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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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MUDANÇA E CONFLITO

Fundação Perseu Abramo trata ortodoxia liberal da Fazenda como definitiva e ideológica, e não transitória

Palocci aprofunda Malan, diz centro petista

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As diretrizes de política econômica apresentadas pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) significam mais que um "mero continuísmo" -trata-se, na verdade, de um "aprofundamento" da linha seguida por seu antecessor, Pedro Malan.
A análise, em tom que nada tem de raivoso ou panfletário, é do boletim de maio da Fundação Perseu Abramo, centro de estudos políticos mantido pelo PT. Com um apelo por mais debate, o texto aborda premissas e consequências das opções abraçadas pelo "companheiro Palocci".
O tema principal é o já célebre documento "Política Econômica e Reformas Estruturais", calhamaço de 95 páginas divulgado pela Fazenda no mês passado que, contrariando a visão histórica do PT, traça o caminho do desenvolvimento pelo "ajuste definitivo das contas públicas".
"É simplificador classificar de mero continuísmo a estratégia apresentada em relação à política econômica do governo anterior. O mais rigoroso é dizer, como o próprio ministro Palocci tem indicado, que se trata de um aprofundamento e mudanças no interior de uma mesma racionalidade", diz o boletim petista.
Por "mesma racionalidade", leia-se a política do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, em que o objetivo principal foi deter o crescimento da dívida pública por meio de sucessivos superávits fiscais primários (sobras de caixa para o pagamento de juros).
Palocci, de fato, se comprometeu a manter os superávits em nível ainda mais elevado (de 4,25% do PIB, contra 3,75% no final do período FHC) até o final do mandato do presidente Lula.

Ortodoxia definitiva
Mesmo com a ressalva de que Palocci, ao contrário de Malan, não rejeita iniciativas como uma política industrial mais intervencionista, o texto evidencia algo que é tratado a meias palavras no governo: mais do que uma estratégia transitória ou emergencial, a ortodoxia de Palocci parece definitiva -e ideológica.
O ideário liberal, aponta-se, embasa o documento da Fazenda, seja no "teor argumentativo", seja na "bibliografia utilizada e citada": "Ele passa por alto pelos grandes diálogos críticos, pelas grandes tradições interpretativas do Brasil, clássicas e recentes, por escolas as mais variadas do pensamento econômico internacional e nacional".
"O seu grande diálogo é, na verdade, consigo mesmo", conclui o boletim, que cobra um debate mais aberto por alternativas. "Os primeiros meses do governo Lula mostraram algumas atitudes, felizmente não dominantes no debate partidário, que negam a própria possibilidade do debate."
Critica-se a omissão da Fazenda em relação a compromissos de campanha de Lula, como dobrar o salário mínimo, melhorar saúde e educação, ampliar a reforma agrária. "O documento deveria deixar claro que tais objetivos não seriam alcançados no período abarcado ou teriam suas metas fortemente reduzidas."
Conclui-se que o governo busca "um caminho de baixa intensidade de conflito com as forças políticas e econômicas que sustentaram o governo FHC". Em tom de advertência, aponta-se que foi comum, nas últimas décadas, "o fracasso de governos eleitos com promessas de mudanças profundas e que foram progressivamente imobilizados por racionalidades continuístas".
O texto não retrata a visão oficial do PT, nem esse é o papel da Fundação Perseu Abramo, apesar de sua importância no partido -basta dizer que até março a entidade era presidida pelo ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência), substituído pelo deputado estadual paulista Hamilton Pereira.
Mas o estudo explicita que o mal-estar em relação à política de Palocci não atinge apenas um grupelho de radicais: "Há uma polêmica pública na sociedade, nas bases do governo e no próprio PT", diz o boletim mensal, elaborado pelo cientista político Juarez Guimarães, companheiro de Dulci no PT mineiro.


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