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JANIO DE FREITAS
A fatalidade e a crise
Intensidade do tráfego, porte dos aviões, diminuição das conexões -isso é o que deve se discutir sobre Congonhas
O
MAIS provável é que a explicação do desastre de Congonhas, se encontrada pelas investigações técnicas, seja mais surpreendente do que coincidente com
as afirmações e hipóteses lançadas
pela ansiedade jornalística, bem alimentada pelo exibicionismo chutador de certos "especialistas" universitários. Foi assim com a derrubada
do Boeing da Gol, cujas hipóteses
nem sequer se aproximaram da
conclusão pericial de que os pilotos
do Legacy "confundiram" o rádio e
o transponder, e, com este equipamento desligado, transformaram
em tragédia o que poderia ficar
como falha eventual no controle
de vôo.
Mas a semelhança entre os dois
desastres está só na sua mútua diferença. Não há sentido na reação
mais freqüente, representada na
convicção de que "dois acidentes aéreos graves em apenas dez meses
provam o colapso do setor aéreo", e
coisas assim. Ou, com avanços ainda
mais agudos, "está provado que a
continuidade de Congonhas precisa
ser reconsiderada".
Os paulistanos passaram dezenas
de anos encobrindo de si mesmos o
que fizeram de sua cidade, e, de repente, entregaram-se à moda de espinafrar tudo em São Paulo. Um
modo prático de lavar as mãos diante de sua obra, sem dúvida, mas também de continuá-la pelos antigos e
por novos métodos. A localização de
Congonhas, dentro da área urbana,
não é desastrosa por si mesma. Pode
ser um privilégio de cidade quase
sem elevações.
Congonhas depende do uso que
lhe seja dado e do modo de aplicá-lo.
Ou seja, depende de inteligência,
propriedade que não falta em São
Paulo, apesar da indicação em contrário dada pela cidade. A intensidade do tráfego, o porte dos aviões, a
redução das conexões, as melhorias
técnicas, isso é que deve ser discutido sobre Congonhas. Até o dia, imprevisível, em que se prove sua inconveniência definitiva.
O fascínio que a aviação exerce,
não importa sob que forma, vem de
uma fórmula simples: a aviação e a
fatalidade se atraem. Tudo o que se
passa nessa convivência desarmônica lhe é normal, como a normalidade sinistra de um vôo que se iniciou
feliz em Porto Alegre. A grandeza da
tragédia de aviação está em jamais
ser teatral: é tragédia, sempre e nada
mais. É tragédia sem simbolismos,
sem mensagem, o raio de desgraça
que se abate súbito e cego.
O que o homem pode é tentar entender o que favoreceu o lado da fatalidade, naquele preciso instante
do desafio que a aviação lhe faz. No
instante de Congonhas, a força da
fatalidade pode, por exemplo, ter
conferido novo papel à mureta construída no final da pista. De proteção
para evitar a derrapagem de avião
pista abaixo, sugerida pelo que quase ocorrera a avião da BRA, a mureta
pode ter sido o obstáculo em que o
TAM bateu na arremetida rasante,
com uma roda ou com a cauda, e saiu
descontrolado da reta ascendente
para a curva em queda à esquerda. A
fatalidade aprecia operar assim.
Em termos práticos e objetivos,
mais condizentes com o espírito de
São Paulo, o que houve em Congonhas não parece parte da crise aérea,
cuja solução não está nem ao menos
encaminhada -quase um ano depois de sua evidência mais gritante.
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