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"Nada coíbe caixa dois", afirma analista
Carlos Ranulfo diz que "ninguém sabe o real impacto de uma reforma política'; financiamento público reduziria disparidades
Cientista político diz que reforma só vai acontecer no Brasil quando se tornar "agenda de governo" e houver base aliada coesa
DA REPORTAGEM LOCAL
O cientista político Carlos
Ranulfo Melo, 49, da Universidade Federal de Minas Gerais,
acha que "ninguém sabe de fato
o impacto de uma reforma política". Ele afirma que nenhum
governo, até hoje, se comprometeu com a reforma e não crê
que ela será aprovada no segundo mandato do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva por não haver uma base aliada coesa.
"Não adianta o PT querer se o
PMDB não quiser. Não acho
possível fechar nada com o
PMDB." Para Ranulfo, a proposta apenas seria votada se virasse uma "agenda de governo, com acordo suprapartidário".
(MALU DELGADO)
FOLHA- A reforma política é necessária ou uma panacéia?
CARLOS RANULFO MELO - Algumas
modificações seriam necessárias, mas não acho que elas pudessem promover a curto prazo um impacto muito grande.
Ninguém sabe de fato o impacto da reforma. Tendo a ter certa
concordância com a proposta
que a comissão da reforma elaborou. O sistema atual está no
miolo das atuais confusões.
FOLHA - O sr. é a favor do financiamento público?
RANULFO - Sou. Acho que basta
ver a previsão de gastos que os
candidatos fizeram: é 20 vezes
maior que o gasto do financiamento público. Temos que estabelecer limites e uma forma
de controle eficaz. Isso só tem
sentido se tiver alguma lista.
Não precisa ser lista totalmente fechada. Os países europeus
hoje já transitaram da lista fechada para a flexível.
FOLHA - E como funciona?
RANULFO - O partido faz uma
lista. O cidadão pode concordar
com a ordem ou alterá-la.
Quando vota na legenda, está
concordando com a ordem que
o partido criou. Se o eleitor não
gostou da ordem feita pelo partido, marca um candidato específico [dentro da legenda]. O eleitor pode votar duas vezes
(na legenda e no candidato). Há
várias possibilidades.
FOLHA - O modelo de lista flexível
merece ser testado no Brasil?
RANULFO - Ele não significaria
uma ruptura com a atual cultura, mas começaria a introduzir
o partido, fazer uma mediação.
O nosso sistema de votação é
muito personalizado, compatível com sistemas majoritários.
Sistemas proporcionais como o
nosso precisam ter os partidos
como referência.
FOLHA - O descrédito com a classe
política dificulta a aceitação do financiamento público?
RANULFO - Temos que enfrentar abertamente a discussão sobre o custo da democracia. É
muito fácil cair na graça das
pessoas e defender, por exemplo, redução de custos para o
Legislativo.
Na verdade, não podemos esperar que o Legislativo pouco
aparelhado controle o Executivo em lugar nenhum do mundo. A democracia tem custos.
Quando você faz financiamento público abaixa esses custos,
reduz as disparidades e é mais
fácil controlar.
FOLHA - Mas financiamento público não coíbe caixa dois.
RANULFO- Claro que não. Nada
coíbe caixa dois.
FOLHA - As relações do meio político com empresas seriam transparentes com financiamento público?
RANULFO - O financiamento público tem de ser exclusivo. E se
ficar provado que teve financiamento privado, tem de haver
cassação imediata e multas pesadíssimas. Se eu tivesse de escolher entre o atual sistema e a
proposta que está no Congresso da comissão especial, eu prefiro a que está lá.
O atual sistema é ruim. Ele
tem grande responsabilidade
por essa situação de estranhamento da população com a
classe política.
FOLHA - Mas não significa que
aquela reforma é a salvação dos
mundos.
RANULFO - Claro que não. Vão
surgir novos problemas, vamos
tentando soluções. A questão é
que a agenda de reforma política que interessa ao PT é uma.
Ao PSDB é outra. O PSDB defende parlamentarismo, voto
distrital misto. O fortalecimento do papel dos partidos é uma
coisa comum. Mudar as regras
de coligação, ter mecanismos
de fidelidade.
O problema é que PFL, PSDB
e PT estão em campos opostos
e eles são os partidos que, a
meu ver, teriam mais interesse
numa reforma que fortalecesse
o sistema partidário. Só que
eles não conversam.
FOLHA - O sr. é pessimista sobre a
aprovação da proposta?
RANULFO - Ah, eu sou! Nenhum
governo, nem FHC nem Lula,
teve interesse. Reforma política no Brasil só vai vingar se virar agenda de governo. Até hoje
não aconteceu. Por quê? Nenhum governo tem base coesa
em torno da reforma. Não
adianta o PT querer se o PMDB
não quiser. Se ela não vira uma
agenda de governo, com acordo
suprapartidário, acho pouco
provável votarem. Não acho
possível fechar nada com o
PMDB. O PMDB não se entende sobre nada. É complicado.
FOLHA - Fidelidade partidária é
uma dinâmica que se impõe por lei?
RANULFO - Como o nosso sistema é de lista aberta, a migração
partidária é coerente. Temos
que fazer com que o custo da
troca de partido seja alto. Hoje
ninguém perde nada com a troca. Eu seria mais radical.
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