São Paulo, domingo, 19 de julho de 1998

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OS CANDIDATOS
"Nem sempre você tem todas as condições para avançar, tem de esperar, somar forças", afirma FHC
Presidente admite que não fez tudo o que prometeu


Tucano cita reforma agrária e educação como grandes realizações. As pesquisas de opinião o fizeram "acordar, tirar a gravata, o paletó e ir à luta", afirma um assessor


VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

Em 1994, eleito presidente da República, Fernando Henrique Cardoso ditou o rumo do que seria seu futuro governo: uma administração social-democrata, que priorizaria o resgate da dívida social brasileira, já que o dragão da inflação estava sendo domado.
No Palácio do Planalto, o tucano seria um representante da "esquerda viável", acabaria com o velho "toma-lá-dá-cá" da política e desencadearia uma ampla reforma do Estado, mudando a Constituição e lançando um ambicioso programa de privatização.
Hoje, três anos e seis meses depois de sua posse, em plena campanha pela reeleição, FHC é acusado pelos adversários -políticos e intelectuais- de não ter seguido o caminho que delineou.
O presidente não aceita esse julgamento. Admite que não "fez tudo". "Às vezes, você faz ziguezague. Nem sempre você tem todas as condições para avançar, tem de esperar, somar forças".
Uma das principais críticas contra seu governo refere-se à política social. Logo depois da vitória na eleição de 94, FHC definiu o setor como sua prioridade. "Tenho mais preocupação com a área social, acho que essa é a grande questão", disse na época.
Hoje, o tucano é visto pela população como um presidente sem sensibilidade social e criticado pelos adversários por pouco ter feito em termos de política social.
FHC admite que não fez tudo o que prometeu, mas diz que muito foi feito. Cita especialmente educação e reforma agrária. Costuma dizer que 96% das crianças em idade escolar estão matriculadas e que vai assentar mais famílias do que em toda a história brasileira.
"No social, por mais que você faça, falta muito sempre", defende-se, acrescentando que, em termos comparativos, seu governo fez mais do que qualquer outro.
Os amigos dizem que a imagem de presidente sem preocupação social colou, basicamente, por dois motivos: não se avançou muito na área da saúde e o estilo racional de FHC não ajuda.
Na Saúde, o presidente estaria saindo da defensiva agora, com a atuação de José Serra. Antes, as mudanças beneficiaram mais os hospitais do que a população.
No caso de seu estilo, os amigos dizem que o lado sociólogo faz com que ele seja "solidário com o pobre na cabeça, mas não no coração", agindo sempre de forma racional. Isso passaria a imagem de um presidente frio e arrogante.
Cercado de acadêmicos dentro do governo, o presidente achava que estava fazendo a coisa certa ao analisar sempre friamente temas como o desemprego e a seca. Seu único contraponto era Sérgio Motta, morto em abril deste ano.
FHC estaria reagindo a essa percepção negativa da população só agora, empurrado pelas pesquisas. A sociedade, diz um auxiliar, fez o presidente "acordar, tirar a gravata, o paletó e ir à luta".
Neoliberal
Depois das críticas na área social, a que mais irrita FHC é a de que abandonou a social-democracia e aderiu ao neoliberalismo, trocando a esquerda pela direita.
A mudança estaria refletida na sua aproximação com o PFL de Antonio Carlos Magalhães e no distanciamento do PSDB do governador Mário Covas.
FHC defende-se dessa acusação, que costuma tirá-lo do sério, classificando-a de "ridícula" e "simplista". Acredita que a pecha de neoliberal não colou. "Isso não tem importância, é um frenesi acadêmico, coisa da oposição, que só comove mentes deformadas."
FHC e seus auxiliares acreditam que a fama de neoliberal veio de seu programa de privatização e da abertura na economia. "Mas não defendemos o Estado mínimo, como defendem os liberais."
Em sua defesa, o presidente diz que seu governo nunca pensou em privatizar a saúde, as universidades, o ensino básico e o sistema previdenciário. E não acredita que o mercado deva prevalecer na economia. "Temos de ter regras."
Os auxiliares dizem que essa política não mudará num segundo mandato. Admitem, no caso das universidades, cobrar de quem pode pagar. E, na saúde, lançar um sistema misto, mas nunca baseado apenas no seguro privado.
Barganha política
FHC também não escapará dos ataques de que prometeu acabar com o fisiologismo, mas participou pessoalmente das negociações com deputados e senadores, mantendo viva a antiga prática de troca de votos por cargos e verbas.
Durante a campanha, FHC disse: "Se eu for presidente, vou falar com o país, não vou ficar no joguinho do toma-lá-dá-cá". Disse mais, ainda antes da posse: "Não nomeio e o que acontece? Nada. Não acontece nada". Chegou a prometer reduzir o número de ministérios. Não cumpriu.
