São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009

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O último clandestino

O ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa, que viveu com identidade falsa na Suécia por quase 40 anos, desembarca no Galeão na terça-feira

Reprodução
VOLTA LIBERADA
Passaporte de Antônio Geraldo da Costa, o Neguinho, emitido há quatro semanas após autorização obtida no Itamaraty pelo vice-cônsul em Estocolmo, José Ulisses Ribeiro


ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Após viver por quase 40 anos, na Suécia, com identidade falsa, o ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa, o Neguinho, entrará no país, pela primeira vez, com seu nome verdadeiro. Ele desembarca no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, na terça-feira.
Neguinho viveu seis anos na clandestinidade, depois do golpe militar, quando participou de assaltos a banco no Rio e em São Paulo para financiar a luta armada. Fugiu do Brasil em 1970. Está com 75 anos.
Os crimes políticos foram anistiados por lei, em 1979, mas o ex-marinheiro continuou em exílio voluntário na Suécia, com medo de retornar e ser punido pelos atos que praticou.
Fragilizado emocionalmente, teme ser preso ao passar pela imigração. Um grupo de companheiros de militância vai recebê-lo no aeroporto para confortá-lo e tentar evitar uma suposta e, segundo a Polícia Federal, improvável detenção.
Ele obteve o passaporte brasileiro em seu verdadeiro nome há apenas quatro semanas. Uma anotação do consulado, em Estocolmo, de que o documento foi emitido por autorização, via despacho, do Ministério das Relações Exteriores, aguçou o medo de que a Polícia Federal estaria à sua espera.
""Ele não acredita que o Brasil se redemocratizou. Acha que a situação pode virar a qualquer momento", diz seu amigo Antônio Duarte dos Santos, também ex-marinheiro, que foi exilado na Suécia de 1971 a 1980, quando foi anistiado.
Outro companheiro de exílio, o ex-marinheiro Guilem Rodrigues da Silva, que se tornou vereador, professor e juiz na Suécia, compara Neguinho ao oficial japonês Hiroo Onoda, que viveu escondido na selva das Filipinas por 29 anos, sem saber que a Segunda Guerra havia acabado. Onoda só saiu da selva quando seu superior no Exército lhe mandou depor as armas.
""Neguinho viveu, praticamente clandestino, na Suécia. Nunca modificou seu pensamento político. Acha que é espionado e seguido", diz Guilem.

Golpe e tortura
Neguinho foi vice-presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais. Cinco dias antes do golpe militar que derrubou em 1964 o presidente João Goulart, o Ministério da Marinha proibiu um ato público em comemoração de dois anos da associação. O ato foi então transferido para o Sindicato dos Metalúrgicos.
Ele foi preso e, segundo colegas, brutalmente torturado. Foi citado na reportagem ""Tortura homogênea", do "Correio da Manhã", de outubro de 64, sobre os maus-tratos nas prisões.
Avelino Capitani, ex-dirigente da associação, atribui a fragilidade emocional de Neguinho às torturas no Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e ao estresse da clandestinidade e das ações armadas.
No prontuário de Neguinho existente no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro consta que ficou preso de setembro a dezembro de 64, e que fugiu dias antes de seu alvará de soltura ter sido assinado.

Fuga
Sua ação de maior repercussão foi o resgate de presos políticos da Penitenciária Lemos de Brito, no Rio, em 1969. Também fez quatro assaltos a bancos para levantar dinheiro para os fugitivos. Atuou em ações armadas da ALN (Aliança Libertadora Nacional, de Carlos Marighela) e se aproximou de outras organizações clandestinas.
Para fugir para o exterior, obteve uma certidão de nascimento em nome de Carlos Juarez de Melo, no interior de São Paulo, e tirou carteira de identidade e passaporte -assim que recebeu a cidadania sueca, casou-se e registrou os dois filhos.
Na Suécia, foi cozinheiro de frades e funcionário de casa de repouso. Como na nova documentação sua idade foi reduzida em cinco anos, aposentou-se mais tarde do que poderia.
Só em 2005, por pressão dos amigos, pediu anistia no Brasil. Entrou no país e saiu dele com a documentação falsa, e fez o pedido por procuração. Segundo o Ministério da Justiça, a anistia foi dada em dezembro de 2006. Mesmo assim, ele seguiu usando a identidade falsa.
Há menos de um ano, atormentado pelo desejo de voltar, procurou autoridades suecas, desfez o imbróglio e obteve a regularização, há cinco meses.


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