São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999 |
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ELIO GASPARI Um boa idéia para a Viúva Ao contrário do que o governo prometeu, a reforma tributária não estará concluída antes do fim do ano. Havendo tempo, será possível discutir melhor uma idéia que roda há bom tempo por Brasília. É a criação de um sistema de arrecadação sobre transações financeiras. A proposta é do economista Augusto Jefferson Lemos. Na descoberta da vitalidade da movimentação financeira como forma de arrecadação está uma curiosidade da vida nacional. O país que teve um médico (Joaquim Murtinho) como um de seus maiores ministros da Fazenda tem num cardiologista (Adib Jatene) o autor da proposta da maior inovação tributária das últimas décadas (a CPMF). Toda discussão tributária, além de chata, divide-se em duas partes. Uma trata da maneira como o Estado pretende arrecadar seus tributos. A outra, da distribuição do que se arrecadou. Uma não tem nada a ver com a outra e a idéia de Jefferson relaciona-se só com a primeira. Atualmente, o governo gasta 3% do PIB para arrecadar R$ 240 bilhões, equivalentes a 30% da atividade econômica. É um sistema considerado imperfeito tanto pelo secretário da Receita quanto pelos maiores sonegadores. Recolhe dois terços do que deveria coletar. Jefferson propõe que a União passe a arrecadar alguns de seus tributos por meio de uma alíquota imposta ao movimento financeiro. A coisa funcionaria com o mesmo mecanismo da atual CPMF. Com uma diferença: enquanto hoje o governo fica com 0,38% do valor de cada cheque ou transação, passaria apenas a reter o dinheiro (por um prazo tão curto quanto possível) apropriando-se só daquilo que o contribuinte teria a pagar. Cada ponto percentual da movimentação financeira significa o equivalente a pelo menos 5% do PIB. Esse sistema tem as seguintes vantagens: 1) reduz em mais da metade o custo da máquina de arrecadação; 2) quebra a espinha do sonegador. Como a Viúva pega o seu dinheiro na movimentação bancária, ele precisará apresentar uma declaração formal provando que tem direito a restituição. Fraudando essa declaração, encrenca-se com o Código Penal; 3) fura o bolso da fiscalização corrupta, pois fecha o balcão de venda de facilidades; 4) captura o mercado informal. Quem quiser se livrar da arrecadação terá que abandonar a rede de serviços bancários. Tem as seguintes desvantagens: 1) quebra o sigilo das contas bancárias, ofendendo um direito dos cidadãos; 2) uma alíquota alta produzirá uma biblioteca de dribles da movimentação financeira convencional; 3) cria o risco de o dinheiro dos contribuintes ficar retido sem que eles tenham impostos a pagar. A questão do sigilo é insolúvel, e quem a acha inadmissível pode, com razão, chamar a idéia de liberticida. O problema do tamanho da alíquota é fácil. Basta não exagerar na mordida. A dificuldade provocada pela retenção pode ser resolvida para 95% dos contribuintes. Basta criar prazos curtos para os acertos de contas e fixar um teto até o qual o cidadão possa sacar o seu dinheiro automaticamente. Jefferson propõe que a movimentação financeira seja transformada em mecanismo de arrecadação, não de tributação. Basta neutralizar os mecanismos de devolução para virá-la de cabeça para baixo, transformando-a num monstro. Esse monstro, por agora, chama-se Imposto de Renda mínimo. Há muita gente pensando em usar a movimentação financeira como uma nova modalidade de tunga. O cidadão ficaria com o dinheiro preso, e a Receita se investiria de poderes para dizer quanto ele deveria perder, sob o nome de IR mínimo. Isso é roubo, porque não existe imposto mínimo obrigatório nem imposto máximo. Existe apenas o imposto devido. Se a Receita não consegue arrecadá-lo direito, o problema é dela. Quando o professor Jatene concebeu a CPMF, os sábios da economia nacional disseram que provocaria um apocalipse. Resultou num sucesso tão grande que o governo, na sua gula, desviou-lhe a finalidade (financiar a saúde) e aumentou-lhe a alíquota. O que Jefferson propõe é um sistema eficaz de arrecadação. Apenas sugere uma nova forma de coleta de impostos, alcançando quem não os paga. Conseguindo-se isso, pode-se até baixar a carga de quem os paga. Roriz, o migrante, virou segregacionista O governador de Brasília, Joaquim Roriz, meteu-se numa briga com o "Correio Braziliense" e acabou produzindo um dos maiores exemplos conhecidos de microcefalia do andar de cima. Ele acusa o jornal de estimular a chegada de migrantes a Brasília. Diz que os migrantes "fretaram ônibus da Bahia, fretaram ônibus do Piauí porque atenderam ao apelo do "Correio". Vieram para invadir Brasília". É comum que o andar de cima considere a migração dos brasileiros miseráveis como coisa maligna. Enquanto a migração produz empregadas e faxineiros a preços vis, o Nordeste é uma bênção divina. Quando esses mesmo migrantes viram mendigos, o andar de baixo se torna um estorvo. O que não se consegue entender é que esse tipo de segregacionismo seja exercitado por um governador de Brasília. Afinal de contas, qualquer \habitante da capital com mais de 43 anos é um migrante. Antes de 1955, quando a cidade começou a ser construída, aquele pedaço do planalto só tinha cupim, poeira e lobo guará. Talvez o doutor Roriz não se lembre, mas é um migrante. Nasceu em Goiás, há 62 anos. Fez toda a sua carreira em Goiás e invadiu a política de Brasília em 1988, quando foi nomeado governador da cidade. Para quem acha que os migrantes atrapalham a vida das cidades, sempre resta uma dúvida: quem atrapalha mais a vida de Brasília, Roriz ou uma criança piauiense que desceu ontem de um ônibus fretado por miseráveis? Gordon e o grampo de 1964 O professor Lincoln Gordon escreve para retificar uma frase aqui publicada na semana passada, referente ao seu artigo sobre os telefonemas do presidente Lyndon Johnson no dia 30 de março de 1964, véspera do golpe militar que derrubou o presidente João Goulart. Às 22h35 desse dia (hora de Washington), Johnson alertou seu assessor de imprensa, George Reedy, para a possibilidade de um golpe no Brasil naquela noite. Desse telefonema decorreu a suposição de que Johnson estivesse informado pela Central Intelligence Agency, a CIA. Gordon escreveu em seu artigo que, de acordo com a gravação de um telefonema dado pelo secretário de Estado Dean Rusk a Johnson, uma hora antes, "está claro que a ligação de Johnson a Reedy não foi inspirada pelo informe da CIA, e sim por um telefonema de Rusk, feito depois de sua conversa comigo". Publicou-se aqui que "Gordon sustenta que foi seu telefonema, e não as informações que a CIA possa ter passado a Rusk, que produziu o clima de urgência". O ex-embaixador norte-americano corrige: "Eu não disse isso". O que ele disse foi que o telefonema de Johnson ao assessor de imprensa decorreu da conversa que teve com Rusk. Gordon admite que o secretário de Estado pode ter recebido informações da CIA. Antes de telefonar para Johnson, ele estivera com gente da CIA, que recebera do Brasil dois telegramas para Washington falando da iminência de um golpe. Pode parecer sutileza, mas não é. Gordon quer deixar claro que a espoleta foi o telefonema de Rusk, não um informe que a CIA tenha mandado a Johnson. Vez da bola
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