Após assumir, resistiu por muito tempo a admitir que seu governo trocava cargos e verbas por votos.
Nos bastidores, ministros e aliados no Congresso negociavam no velho estilo. A barganha atingiu seu auge nas votações das reformas administrativa e previdenciária e da emenda da reeleição.
O governo tucano chegou a ameaçar demitir afilhados de parlamentares que prometiam votar contra suas propostas, como no caso dos diretores das telefônicas estaduais. Ministros e diretores da Caixa Econômica Federal combinavam com deputados a liberação de verbas em troca de votos.
No caso da reeleição, aliados do presidente foram acusados de comprar por R$ 200 mil votos a favor da emenda, episódio revelado pela Folha em maio de 97.
Os auxiliares mais próximos do presidente fazem questão de ressaltar que, no caso da compra de votos na votação da reeleição, o nome de FHC não apareceu.
Mas não negam que o governo FHC trocou cargos e verbas por votos. Dizem que o presidente foi obrigado a fazer esse tipo de negociação por causa das reformas constitucionais, que exigem um quórum elevado no Congresso -308 deputados e 48 senadores.
Os aliados tentam justificar os meios pelo fim atingido: conseguiram iniciar a reforma do Estado e deslanchar o programa de privatização, quebrando o monopólio do petróleo e das telecomunicações.
Apesar de os amigos do presidente reconhecerem a barganha, FHC ainda resiste: "Eu não admito essa palavra até hoje, porque barganha significa dá-cá-toma-lá. E eu não peço nada para mim, o que eu peço é pelo país".
Uma das mudanças na Constituição, porém, foi feita sob encomenda para atender um interesse seu -a da reeleição, que agora permite que ele dispute um segundo mandato na Presidência.
FHC defende a nomeação de afilhados de políticos. "Em qualquer parte do mundo os partidos querem ocupar posições. Agora, se houver falhas, roubo, vai embora na hora", afirma. Sobre a liberação de verbas, diz que é uma "expectativa legítima de quem aprovou sua emenda ao Orçamento, que deseja que ela seja liberada".
Os amigos do presidente costumam usar o exemplo dos Estados Unidos. Lembram que o presidente norte-americano recebe pessoalmente os parlamentares no Congresso para negociar votos.
Reeleição
Esse é outro tema sobre o qual o presidente mudou de opinião entre a vitória nas urnas e a posse.
"Pobre de quem tentar ser reeleito. Vai ser trucidado moralmente", chegou a dizer. Acreditava que a reeleição era inviável. "(O presidente-candidato) tem de ter segurança do Estado. Ele se desloca em aviões do governo. Como é que faz? Quanta matéria (de denúncia nos jornais)."
Depois da posse, porém, começaram as articulações para aprovar a emenda. O maior entusiasta da idéia era seu amigo Sérgio Motta, que liderou o grupo que garantiu a aprovação da emenda no primeiro semestre do ano passado.
Para mostrar coerência, FHC insistia em que não era ele quem queria a reeleição, mas seus aliados que não tinham outra opção para disputar a Presidência em 98. Hoje, diz que nunca foi contra a reeleição. "Disse que era difícil, por causa da nossa cultura. Você passa a ser vitrine, quem não está em cargo tem mais liberdade."
Privatização
Até na venda de estatais FHC trocou de posição, em pelo menos um caso. Seu governo vendeu a Vale do Rio Doce, quebrou o monopólio do petróleo, abriu a economia ao capital estrangeiro.
Mas, no caso das telecomunicações, o então candidato não tinha muita convicção sobre o que fazer. "No mundo todo, não se tem clareza sobre a telefonia", disse, depois da vitória nas urnas, sobre a privatização do Sistema Telebrás. Mais tarde, evoluiu e decidiu incluir em seu programa a venda das telefônicas estaduais.
FHC mudou?
O relato acima mostra que o FHC de hoje não é exatamente aquele que venceu a eleição de 94. "Quem passa pela Presidência da República, se não mudar, é uma pessoa de mentalidade fechada."
Sobre o fato de não cumprir tudo que prometeu diz que o importante, segundo o presidente, é saber se está ou não avançando.
Ele acredita que sim. Cita as reformas constitucionais, a privatização, as mudanças na educação, a reforma agrária e o combate à inflação -que era de 5.167% ao ano em junho de 94 e hoje está na casa dos 3% ao ano.
A oposição diz que não. Aponta para o crescimento econômico de apenas 2% do PIB (Produto Interno Bruto) esperado para este ano, o aumento do déficit público e a alta taxa de desemprego, de 8,2%.
Caberá ao eleitor, na eleição, avaliar se o "novo" Fernando Henrique Cardoso avançou mais ou menos no que havia prometido na última campanha eleitoral.



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