São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

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ONU pede, mas União veta acesso a arquivos

Prazos das Nações Unidas e da Procuradoria Geral da República vencem e governo não abre documentos da ditadura militar

Pedido de acesso a arquivos integra defesa da punição dos violadores de direitos humanos e apoio às famílias que buscam desaparecidos

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Venceram neste mês os prazos das Nações Unidas (dia 2) e da Procuradoria Geral da República (dia 11) para o Brasil abrir os arquivos com papéis sigilosos do regime militar (1964-1985), mas o governo não atendeu aos pedidos nem respondeu a quem os fez.
Em 2 de novembro de 2005, o Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou ao país "tornar públicos todos os documentos relevantes sobre abusos de direitos humanos", inclusive os "atualmente retidos" pela legislação específica.
Em 11 de setembro, o procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, expediu ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva citando a posição da ONU. Reivindicou a "desclassificação" dos documentos produzidos na ditadura militar.
Um papel sigiloso é "classificado" na origem. Os que receberam o carimbo de "ultra-secreto" podem permanecer sem acesso público para sempre, conforme a norma legal. O "sigilo eterno" foi introduzido em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Lula (PT) o manteve.
A Folha apurou que, tanto para o governo de FHC como para o de Lula, pressões de meios militares (menos) e o temor da reação da caserna (mais) a uma política ofensiva de liberação de documentos sigilosos são as causas maiores das restrições em vigor.
A ONU sublinhou em 2005 o prazo de um ano para o Brasil "fornecer [...] informações relevantes sobre a [...] implementação das recomendações". Não obteve resposta.
O prazo do chefe do Ministério Público Federal foi de dois meses para a apresentação de "documentos que [...] foram declarados como sigilosos, em qualquer grau, mas que interessam aos familiares de mortos e desaparecidos políticos". A Procuradoria informa que não recebeu o material nem mesmo uma resposta ao ofício.

"Manipulação"
O pedido de abertura dos arquivos integra, para a ONU e o Ministério Público, a defesa da punição dos violadores de direitos humanos no regime militar e o apoio ao esforço das famílias que buscam os corpos de desaparecidos.
A ONU lamenta que "não houve investigações oficiais ou responsabilização direta pelas graves violações de direitos humanos da ditadura". E propõe: "Para combater a impunidade, o Estado deve considerar outros métodos de responsabilização para crimes contra direitos humanos sob a ditadura".
O procurador pede que a União pare de apresentar recursos e "qualquer resistência" a ações judiciais que buscam o acesso a documentos. A Justiça decidiu em primeira instância liberar papéis sobre a Guerrilha do Araguaia. Talvez permitam descobrir cadáveres de guerrilheiros. A União recorreu.
O ofício endereçado a Lula lembra que, segundo a legislação, o presidente tem poder para "desclassificar" papéis ainda mantidos em sigilo. As autoras do texto são as procuradoras da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero e Lívia Tinocco. Ao enviá-lo à Presidência, o procurador-geral o assina.
A mensagem condena a política federal sobre o direito à informação. Sustenta que "não representa avanço na promoção do direito à verdade" a transferência para o Arquivo Nacional de documentos em poder da Agência Brasileira de Inteligência. O motivo principal é a ausência de arquivos do Exército. Se houve queima ou extravio de papéis, como a Força alega, a Procuradoria solicita o nome dos "responsáveis pelos atos de destruição".
Sugere a instauração de "procedimento administrativo, não sigiloso, de reconstituição da documentação". Um meio seria convocar militares que "vêm se portando de maneira a demonstrar que possuem parte dessa documentação".

"Artimanhas"
Muitas entidades não reconhecem no acervo que o Arquivo Nacional vem recebendo avanço para conhecer o passado. O Grupo Tortura Nunca Mais-RJ considera que a Lei 11.111, sancionada por Lula em 2005, contém "artimanhas para a liberação de documentos tidos como sigilosos; somente aqueles pouco significativos para resgatar a história desse período virão a público".
Para o mesmo grupo, o governo "encena um espetáculo, mais uma tentativa para manipular a opinião pública".
O movimento Desarquivando o Brasil reúne advogados e acadêmicos. Diz: "Ao admitir a possibilidade de "segredo eterno" para determinados documentos, a lei [11.111] restringe o exercício de um direito que hoje figura como alicerce dos Estados democráticos: o direito à informação, devidamente assegurado pela Constituição".


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