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CÚPULA DAS AMÉRICAS
Governantes se encontrarão com representantes de ONGs de todo o continente, incluindo Cuba
Québec abre espaço para cúpula social
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUÉBEC
Representantes dos 34 governos
que participarão da Cúpula das
Américas vão se encontrar no sábado com líderes da outra cúpula,
a chamada Cúpula do Povo, que,
sempre em Québec, reúne entidades da sociedade civil que se
opõem à globalização.
Seria a reprodução em Québec
do que ocorreu em Davos, em fevereiro: o diálogo (no caso de Davos, pela TV) entre participantes
do encontro anual do Fórum Econômico Mundial, tido como sinônimo da globalização, com seus
rivais do Fórum Social Mundial
que se realizava simultaneamente
em Porto Alegre, no Brasil.
O que não estava claro, até a tarde de ontem, é a forma que tomará o encontro do sábado.
A iniciativa de solicitar a reunião foi da Cúpula do Povo, que
reúne cerca de 2.000 ativistas dos
35 países americanos (ao contrário da cúpula oficial, inclui Cuba).
"Os representantes da Cúpula
das Américas devem ouvir o ponto de vista dos milhões de homens
e mulheres que sofrem as consequências das decisões que seus
chefes de Estado tomam atrás de
portas fechadas e de barricadas",
justifica Monique Richard, da Rede de Québec sobre Integração
Continental. É uma alusão ao fato
de que os governantes das Américas se reunirão, a partir de amanhã, em uma área protegida por
cercas de arame de três metros de
altura e policiais.
Os líderes da Cúpula do Povo
impuseram cinco condições para
a realização do encontro: que fosse público, que tratasse de "questões fundamentais", que se realizasse em lugar neutro, que ocorresse após a manifestação batizada de Marcha das Américas, prevista para sábado, e, acima de tudo, que os governantes reconhecessem a importância das deliberações de seus críticos.
O governo canadense ofereceu,
inicialmente, um encontro apenas com três de seus ministros
mais o secretário de Estado para
América Latina e África.
As ONGs recusaram. Ontem,
negociava-se uma forma para os
ministros de outros países se juntarem aos canadenses em um encontro com a oposição, no momento em que os chefes de governo estiverem reunidos a sós, como acontecerá no sábado à tarde.
A simples negociação para um
encontro entre as duas cúpulas
acaba sendo uma legitimação do
movimento de rua, que se tornou
um elemento permanente de toda
grande ou média reunião internacional, desde que manifestantes
conseguiram bloquear a sessão
inaugural da Conferência Ministerial da Organização Mundial do
Comércio, em Seattle, em 1999.
Nem em Seattle nem depois em
Washington, durante a assembléia geral do Fundo Monetário
Internacional, houve esforços para que as partes dialogassem.
Já em Praga, em setembro passado, quando de outra assembléia
geral do FMI, o presidente da República Tcheca, Václav Havel,
convidou ONGs para um diálogo
com ele próprio e autoridades internacionais.
Mas foi Davos que marcou realmente um certo reconhecimento,
embora incipiente, do movimento de protesto pelo establishment
global. Pela TV dialogaram, por
exemplo, o mega-investidor
George Soros com seus críticos
reunidos em Porto Alegre.
Agora, em Québec, o esforço é
mais institucional. Envolve representantes governamentais, e não
figuras da iniciativa privada, mesmo coroadas como é Soros.
A Cúpula das Américas também fará um segundo gesto de
atendimento, embora parcial, das
reivindicações, ao estabelecer que
a sessão de abertura, na sexta-feira à noite, e os 90 minutos seguintes sejam transmitidos ao vivo pela TV canadense. É uma resposta
à acusação de que as decisões são
tomadas "a portas fechadas", como diz Monique Richard.
A delegação brasileira chegou a
propor que todas as sessões fossem abertas para a TV, mas prevaleceu o modelo mais reduzido
de exposição às câmaras.
A concessão à transparência é,
no entanto, menor do que parece.
A Declaração de Québec, o documento político que a Cúpula emitirá domingo, está pronto desde o
domingo anterior. Foi negociado,
a portas fechadas, pelos representantes dos chefes de governo. Da
mesma forma, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a
mais importante consequência
do processo de cúpulas hemisféricas, continua negociada assim.
Na sua mais recente reunião ministerial (Buenos Aires, dia 7 último), decidiu-se dar divulgação às
mais de 200 páginas produzidas
pelos nove grupos negociadores,
inclusive com os colchetes que indicam divergências entre os participantes, o que é inédito em negociações comerciais.
Mas a Cúpula do Povo reclama
que a divulgação ficou para depois da Cúpula das Américas, sob
a alegação de que não haveria
tempo para traduzir o texto para
os quatro idiomas oficiais (espanhol, francês, inglês e português).
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