São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2007

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JANIO DE FREITAS

Um mundo de insegurança


Quantas novidades tecnológicas estão causando o aumento de tantas doenças crescentes? Não se sabe


NO ALARME MUNDIAL em relação a perto de 20 milhões de brinquedos, capazes de provocar danos à saúde e mesmo a morte de crianças, está presente, também, alarme que o mundo não ouve.
Só depois da iminência de morte de três crianças, operadas de urgência por terem engolido pequenos ímãs desprendidos de brinquedos, foi constatada a ameaça silenciosa daqueles e de outros bonecos de grande sucesso no gosto infantil. Estes outros, revestidos de tinta venenosa por conter chumbo. O escândalo mundial centrou-se na origem dos brinquedos: fabricados na China, por encomenda da multinacional americana Mattel. Mas quantos outros brinquedos, quantos objetos de uso comum, quantos tipos de embalagem, quantas novidades tecnológicas estarão provocando o aumento terrível de tantos tipos de câncer, de males circulatórios, de doenças crescentes, e portanto de sofrimento e de morte?
Não se sabe. Ninguém, nos governos, quis ou quer saber de verdade. As implicações econômicas tenderiam ao imensurável e, no seu rastro, viriam os reflexos políticos em proporção que nenhum governo, partido ou governante até hoje admitiu aceitar em nome do interesse público. A relação entre política e interesse público é um fio muito tênue, exposto a tantas interferências que só de raro em raro liga algo de uma ponta a outra.
O caso das três crianças só resultou no alarme em relação a 68 tipos de brinquedos de sucesso da Mattel e à compensação aos consumidores (850 mil desses brinquedos vieram para o Brasil), porque nos EUA tais acidentes/incidentes são obrigatoriamente comunicados à Comissão de Segurança de Produtos de Consumo. Mas o próprio alarme da comissão, a posteriori, denuncia a inexistência ou total precariedade, mesmo nos EUA e na Europa, da vigilância preventiva sobre a segurança de produtos de consumo.
Em importante editorial, a Folha de sexta-feira deixou clara a gravidade ainda maior do problema no Brasil. Aqui, nem do registro regular de ocorrências se dispõe. Para não haver dúvida ingênua quanto ao descaso do Congresso, do governo e dos seus partidos, e ainda de jornais/TV/ rádios, no início do ano a Mesa da Câmara mandou para o arquivo o projeto que propunha o Sistema Nacional de Controle de Acidentes de Consumo.
Mas o Brasil tem posição ainda mais destacada no descaso pela vitimação de consumidores. Entre os maiores detentores de automóveis, o Brasil é caso único: embora tardassem, as fábricas adotaram o recall para defeitos de fabricação em série, mas os governos estaduais e o federal até hoje não se dotaram do necessário para a perícia automobilística de acidentes. Isso significa que, se não é feito o recall ou se defeitos isolados provocam desastres, a causa se volta para os motoristas. Ainda por cima, com possível implicação criminal. A perícia automobilística particular depende dos recursos financeiros e da iniciativa de envolvidos, e mesmo assim é problemática. Aos comuns, cabe sempre arcar com os danos, quando não com mortes, mesmo que o acidente se deva ao carro.
Note-se, a propósito, que as estatísticas de mortes em acidentes de ruas e estradas, no Brasil, não são confiáveis. De certo, apenas que o Brasil está, proporcionalmente, entre os mais mortíferos, senão com mais um recorde mundial. Fiquem os mortos na casa dos 30 mil ou dos 50 mil por ano, segundo os totais mais citados, as estatísticas não incluem mortes na hospitalização. Logo, fazem a estatística da irrealidade.
Brinquedos, embalagens, ondas magnéticas de celulares e de outras novidades, baterias tóxicas a granel, causas de acidentes automobilísticos - para encurtar, tudo o que respeita à segurança do consumidor está por fazer pelos governos e pelos legislativos. Mas não está na preocupação dos que ocupam aqueles e estes.


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