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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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CIDADÃ REVISTA

Competência de comissão constituinte foi colocada em xeque por mudar propostas aprovadas em plenário

Alteração de texto foi alvo de discussão entre constituintes

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As notas taquigráficas das oito reuniões da Comissão de Redação do Congresso Constituinte mostram que os encontros foram marcados por tensas discussões entre seus 26 membros e por reconhecimentos aqui e ali de que a competência da comissão, meramente redacional, estava sendo rompida por alterações no mérito das propostas aprovadas nos dois turnos de votação plenária.
"Quem não veio ao plenário acertou, porque mudamos tudo e vão assinar o que não foi votado", afirmou durante a última reunião o constituinte Sólon Borges dos Reis (PTB-SP).
Dali a 15 dias, a Constituição seria promulgada.
"Mexeram. O mérito foi alterado. Estamos sofrendo grande campanha na imprensa pela alteração do mérito. Acabamos de dar prova disso, sem necessidade", acrescentou, mais adiante, o relator da Constituição, Bernardo Cabral (PMDB-AM).
Cabral e Sólon se referiam especificamente à modificação que estendeu a toda a população a gratuidade aos "atos necessários ao exercício da cidadania". No texto aprovado nos dois turnos, a gratuidade era restrita aos "reconhecidamente pobres". O petebista argumentou que a alteração significou uma vitória "no tapetão".
"Aqui já se mexeu muito no mérito constituinte. Essa não é a primeira emenda de mérito que se vota aqui", observou Ademir Andrade (PSB-PA).
A alteração em questão, aprovada na comissão por 13 votos a 8, levou o então constituinte e futuro presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que votou a favor da modificação, a declarar que deu seu apoio a uma atitude que considerava errada.
"Votei conscientemente errado. Quero deixar claro, pois sou contra mexermos no mérito", afirmou ele.

"Exorbitar funções"
A preocupação em não alterar o conteúdo legitimado pelas duas votações em plenário foi levantada pelo presidente do Congresso Constituinte, Ulysses Guimarães (PMDB-SP), logo na primeira reunião, em que ele apelou: "Não podemos exorbitar das nossas funções".
"É claro que não vou ensinar Padre Nosso a vigário. A não ser em um caso ou em outro que surja, por omissão, devemos nos ater realmente aos aspectos formais, de técnica legislativa e de correção de linguagem, por motivos óbvios. Não podemos exorbitar das nossas funções", disse.
O apelo não resistiu muitas horas e, na mesma reunião, ocorreu a primeira discussão sobre mérito. "Isso aqui não é Suprema Corte, que vai resolver as dúvidas de interpretação", afirmou Nelson Jobim (PMDB-RS), que, 15 anos mais tarde, já ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), seria o estopim da revelação de que artigos da Constituição nunca foram votados.
"Nós vamos ter problema de mérito nas apreciações das sugestões. Aí nós vamos ter que enfrentar esse problema e assumir uma responsabilidade, pelo sim ou pelo não", respondeu Ulysses Guimarães.
(RANIER BRAGON)


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