São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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ELIO GASPARI

Entrou ervilha na licitação de Ribeirão Preto

Terrível história a que aconteceu com as cestas básicas dos programas sociais da Prefeitura de Ribeirão Preto. No final do ano passado, ela abriu uma licitação para o fornecimento de 40.500 cestas equipadas com 12 produtos, valendo em torno de R$ 1,2 milhão. Quase tudo nos conformes. Quase, porque exigia que cada cesta tivesse uma lata de 330 gramas de "molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas". Sem ervilha, nada feito: "O aludido produto se faz necessário e indispensável para a composição da unidade cesta básica", informaria o presidente da Comissão de Licitações.
Comerciantes de Ribeirão Preto protestaram contra a exigência, alegando que a tal lata de molho de tomate com ervilha não existia no mercado. Em fevereiro foram ao Tribunal de Contas do Estado, denunciando o vício do edital, e conseguiram uma recomendação para que fosse suspenso o processo. A prefeitura acatou a sugestão. Como não podia ficar sem as cestas, fez uma compra de emergência, sem licitação, à empresa Gesa, de Santo André.
A lógica administrativa sugeriria que a prefeitura mudasse a exigência. Não foi isso que aconteceu. No final de janeiro, ela provou ao tribunal que duas empresas, a Oderich (do Rio Grande do Sul) e a Parmalat (de São Paulo) tinham o molho com ervilha na sua grade de produção. Uma terceira revelou-se capaz de produzi-lo, caso houvesse demanda. Com essas informações o TCE saiu do lance, e a concorrência foi em frente. No dia 15 de março, o" Diário Oficial" do município informou que estavam habilitadas quatro empresas, entre elas a Catitha, a Thathica e o supermercado Estrela de Suzano. A vencedora seria conhecida 12 dias depois.
A essa altura, um comerciante de Ribeirão Preto já telefonara para a Oderich, oferecendo-se para comprar latas do molho, pagando à vista. Ouviu que só as poderia comprar na Catitha. (A mesma informação foi dada a outro interessado, semanas depois.)
Cadê a Catitha? Fica em São Caetano do Sul e seu depósito está exatamente ao lado da sede da Thathica. Tem dois sócios, ambos casados. As mulheres dos dois sócios eram sócias e donas da Gesa (que forneceu as cestas básicas emergenciais). As três empresas, mais o supermercado Estrela de Suzano, têm um mesmo procurador.
O prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci, é o encarregado da coordenação do programa de governo do PT. Seria razoável supor que, ao tomar conhecimento de tantas excentricidades e coincidências, fizesse o elementar: mandasse ao lixo a concorrência e abrisse uma investigação para ver o que estava sucedendo. No dia 26 de março, o promotor Sebastião Sérgio de Oliveira pediu a suspensão do processo de compra das cestas básicas e foi atendido pela Justiça.
Depois disso é que a prefeitura cancelou a licitação. Palocci decidiu não recorrer. Depois disso o repórter Rodrigo Sena telefonou para a Parmalat, perguntando-lhe se vendia "molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas". Não vendia. O vereador Nicanor Lopes, que já tinha denunciado a encomenda, foi para a tribuna da Câmara e denunciou o vício da concorrência. Só quem produzia a lata "necessária e indispensável" era a gaúcha Oderich.
Até quinta-feira passada, a prefeitura sustentava que nada houve de anormal. O prefeito Palocci argumenta que atendeu à sugestão do tribunal de contas e cancelou a licitação logo depois da decisão do juiz, recusando-se a recorrer. Se tivesse feito isso antes da decisão, teria marcado um gol. Fazendo-o um dia depois, tomou-o.
A prefeitura de Ribeirão não percebeu que algo de estranho estava acontecendo com a comida do andar de baixo. Tanto é assim que, depois de uma tomada de preços, fez nova compra emergencial de cestas, sempre à Gesa. Por conta dessa convicção, o molho de tomate com ervilhas levou-a a responder a um processo criminal. Nas próximas semanas passará a responder a uma ação civil pública.
Em qualquer lugar, com qualquer tipo de prefeitura, pode haver gente querendo viciar uma concorrência. Antes do molho de tomate com ervilha circulou outro, com frango. Faz parte, como diz o Bambam. A porca torce o rabo quando as prefeituras acreditam que um esquema como esse, depois de denunciado, tem que ser digerido pela patuléia como se fosse molho de tomate refogado e peneirado.

