da Rede de Québec sobre Integração Continental. É uma alusão ao fato de que os governantes das Américas se reunirão, a partir de amanhã, em uma área protegida por cercas de arame de três metros de altura e policiais.
Os líderes da Cúpula do Povo impuseram cinco condições para a realização do encontro: que fosse público, que tratasse de "questões fundamentais", que se realizasse em lugar neutro, que ocorresse após a manifestação batizada de Marcha das Américas, prevista para sábado, e, acima de tudo, que os governantes reconhecessem a importância das deliberações de seus críticos.
O governo canadense ofereceu, inicialmente, um encontro apenas com três de seus ministros mais o secretário de Estado para América Latina e África.
As ONGs recusaram. Ontem, negociava-se uma forma para os ministros de outros países se juntarem aos canadenses em um encontro com a oposição, no momento em que os chefes de governo estiverem reunidos a sós, como acontecerá no sábado à tarde.
A simples negociação para um encontro entre as duas cúpulas acaba sendo uma legitimação do movimento de rua, que se tornou um elemento permanente de toda grande ou média reunião internacional, desde que manifestantes conseguiram bloquear a sessão inaugural da Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em Seattle, em 1999.
Nem em Seattle nem depois em Washington, durante a assembléia geral do Fundo Monetário Internacional, houve esforços para que as partes dialogassem.
Já em Praga, em setembro passado, quando de outra assembléia geral do FMI, o presidente da República Tcheca, Václav Havel, convidou ONGs para um diálogo com ele próprio e autoridades internacionais.
Mas foi Davos que marcou realmente um certo reconhecimento, embora incipiente, do movimento de protesto pelo establishment global. Pela TV dialogaram, por exemplo, o mega-investidor George Soros com seus críticos reunidos em Porto Alegre.
Agora, em Québec, o esforço é mais institucional. Envolve representantes governamentais, e não figuras da iniciativa privada, mesmo coroadas como é Soros.
A Cúpula das Américas também fará um segundo gesto de atendimento, embora parcial, das reivindicações, ao estabelecer que a sessão de abertura, na sexta-feira à noite, e os 90 minutos seguintes sejam transmitidos ao vivo pela TV canadense. É uma resposta à acusação de que as decisões são tomadas "a portas fechadas", como diz Monique Richard.
A delegação brasileira chegou a propor que todas as sessões fossem abertas para a TV, mas prevaleceu o modelo mais reduzido de exposição às câmaras.
A concessão à transparência é, no entanto, menor do que parece. A Declaração de Québec, o documento político que a Cúpula emitirá domingo, está pronto desde o domingo anterior. Foi negociado, a portas fechadas, pelos representantes dos chefes de governo. Da mesma forma, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a mais importante consequência do processo de cúpulas hemisféricas, continua negociada assim.
Na sua mais recente reunião ministerial (Buenos Aires, dia 7 último), decidiu-se dar divulgação às mais de 200 páginas produzidas pelos nove grupos negociadores, inclusive com os colchetes que indicam divergências entre os participantes, o que é inédito em negociações comerciais.
Mas a Cúpula do Povo reclama que a divulgação ficou para depois da Cúpula das Américas, sob a alegação de que não haveria tempo para traduzir o texto para os quatro idiomas oficiais (espanhol, francês, inglês e português).


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