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ENTREVISTA DA da 2ª/CHEN DUQING
O Brasil é um país menos aberto do que a China
Novo embaixador diz que investimento em infra-estrutura leva tempo para ser concretizado e reclama de salvaguardas
DONO DE UM português impecável e com
experiência de dez anos no Brasil, o novo
embaixador da China no país, Chen Duqing, 59, é um entusiasta da globalização e
dos efeitos da concorrência sobre as empresas. Integrante da primeira missão que negociou o reatamento
de relações diplomáticas entre os dois países nos anos
70, já viveu em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. "O
Brasil é o maior produtor de café do mundo, só que os
americanos vendem mais café na China", lamenta.
CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Chen Duqing afirma que o
Brasil é menos aberto que seu
país e que o mundo não deve temer a concorrência chinesa.
"Alguns só querem globalizar
os outros, não querem ser globalizados", diz, citando o brasileiro Jório Dauster.
A seguir, trechos da entrevista, concedida na Embaixada da
China em Brasília.
FOLHA - O que mudou na relação
Brasil-China desde a primeira vez
em que o sr. esteve aqui?
CHEN - O estabelecimento das
relações diplomáticas, em 1974,
foi uma decisão de grande visão. Mas naquele momento as
circunstâncias não permitiam,
tanto do lado de cá como do lado de lá, que as relações se desenvolvessem com ímpeto.
A China estava mergulhada
na Revolução Cultural e aqui
havia certa suspeita de que a
China poderia exportar a revolução para cá.
As relações evoluíram muito
e basta citar o dado do comércio. Em 1974, o comércio bilateral era de apenas US$ 17,4 milhões. No ano passado, segundo
nossas estatísticas, ele pulou
para US$ 14,8 bilhões. Mesmo
pela aduana brasileira, o valor
superou US$ 12 bilhões.
A parceria estratégica entre
os dois países já não é abstrata e
a cooperação ocorre em todos
os segmentos. O acordo para
satélites é uma cooperação
exemplar entre dois países em
desenvolvimento.
FOLHA - Em 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a China e o presidente Hu Jintao
veio ao Brasil, falou-se muito de investimentos da China no Brasil. Por
que eles não se concretizaram?
CHEN - Projetos de infra-estrutura têm seu processo, que
começa com o estudo de viabilidade, estudos comparativos e
análise das condições de cada
projeto. Acho que os amigos
brasileiros são muito ansiosos
por um lado e imediatistas por
outro. Na China, temos planos
de longo prazo. Mas há uma
coisa que todo mundo conhece
que é o custo Brasil, que o brasileiro entende melhor do que eu.
Outra coisa que gostaria de
mencionar é que, em termos de
abrir sua economia, o Brasil está atrasado em relação à China.
FOLHA - O Brasil é menos aberto?
CHEN - Menos aberto. A China
recebe anualmente US$ 60 bilhões de investimento estrangeiro direto. O Brasil não está
conseguindo. A economia, cada
vez mais, é globalizada. Uma
coisa que eu noto é que o milagre brasileiro, do fim de 60 e
meados de 70, já foi. A infra-estrutura era muito bem vista e,
agora, se mostra obsoleta.
FOLHA - Já na China...
CHEN - Está muito avançada. A
China poderia ser um bom parceiro em grandes projetos. Precisa talvez do trabalho conjunto dos dois empresariados e do
estímulo dos governos.
Eu gostaria de lembrar que a
Sinopec [estatal chinesa de petróleo] ganhou a licitação para
o primeiro trecho do Gasene
[gasoduto que ligará o Sudeste
ao Nordeste]. E o Banco de Exportação da China está disposto a financiar o restante da
obra. A China não está falando
por falar. Quando falamos de financiamento, temos de discutir os termos e isso leva tempo.
Não se passaram nem dois
anos da visita dos dois presidente em 2004.
FOLHA - O sr. assume quando crescem as críticas à China dos empresários brasileiros, que pedem salvaguarda contra produtos chineses.
CHEN - Quando falamos de globalização eu me lembro de uma
frase do embaixador Jório
Dauster, de que alguns só querem globalizar os outros, não
querem ser globalizados.
A globalização é uma faca de
dois gumes. Exportação e importação têm dois lados. Como
a taxa de câmbio: quando muda, tem dois sentidos. Quando
cresce a favor da moeda nacional, dificulta a exportação e facilita a importação.
Quando a China entrou na
OMC [Organização Mundial do
Comércio], houve pressões e tivemos que fazer certas concessões. Nós entendemos que as
salvaguardas devem ser aplicadas em último caso.
Nas trocas bilaterais, o Brasil
é superavitário. Para um país
com superávit, é até estranho
acusar o outro lado de fazer
dumping. Mesmo que houvesse
dumping, vamos fazer um inquérito, o que é natural.
Mas não se pode usar a salvaguarda como uma espada de
Dâmocles pairando acima da
cabeça: "Se você fizer isso, eu
vou...". Isso não ajuda nada.