Lantejoulas
Ciro Gomes decidiu que não arrumará briga com o ministro Pedro Malan. Quando puder, jogará até mesmo algumas lantejoulas sobre sua figura pública. Ao que tudo indica, a recíproca é verdadeira.

Erro
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual Paulo Schiller traduziu (magnificamente) do inglês o livro "Veredicto em Canudos", do escritor Sándor Márai.
Mesmo já tendo traduzido outro livro do inglês, Schiller trabalhou sobre o original húngaro.

Os "Com-Helicóptero" farão sua festa

Uma das mais bonitas jóias do andar de cima nacional é o Helvetia Polo Country Club. Fica em Indaiatuba, a 55 quilômetros de São Paulo. Tem 33 campos e nele jogam alguns dos melhores cavaleiros do mundo. Em 1998, às vésperas da eleição, lá realizou-se o Porsche Polo Day. Juntou 180 criadores desse puro-sangue mecânico (US$ 180 mil cada, na média) e premiou o modelo 356, do então presidente do BNDES, André Lara Resende.
Em outubro próximo, o Helvetia organizará uma nova festividade, denominada Helicóptero Polo Day. O presidente do clube espera reunir 180 modelos.
Os sem-cavalo, sem-Porsche e sem-helicóptero que tiverem sorte poderão vir a folhear a revista que o Helvetia edita. Um espetáculo de cores, toda dedicada ao pólo, com três fotografias da rainha Elizabeth, outras três do príncipe Charles e uma do marajá de Jaipur, cujo avô viajava para Londres levando sua própria água em caçambas de prata que dois homens não conseguiam abraçar.
Parece coisa de outro mundo até nos anúncios: Rolex, Volvo, Daslu, Porsche e Louis Vuitton (o maleiro de Napoleão 3º, fornecedor da sacola de viagem de Gustavo Franco quando presidia o Banco Central).
O sujeito só percebe que está no Brasil quando vê um anúncio de página dupla da Inbra-Blindados ("Inteligência contra a violência"). Depois descobre que as dificuldades econômicas pré-FFHH não afetaram só o andar de baixo. Ricardo Mansur Filho, o Rico, é o melhor cavaleiro amador do mundo e queixa-se da má fase do pólo até o início dos anos 90: "A economia brasileira também atrapalhou, acabamos ficando com poucos jogadores, pouco incentivo e pouco dinheiro".
Em 1996 o empresário Ricardo Mansur (pai), grande incentivador do pólo nacional, comprou a rede de lojas Mappin. Lançou papéis no mercado, e três fundos de pensão de estatais, mais o BNDES, ficaram com perto de R$ 100 milhões. Mico geral. Em 1999 as lojas de Mansur quebraram, e ele deixou um espeto de R$ 1,2 bilhões para os bípedes que lhe deram crédito. Não há notícia de que seus quadrúpedes tenham sido afetados.

Recibo tucano
O deputado Antonio Kandir sintetizou a essência do destrambelho da campanha presidencial tucana. Referindo-se ao choque provocado pela queda de José Serra nas pesquisas, disse o seguinte à repórter Dora Kramer:
"Até há dois dias, o que eu mais recebia de banqueiros e empresários eram pedidos de informações sobre Aécio e a respeito da hipótese de um novo mandato para Fernando Henrique. Isso agora acabou".
O tucanato parece não ter entendido que numa campanha presidencial tem muito pouca importância o que se recebe (seja lá o que for) de banqueiros e empresários. O que importa é receber votos da patuléia que fica na fila dos bancos ou das ofertas de emprego.

