São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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"Nada coíbe caixa dois", afirma analista

Carlos Ranulfo diz que "ninguém sabe o real impacto de uma reforma política'; financiamento público reduziria disparidades

Cientista político diz que reforma só vai acontecer no Brasil quando se tornar "agenda de governo" e houver base aliada coesa

DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista político Carlos Ranulfo Melo, 49, da Universidade Federal de Minas Gerais, acha que "ninguém sabe de fato o impacto de uma reforma política". Ele afirma que nenhum governo, até hoje, se comprometeu com a reforma e não crê que ela será aprovada no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não haver uma base aliada coesa.
"Não adianta o PT querer se o PMDB não quiser. Não acho possível fechar nada com o PMDB." Para Ranulfo, a proposta apenas seria votada se virasse uma "agenda de governo, com acordo suprapartidário". (MALU DELGADO)  

FOLHA- A reforma política é necessária ou uma panacéia?
CARLOS RANULFO MELO
- Algumas modificações seriam necessárias, mas não acho que elas pudessem promover a curto prazo um impacto muito grande. Ninguém sabe de fato o impacto da reforma. Tendo a ter certa concordância com a proposta que a comissão da reforma elaborou. O sistema atual está no miolo das atuais confusões.

FOLHA - O sr. é a favor do financiamento público?
RANULFO
- Sou. Acho que basta ver a previsão de gastos que os candidatos fizeram: é 20 vezes maior que o gasto do financiamento público. Temos que estabelecer limites e uma forma de controle eficaz. Isso só tem sentido se tiver alguma lista. Não precisa ser lista totalmente fechada. Os países europeus hoje já transitaram da lista fechada para a flexível.

FOLHA - E como funciona?
RANULFO
- O partido faz uma lista. O cidadão pode concordar com a ordem ou alterá-la. Quando vota na legenda, está concordando com a ordem que o partido criou. Se o eleitor não gostou da ordem feita pelo partido, marca um candidato específico [dentro da legenda]. O eleitor pode votar duas vezes (na legenda e no candidato). Há várias possibilidades.

FOLHA - O modelo de lista flexível merece ser testado no Brasil?
RANULFO
- Ele não significaria uma ruptura com a atual cultura, mas começaria a introduzir o partido, fazer uma mediação. O nosso sistema de votação é muito personalizado, compatível com sistemas majoritários. Sistemas proporcionais como o nosso precisam ter os partidos como referência.

FOLHA - O descrédito com a classe política dificulta a aceitação do financiamento público?
RANULFO
- Temos que enfrentar abertamente a discussão sobre o custo da democracia. É muito fácil cair na graça das pessoas e defender, por exemplo, redução de custos para o Legislativo. Na verdade, não podemos esperar que o Legislativo pouco aparelhado controle o Executivo em lugar nenhum do mundo. A democracia tem custos. Quando você faz financiamento público abaixa esses custos, reduz as disparidades e é mais fácil controlar.

FOLHA - Mas financiamento público não coíbe caixa dois.
RANULFO
- Claro que não. Nada coíbe caixa dois.

FOLHA - As relações do meio político com empresas seriam transparentes com financiamento público?
RANULFO
- O financiamento público tem de ser exclusivo. E se ficar provado que teve financiamento privado, tem de haver cassação imediata e multas pesadíssimas. Se eu tivesse de escolher entre o atual sistema e a proposta que está no Congresso da comissão especial, eu prefiro a que está lá. O atual sistema é ruim. Ele tem grande responsabilidade por essa situação de estranhamento da população com a classe política.

FOLHA - Mas não significa que aquela reforma é a salvação dos mundos.
RANULFO
- Claro que não. Vão surgir novos problemas, vamos tentando soluções. A questão é que a agenda de reforma política que interessa ao PT é uma. Ao PSDB é outra. O PSDB defende parlamentarismo, voto distrital misto. O fortalecimento do papel dos partidos é uma coisa comum. Mudar as regras de coligação, ter mecanismos de fidelidade.
O problema é que PFL, PSDB e PT estão em campos opostos e eles são os partidos que, a meu ver, teriam mais interesse numa reforma que fortalecesse o sistema partidário. Só que eles não conversam.

FOLHA - O sr. é pessimista sobre a aprovação da proposta?
RANULFO
- Ah, eu sou! Nenhum governo, nem FHC nem Lula, teve interesse. Reforma política no Brasil só vai vingar se virar agenda de governo. Até hoje não aconteceu. Por quê? Nenhum governo tem base coesa em torno da reforma. Não adianta o PT querer se o PMDB não quiser. Se ela não vira uma agenda de governo, com acordo suprapartidário, acho pouco provável votarem. Não acho possível fechar nada com o PMDB. O PMDB não se entende sobre nada. É complicado.

FOLHA - Fidelidade partidária é uma dinâmica que se impõe por lei?
RANULFO
- Como o nosso sistema é de lista aberta, a migração partidária é coerente. Temos que fazer com que o custo da troca de partido seja alto. Hoje ninguém perde nada com a troca. Eu seria mais radical.


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