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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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ELIO GASPARI

O PPP, ou Pilhagem Petista da Patuléia

Lula encaminhará ao Congresso nesta semana o seu projeto de Parceria Público-Privada. Se der certo, o nome lhe cai bem. Se der errado, poderão chamá-lo de Pilhagem Petista da Patuléia. O PPP coroa o processo de desmanche do Estado e de canibalização financeira do poder republicano.
Ele começou com o tucanato, que vendeu o patrimônio da Viúva. Torrou o parque energético, a rede de telecomunicações e as malhas rodoviária e ferroviária. Faturou US$ 100 bilhões, que deveriam ajudar os investimentos na infra-estrutura, além de facilitar a entrada de capitais estrangeiros. Lorota da boa. Quem financiou boa parte dessa privataria foi o velho e bom BNDES, que em pelo menos um caso (o da Eletropaulo) tomou belo calote.
Os tucanos venderam um patrimônio existente. Sem ter o que torrar, Lula quer vender as necessidades do povo. Faz falta uma nova linha de metrô no Rio? Convém que se construa um anel rodoviário em Santos? PPP neles.
Se o capitalismo vingasse, a solução seria simples:
O governo acha que a obra precisa ser feita. Leiloa a concessão, contrata um sistema decente para o cálculo das tarifas e deixa o mercado cuidar do assunto.
Como o capitalismo brasileiro foi comido pelos caetés junto com o bispo Sardinha, os empresários querem a concessão e as tarifas, mas não pretendem botar dinheiro deles no negócio. Baseado nos ensinamentos da baronesa Thatcher (numa boa) ou do mexicano Carlos Salinas de Gortari (numa ruim), o PT-Federal concebe parcerias nas quais o governo entra com o dinheiro para pagar as obras e garante aos maganos o povo para pagar as tarifas. As empreiteiras cuidam da engenharia e exploram do serviço. Em geral, essa modalidade de negócios gera contratos de 30 ou 40 anos.
O PPP assemelha-se aos contratos do Segundo Reinado, quando se garantiam juros sobre o capital investido aos ingleses que construíam ferrovias. A astúcia está aí: em vez de se entregar ao capitalista o risco do negócio (a existência, ou não, de passageiros para a linha de metrô ou de carga para os trens), assegura-se uma renda pelos juros, no Império, ou pela expectativa contratada, no Petério.
É divertida a coligação histórica tucano-petista. Devastaram os contratos dos aposentados dizendo que estavam reformando a Previdência. Quando se falou em mudar a forma de cálculo dos reajustes das telefônicas, baixou em Brasília o primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, e demandou que se respeitem los contratos de sus compatriotas. (Bem que os aposentados brasileiros poderiam se naturalizar espanhóis.)
O PPP é a celebração do entendimento entre o PT-Federal e as grandes empreiteiras nacionais. Essa coisa chamada de "parceria" não é intrinsecamente má. Por enquanto, é apenas um improviso colocado a serviço da opção preferencial de Lula pelo espetáculo. A modalidade de financiamento do PPP pode funcionar, assim como a privatização das companhias elétricas não precisava ter virado um conto do apagão.
Bastaria que o tucanato tivesse sido modesto e tivesse trabalhado na regulamentação das concessões e nos contratos de financiamento. Mais trabalho e menos espetáculo teriam salvo FFHH de ter assinado uma nota fria. Se Lula entrar no PPP com mais suor e menos samba, livrará seu governo de construir um novo desastre. Isso está ao seu alcance. Basta pedir licença ao Congresso para executar meia dúzia de projetos, de dimensões variadas, para que a fórmula seja estudada. Teria dois anos para avaliar o que fez. Se desse certo, iria em frente. Isso porque, se der errado, seus sucessores terão que limpar o estrago durante os próximos 30 anos.


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