São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

O presente é só futuro


Nunca vi um governante eleito que se declarasse tão dependente de um partido que não é o seu

O SEGUNDO mandato de Lula nem começou, e o assunto que consegue animar os comentários, o noticiário e a própria política é a eleição presidencial de 2010. "Aécio pode disputar pelo PMDB"/ "Serra quer fazer um partido para se candidatar"/ "Temos que refundar o PSDB"/ Até eles: "O PFL vai ter candidato à Presidência na próxima sucessão". Perdi a conta dos artigos, notícias e entrevistas mais evidentes que tentei enumerar, na última semana, com referência à eleição presidencial de 2010. Isso é que é país do futuro.
Nunca vi, e perdi a conta também das sucessões que testemunhei, tamanha apatia pública em relação à montagem de um novo governo, com as possibilidades ministeriais e o que cada uma delas significaria. É como se não fizessem diferença (cada entre nós, não há motivo para supor que façam).
Exceto em um caso, que motivou tremores bem perceptíveis: a saída do ministro Márcio Thomaz Bastos, já com indicações de que acompanhado pelo diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Para agravar o despropósito e os tremores, a hipótese de que Lula pense em retribuir com o Ministério da Justiça os serviços prestados por Nelson Jobim quando presidente do Supremo Tribunal Federal.
Também nunca vi um governante eleito que se declarasse tão dependente de um partido que não é o seu, para viabilizar os presumidos atos do futuro governo.
Todos os dias, Lula repete que vai dividir o governo com o PMDB, porque nada, a seu ver, é mais essencial do que tê-lo como sua força decisiva no Congresso. E o quer por inteiro, unidos todos os muitos segmentos no lulismo permanente -mas, claro, não incondicional.
A partir do encontro com o presidente Michel Temer, Lula considera iniciadas as negociações com o PMDB. Não há negociação. Nenhuma associação política é mais esperta e experiente, no dá cá para receber, do que o PMDB.
Com a dependência aberta e incompetentemente declarada -negação absoluta da chamada arte da política-, o PMDB não precisa mais do que dizer o que quer. Lula paga já ou, se a dependência for a que imagina, pagará mais tarde. A única negociação a ocorrer é no PMDB, para a partilha do tesouro entre as correntes internas.
Se no PSDB houver quem saiba mesmo pensar politicamente, além do senador Sérgio Guerra e de Aécio Neves, é provável que se pergunte o quanto conviria, se é que conviria, deixar Lula e o governo tão dependentes do PMDB no Congresso. Em quatro anos de uso predominante da máquina administrativa, com o traquejo que nenhum partido iguala, os já vitoriosos peemedebistas entrariam nas próximas eleições com um potencial esmagador. Para cima, sobretudo, do PSDB.
Se no PT houver quem seja menos militante do lulismo-acima-de-tudo do que praticante da política, faria muito bem em imaginar as possíveis conseqüências, para o petismo, da força dada ao PMDB por Lula. A idéia de um partido-gigante, ao que se saiba, não está desprezada. Para fazer, enfim, os 20 anos que os militares queriam a mais e não conseguiram; e os 20 anos que o PSDB, pela voz de seu ideólogo Sérgio Motta, prognosticou para o peessedebismo no governo e não conseguiu.
Bem, já que se fala muito de 2010 e quase nada do futuro governo Lula, falemos desse governo e de sua montagem. Falemos - mas falar o quê, se nem os que deviam falar dizem umas palavrinhas mais substantivas? Fica para o futuro, como a sina do país recomenda.


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