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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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NO PLANALTO

Arraes é "condenado" sem julgamento

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Se o mundo fosse feito de lógica, Miguel Arraes (PSB-PE) não seria político. Fala para dentro. Discursa o ininteligível. Num terreno movediço como o da política, traz os pés enfiados em pedestal de certezas absolutas. Não se curva nem à evidência dos fatos. É estátua de carne e osso, efígie ideológica.
O nome de Arraes já vem precedido da legenda. Num meio em que nada se perde, nada se transforma, tudo se corrompe, nunca ninguém lhe havia posto em dúvida a honradez. Súbito, virou réu. Acusaram-no de patrocinar, em 1996, a suposta emissão fraudulenta de títulos do Estado de Pernambuco. Era, então, governador.
O processo rasteja no Judiciário desde julho de 1998. Já passeou por escaninhos do STJ. Já fez baldeação na Justiça Federal pernambucana. Por fim, aterrissou no STF. Deu-se em fevereiro de 2001. Lá se vão dois anos e oito meses. E nada de julgamento.
Alertado por advogados, o também advogado Arraes vislumbrou na morosidade uma oportunidade para esquivar-se do julgamento. Em silêncio, requereu ao Supremo, no final do ano passado, a exclusão de seu nome do processo.
Invocando a idade avançada, alegou que os crimes de que é acusado haviam prescrito. Relator do processo, o ministro Carlos Veloso deu-lhe razão. A prescrição só ocorreria 12 anos depois do suposto delito. Mas conta-se o prazo pela metade quando o acusado tem mais de 70 anos. Arraes, hoje um vulto granítico a vagar pelos corredores da Câmara, tem 86.
Ao riscar o nome de Arraes do processo, o ministro Veloso, longe de absolver, condenou a efígie, a pedidos, ao convívio com a suspeição. Arraes foi, por assim dizer, confinado numa Fernando de Noronha metafórica. Viu-se submetido, por opção, à tortura da dúvida. Sua biografia, convenhamos, merecia a homenagem de um veredicto peremptório.
A exclusão do nome de Arraes não extinguiu o processo. Há outros réus. Entre eles, o deputado Eduardo Campos (PSB-PE), neto da efígie. Passou pela Secretaria da Fazenda de Pernambuco na ocasião da emissão dos títulos sob análise. A seguir, um extrato da peça de acusação:
1) sob Arraes, Pernambuco emitiu, em 1996, R$ 480 milhões em títulos. Destinavam-se a quitar precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais);
2) anabolizaram-se os precatórios. Somavam R$ 26 milhões, não os alegados R$ 480 milhões. Um deles, de R$ 350 mil, virou R$ 350 milhões;
3) a emissão dos títulos foi urdida por Wagner Ramos, um funcionário da Prefeitura de São Paulo. Os papéis saíram da mesma fôrma em que foram assadas letras de Alagoas e Santa Catarina. Juntas, compõem o bolo do escândalo dos precatórios;
4) contratado, sem licitação, para lançar os títulos no mercado, o Banco Vetor amealhou, entre o lucro da venda e a taxa cobrada do Banco do Estado de Pernambuco, R$ 34,7 milhões;
Ouvido, Eduardo Campos informa: eleito governador, Arraes herdou um Estado em petição de miséria. Recusou a via das privatizações. Brasília negou-lhe ajuda. Ou emitia os títulos ou sobreviria o caos. Sob o barulho, há muito de perseguição política.
Diz mais: o valor dos precatórios, de fato, estava errado. Mas o equívoco, involuntário, foi do Tribunal de Justiça. O débito de R$ 350 mil foi aos livros com três zeros a mais. Pagos os precatórios, a sobra bancou outras despesas do governo. Ao "federalizar" a dívida de Pernambuco, em 1999, a União legitimou os papéis de 1996.
"Quero ser julgado", pede Eduardo Campos, ministeriável do PSB. "Não posso passar a vida inteira sob inquérito." A quem interessar possa: no caso do neto, convém não aguardar, por inútil, a prescrição etária. Ele tem escassos 38 anos. Melhor julgá-lo.
 

Correção: aqui se informou, em 5 de outubro, que contrato firmado entre a Dataprev, braço tecnológico da Previdência, e a Cobra, subsidiária do Banco do Brasil, continha cláusula prevendo renovação por um ano. A hipótese de prorrogação consta da proposta de trabalho da Cobra, não do contrato. O período aventado é de dois anos, não de um.


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