ENTREVISTA

Eduardo Jorge Caldas Pereira

(59 anos, secretário-geral da Presidência da República de 1995 a 1998)

O senhor comeu o pão que o demônio amassou nas mãos do PT, que o acusou de ter traficado influência junto aos fundos de pensão de empresas estatais. Como qualifica as gestões assumidamente feitas pelo deputado Aloizio Mercandante no fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ) para a formação do consórcio que arrematou a Vale do Rio Doce?
Ao contrário do que o deputado Mercadante e o PT fizeram comigo, não vou julgá-lo. Cobro a ambos coerência. Devem se submeter ao que me submeteram. Deve-se quebrar o sigilo bancário, telefônico e fiscal do deputado, de seus familiares e de seus amigos mais próximos. O Ministério Público deve instaurar um inquérito civil para investigar o papel desempenhado pelo deputado Mercadante na Previ. O PT manifestava-se nas ruas, no Congresso e na Justiça para impedir a privatização da Vale. Isso criava um clima de incerteza em relação ao leilão, afugentando eventuais compradores. Ao mesmo tempo, um deputado petista influía na Previ para associá-la a um consórcio. O Ministério Público, o Cade e a CVM devem investigar se esse procedimento ambíguo embutia algum tipo de manipulação. O deputado Mercadante disse que eu era um cadáver insepulto. O PT deve evitar que se diga isso dele.

De qualquer forma, o que não se pode é responsabilizar o PT pelas privatizações que o governo conduziu.
Pode-se e deve-se responsabilizar o PT por todo e qualquer caso de privatização em que a Previ tenha entrado como investidora. O "não tenho nada a ver com isso" é uma desonestidade. A Previ está entre os maiores investidores do país. Sua diretoria executiva tem seis diretores, três deles eleitos pelos associados. Todos três são líderes sindicais petistas, um dos quais vindo da corrente trotskista do PT gaúcho. Seu conselho deliberativo tem sete assentos. Quatro conselheiros são eleitos. Novamente, todos petistas. Todas as participações da Previ em privatizações foram tomadas com o conhecimento e o beneplácito funcional de diretores e conselheiros de militância petista. A Previ ocupa 310 cadeiras em conselhos de empresas privadas, inclusive aquelas que compraram as antigas estatais. Pode-se supor que pelo menos um terço das pessoas indicadas para esses lugares tenham vinculações sólidas com o PT. O PT manifestava-se contra as privatizações na rua, mas, no andar da diretoria, cidadãos que fazem parte do seu aparelho discutiam rotineiramente a entrada da Previ em consórcios que participaram dos leilões da mineração e da telefonia.

Passados dois anos da catadupa de acusações que sofreu, o senhor continua insepulto?
Eu nunca fui um cadáver insepulto. Sou uma vítima de coveiros da honra alheia. Em dois anos, fui investigado pelo Senado, pela Polícia Federal, pela Receita e pelo Ministério Público. Os ataques que me fizeram provocaram mais de 200 pedidos de quebras de sigilo telefônico, bancário e fiscal. Passaram-se dois anos e não sou acusado de absolutamente nada. Repito, nada. Ao mesmo tempo, sou acusado de tudo. A imprensa e o Ministério Público me enlamearam e não há uma só pessoa capaz de dizer que acusa Eduardo Jorge Caldas Pereira disso ou daquilo. Até hoje os procuradores Luiz Francisco e Guilherme Schelb não me chamaram para depor. Sem sucesso, pediram duas vezes a quebra do meu sigilo bancário. Fraudulentamente, outro procurador, pretendendo iludir a Justiça, enfiou o meu nome no processo do Banco FonteCindam, com o qual nada tenho a ver nem mesmo pela imaginação dele. Depois de ter sido linchado por dois anos, continuo na mesma situação em que sempre estive. Com a ajuda da imprensa, o Ministério Público decidiu me condenar, mas ainda não conseguiu dizer que crime cometi.



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