São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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JANIO DE FREITAS

Conselho contra a ética

As manobras dos associados a Renan Calheiros estão levando longe demais a desmoralização do Senado

O PROBLEMA principal do caso Renan Calheiros deixou de ser a idoneidade de Renan Calheiros, para ser o que restará de idoneidade no Senado. Seja qual for o destino de Renan Calheiros, ao fim da sua luta contra as defesas que apresenta e logo se revelam mais indícios incriminadores, será apenas mais um congressista que se vai ou que se mantém no Congresso apesar de tudo. Um e outro encaminhamento estão já incorporados aos hábitos políticos brasileiros. Mas as manobras dos associados a Renan Calheiros estão levando longe demais a desmoralização do Senado. Àquele ponto em que os desgastes mostram efeitos irreparáveis.
O Senado, conquanto nem de longe passasse por reserva moral, não teve a sua imagem contaminada pela degringolada da Câmara. Os associados a Renan Calheiros parecem dispostos, porém, mais do que a tirar a diferença em relação aos deputados, a levar ao extremo, de uma vez, a degradação política que já repugna a opinião pública.
A historiada do gado, da renda, do amigo-portador de Renan Calheiros assemelha-se a uma série de desculpas ingênuas, se comparada à desfaçatez com que tantos senadores se desdobram em manobras ou em conivências para impedir que sejam confrontadas, de fato, as denúncias e as defesas no caso. O Conselho de Ética do Senado, nesse sentido, exibe um nível que não me ocorre tenha havido jamais, antes ou depois da ditadura -e olha que comecei a ver as coisas na crise de verdades e falsidades que mataram Getúlio.
Senadores do PMDB e do PT, com destaque para Valter Pereira, João Pedro e Almeida Lima, entregaram-se ontem a transformar o depoimento do advogado de Mônica Veloso em processo contra ele. Nada de esclarecimento do que estava por ser clareado. Nem mesmo a simples exatidão ou inverdade dos fatos divulgados até agora, e de conhecimento de Pedro Calmon Mendes, interessou aos associados a Renan Calheiros.
Diante da exibição que o Senado está proporcionando, inclusive com ajuda da oposição, uma pergunta merece se difundir pelo país afora: por que o empenho, não faz diferença se ativo ou conivente, de tantos senadores em impedir que sejam verificadas as práticas atribuídas a Renan Calheiros?
O Conselho de Ética do Senado devia ser submetido a um Conselho de Ética, senão a um tribunal. E, depois dele, o plenário do Senado. A esta altura até a (escassa) decência pessoal começa a mostrar-se insuficiente para justificar a presença ali.

Lembrança
Os militares protestam contra a decisão indenizatória à família de Carlos Lamarca, por considerá-lo apenas desertor, ladrão de armas do Exército e assassino.
Quando lhes convém, os militares argumentam que "a anistia apagou o passado e foi para todos", assim defendendo a impunidade de oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica praticantes dos crimes de tortura, seqüestro com desaparecimento, ocultação de cadáver, apropriação de bens alheios e assassinato.
A anistia, seria bom ficar claro, não foi adotada como presente aos opositores da ditadura que conseguiram sobreviver. Foi adotada, quando a ditadura se deu conta de sua extinção cada vez mais próxima, para proteger os muitos militares praticantes de crimes inscritos nas leis brasileiras e nas leis internacionais de que o Brasil é signatário, inclusive os tratados que definem o que é vedado à conduta dos militares honrados.


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