São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
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CELSO PINTO

Perdas com o novo INSS

O projeto de reforma do INSS enviado pelo governo à Câmara pretende dar um caráter atuarial à aposentadoria, ou seja, o aposentado receber em função do que contribuiu. Com isso, equilibraria as contas a médio prazo. Não faz uma coisa nem outra.
O juízo é do economista Francisco de Oliveira, coordenador do Grupo de Seguridade Social do Ipea, instituto de pesquisa ligado ao governo. Oliveira é insuspeito ao criticar, pois tem sido um dos mais ardorosos defensores de uma reforma. Foi, além disso, co-autor do projeto elaborado pelo grupo coordenado por André Lara Resende, em 97 e 98, e que acabou engavetado.
Oliveira diz que o sistema está quebrado. O valor presente da dívida previdenciária equivale a três vezes o PIB e o perfil etário do país a torna explosiva nos próximos anos.
É preciso mudar, especialmente o INSS. O déficit do funcionalismo, de R$ 19,4 bilhões neste ano, deve ser o dobro do déficit do INSS, de R$ 9,5 bilhões. No entanto, enquanto o déficit do funcionalismo tende a se estabilizar, por não contratação e contenção salarial, o do INSS cresce sem limite.
A reforma do INSS do governo está apoiada em quatro pontos. Amplia a base de cálculo do benefício, ao fixar julho de 94 como ponto de partida. Cria um "fator previdenciário", com princípios atuariais no cálculo do benefício (tempo de contribuição, idade e expectativa de vida). Premia quem se aposenta mais tarde. Trata igualmente homens e mulheres.
Todos esses são pontos positivos, para Oliveira. Outro aspecto positivo é tentar resolver o problema pela despesa e não pelo aumento na contribuição, como aconteceu nas últimas décadas.
O sistema só não quebrou ainda porque, desde 1940, a contribuição do empregador subiu de 3% para 22% e a do empregado, de 3% para uma média de 10%. Além disso, a inflação alta ajudou a achatar o valor real dos benefícios. Hoje, com inflação baixa e uma carga fiscal alta, os dois expedientes não funcionam mais.
O problema é que a fórmula do "fator previdenciário", embora embuta elementos atuariais, não é atuarial e sim arbitrária. "Com ovos e óleo é possível fazer uma maionese ou uma mistura intragável", compara. "O governo não fez uma maionese."
Ao calcular a expectativa de vida, o governo usa dados do IBGE que, conforme a faixa etária, geram diferenças de 27% a 94% em relação ao perfil da população de fato beneficiada pelo INSS. O governo calcula em 31% a alíquota de contribuição (11% do segurado e 20% das empresas), mas, com isso, ignora a cobertura de eventos imprevisíveis como morte, doença e invalidez.
A fórmula capitaliza, a partir de julho de 94, a 2,8% ao mês as contribuições de quem se aposenta até 50 anos, a 3,2% até 60 anos e 3,4% acima disso. A taxa é boa, admite Oliveira, mas, como parte de critérios discutíveis, não adianta.
Usando o perfil de aposentadoria atual, com o novo regime a perda média dos homens será de um terço do valor e a das mulheres superará 50% (porque o regime anterior as privilegiava). Para não perder nada com o novo regime, um homem teria que se aposentar com 58 anos e 36 anos de trabalho. Uma mulher, com 62 anos e 30 anos de trabalho.
Como Oliveira acha que o ganho para postergar a aposentadoria é pequeno, na prática vai haver uma perda abrupta para quem se aposentar, sem um regime de transição para atenuá-la. Ele acha que a fórmula foi uma conta feita de trás para a frente: desenhou-se o fator de forma a chegar à economia desejada.
O pior é que, apesar de implicar uma perda, o novo regime não vai estabilizar o déficit tão cedo. Sua projeção é que, pelo regime anterior, o déficit do INSS seria de 5% do PIB em 30 anos. Pelo novo regime será de 2,3% do PIB, um ganho expressivo, mas continuará crescente.
Ele reconhece que não é fácil encontrar uma solução para o estoque de benefícios passados. Na proposta do grupo de Resende, os indivíduos podiam optar por quanto contribuir para o INSS e quanto para o sistema privado. Bom para o contribuinte, mas haveria uma perda de arrecadação, pois seria previsível uma saída expressiva do INSS.
Imaginou-se cobrir esse rombo, em parte, pela ampliação no universo de contribuintes e, em parte, com recursos de privatização. Restaria, contudo, uma conta equivalente a uma vez e meia do PIB a ser paga em 50 anos e isso implicaria um aumento, a curto prazo, na relação dívida líquida/ PIB.
A longo prazo, o sistema estaria equilibrado, já que partia do princípio de capitalização. Chico Lopes, então diretor do Banco Central, vetou a idéia, pelo impacto negativo de curto prazo sobre a relação dívida/PIB, embora o FMI, pelo que se sabe, apoiasse a reforma.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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