FOLHA - A eventual aplicação de
salvaguardas pode prejudicar o relacionamento bilateral?
CHEN - Acho que não. Mesmo
se houver a aplicação, isso implica um processo de investigação. Não é uma coisa imediata.
Agora, os empresários brasileiros querem vender mais produtos manufaturados para a
China. Só que tem que ver. Antigamente, a China não produzia carros e comprava muitos
do Brasil. Agora, a China já produz carros. Como vai importar?
Mas auto-peças, os dois lados
fornecem um ao outro.
Antes comprava cinescópio,
TV. Agora a China fabrica cinescópio e televisões de plasma
de primeiríssima qualidade. A
China está evoluindo.
FOLHA - A China produz quase tudo com preços competitivos. Existe
algum produto manufaturado que
o Brasil possa vender para a China?
CHEN - No mês passado eu estive em São Paulo em um jantar
com o presidente da Abimaq
[Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos], Newton Mello, e ele
me disse que as máquinas de
maior valor agregado são vendidas para a China, no valor do
que o Brasil importa da China.
A China vende em maior quantidade, por preço mais baixo, e
o Brasil vende menor quantidade, por preço mais alto. Neste
mês, a Abimaq vai abrir um escritório na China. Ela não vai só
comprar, vai vender também.
Esse é o caminho a seguir.
Das 500 maiores multinacionais do mundo, 90% têm filiais
na China. Às vezes, não é o produto chinês que está sendo
vendido para o mundo. São
multinacionais. A China só fica
com uma pequena parte de
mão-de-obra.
FOLHA - Mas agora a China está registrando superávit com o Brasil.
CHEN - Durante 32 anos, a China só teve superávit em quatro
ou cinco anos. O superávit atual
é momentâneo. O dólar baixou,
o real ficou mais forte e ficou
mais fácil importar. A China
não está vendendo à força. São
importadores brasileiros que
estão querendo comprar mais.
Até o fim do ano, a China vai
comprar muito [do Brasil].
FOLHA - Qual a importância da
América Latina para a China?
CHEN - A nossa política externa
tem alguns lemas. É evidente
que os grandes países são importantes. Mas os países em desenvolvimento são a base do
nosso serviço diplomático.
A América Latina, no nosso
tabuleiro de relações comerciais, ainda não tem o peso que
deveria ter. Existe grande espaço para que a China trabalhe
junto com os países da região.
Talvez isso desperte receio
infundado em alguns países
que acham que a América Latina está em sua área de influência. Mas esses são conceitos antiquados. Com a globalização,
você tem toda a liberdade de se
movimentar, de fazer negócios.
O comércio entre a China e a
América Latina está em torno
de US$ 40 bilhões. Tem de aumentar muito. O comércio entre a China e o Brasil, pela nossa estatística, foi de US$ 14 bilhões, que é só 1% do comércio
exterior da China.
O Brasil é o maior produtor
de café do mundo, só que os
americanos vendem mais café
que o Brasil na China. Eles investiram na propaganda. Todo
mundo sabe que o café brasileiro é bom.
Se o café puder entrar na China da mesma forma que o futebol, que chega ao coração do
chinês, vai ganhar muito.
FOLHA - É justificada a preocupação dos EUA com a aproximação entre China e América Latina?
CHEN - Não. A presença cada
vez maior da China na América
Latina só vai trazer benefícios
para a estabilidade econômica.
A China não tem pretensões
hegemônicas, militaristas, nada. A China só quer um ambiente propício para a própria
construção econômica do país.
FOLHA - Não são apenas empresários brasileiros que temem a China.
A concorrência do país desperta receio em empresários de todo o mundo. Como a China vai lidar com isso?
CHEN - Para mim, é uma questão de falta de conhecimento.
Entre a China e os Estados Unidos, as relações comerciais são
ótimas. A China vende muito,
mas compra muito também.
Do superávit que a China tem
[com os EUA], 85% é feito pelas
multinacionais americanas.
A China fica com uma fatia
muito pequena. A maior parte
do lucro está no bolso das multinacionais americanas. Não há
razão para ficar assustado. Os
consumidores norte-americanos pouparam mais de US$ 600
bilhões nos últimos anos com
as importações da China. Essa
complementariedade é benéfica para os dois lados.
A China também enfrenta
desafios, comprando produtos
agrícolas e outros e isso nos
obriga a reestruturar nossa indústria, recapacitar nossos
agricultores. É um desafio, que
você é obrigado a trabalhar.
Competição e concorrência,
no seu sentido mais amplo, são
muito saudáveis. No passado,
os Estados Unidos tiveram medo da concorrência japonesa na
produção de aço.
Agora, produzem muito aço e
não temem mais a concorrência japonesa. Os americanos
conseguiram virar a situação. O
empresariado brasileiro também pode fazer o mesmo.
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