São Paulo, quinta-feira, 19 de julho de 2007

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JANIO DE FREITAS

A fatalidade e a crise

Intensidade do tráfego, porte dos aviões, diminuição das conexões -isso é o que deve se discutir sobre Congonhas

O MAIS provável é que a explicação do desastre de Congonhas, se encontrada pelas investigações técnicas, seja mais surpreendente do que coincidente com as afirmações e hipóteses lançadas pela ansiedade jornalística, bem alimentada pelo exibicionismo chutador de certos "especialistas" universitários. Foi assim com a derrubada do Boeing da Gol, cujas hipóteses nem sequer se aproximaram da conclusão pericial de que os pilotos do Legacy "confundiram" o rádio e o transponder, e, com este equipamento desligado, transformaram em tragédia o que poderia ficar como falha eventual no controle de vôo.
Mas a semelhança entre os dois desastres está só na sua mútua diferença. Não há sentido na reação mais freqüente, representada na convicção de que "dois acidentes aéreos graves em apenas dez meses provam o colapso do setor aéreo", e coisas assim. Ou, com avanços ainda mais agudos, "está provado que a continuidade de Congonhas precisa ser reconsiderada".
Os paulistanos passaram dezenas de anos encobrindo de si mesmos o que fizeram de sua cidade, e, de repente, entregaram-se à moda de espinafrar tudo em São Paulo. Um modo prático de lavar as mãos diante de sua obra, sem dúvida, mas também de continuá-la pelos antigos e por novos métodos. A localização de Congonhas, dentro da área urbana, não é desastrosa por si mesma. Pode ser um privilégio de cidade quase sem elevações.
Congonhas depende do uso que lhe seja dado e do modo de aplicá-lo. Ou seja, depende de inteligência, propriedade que não falta em São Paulo, apesar da indicação em contrário dada pela cidade. A intensidade do tráfego, o porte dos aviões, a redução das conexões, as melhorias técnicas, isso é que deve ser discutido sobre Congonhas. Até o dia, imprevisível, em que se prove sua inconveniência definitiva.
O fascínio que a aviação exerce, não importa sob que forma, vem de uma fórmula simples: a aviação e a fatalidade se atraem. Tudo o que se passa nessa convivência desarmônica lhe é normal, como a normalidade sinistra de um vôo que se iniciou feliz em Porto Alegre. A grandeza da tragédia de aviação está em jamais ser teatral: é tragédia, sempre e nada mais. É tragédia sem simbolismos, sem mensagem, o raio de desgraça que se abate súbito e cego.
O que o homem pode é tentar entender o que favoreceu o lado da fatalidade, naquele preciso instante do desafio que a aviação lhe faz. No instante de Congonhas, a força da fatalidade pode, por exemplo, ter conferido novo papel à mureta construída no final da pista. De proteção para evitar a derrapagem de avião pista abaixo, sugerida pelo que quase ocorrera a avião da BRA, a mureta pode ter sido o obstáculo em que o TAM bateu na arremetida rasante, com uma roda ou com a cauda, e saiu descontrolado da reta ascendente para a curva em queda à esquerda. A fatalidade aprecia operar assim.
Em termos práticos e objetivos, mais condizentes com o espírito de São Paulo, o que houve em Congonhas não parece parte da crise aérea, cuja solução não está nem ao menos encaminhada -quase um ano depois de sua evidência mais gritante.


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