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ONU pede, mas União veta acesso a arquivos
Prazos das Nações Unidas e da Procuradoria Geral da República vencem e governo não abre documentos da ditadura militar
Pedido de acesso a arquivos integra defesa da punição dos violadores de direitos humanos e apoio às famílias que buscam desaparecidos
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Venceram neste mês os prazos das Nações Unidas (dia 2) e
da Procuradoria Geral da República (dia 11) para o Brasil
abrir os arquivos com papéis sigilosos do regime militar
(1964-1985), mas o governo não
atendeu aos pedidos nem respondeu a quem os fez.
Em 2 de novembro de 2005,
o Comitê de Direitos Humanos
da ONU recomendou ao país
"tornar públicos todos os documentos relevantes sobre abusos de direitos humanos", inclusive os "atualmente retidos"
pela legislação específica.
Em 11 de setembro, o procurador-geral, Antonio Fernando
de Souza, expediu ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva citando a posição da ONU.
Reivindicou a "desclassificação" dos documentos produzidos na ditadura militar.
Um papel sigiloso é "classificado" na origem. Os que receberam o carimbo de "ultra-secreto" podem permanecer sem
acesso público para sempre,
conforme a norma legal. O "sigilo eterno" foi introduzido em
2002 pelo então presidente
Fernando Henrique Cardoso
(PSDB). Lula (PT) o manteve.
A Folha apurou que, tanto
para o governo de FHC como
para o de Lula, pressões de
meios militares (menos) e o temor da reação da caserna
(mais) a uma política ofensiva
de liberação de documentos sigilosos são as causas maiores
das restrições em vigor.
A ONU sublinhou em 2005 o
prazo de um ano para o Brasil
"fornecer [...] informações relevantes sobre a [...] implementação das recomendações". Não
obteve resposta.
O prazo do chefe do Ministério Público Federal foi de dois
meses para a apresentação de
"documentos que [...] foram
declarados como sigilosos, em
qualquer grau, mas que interessam aos familiares de mortos e desaparecidos políticos".
A Procuradoria informa que
não recebeu o material nem
mesmo uma resposta ao ofício.
"Manipulação"
O pedido de abertura dos arquivos integra, para a ONU e o
Ministério Público, a defesa da
punição dos violadores de direitos humanos no regime militar e o apoio ao esforço das famílias que buscam os corpos de
desaparecidos.
A ONU lamenta que "não
houve investigações oficiais ou
responsabilização direta pelas
graves violações de direitos humanos da ditadura". E propõe:
"Para combater a impunidade,
o Estado deve considerar outros métodos de responsabilização para crimes contra direitos humanos sob a ditadura".
O procurador pede que a
União pare de apresentar recursos e "qualquer resistência"
a ações judiciais que buscam o
acesso a documentos. A Justiça
decidiu em primeira instância
liberar papéis sobre a Guerrilha
do Araguaia. Talvez permitam
descobrir cadáveres de guerrilheiros. A União recorreu.
O ofício endereçado a Lula
lembra que, segundo a legislação, o presidente tem poder para "desclassificar" papéis ainda
mantidos em sigilo. As autoras
do texto são as procuradoras da
República Eugênia Augusta
Gonzaga Fávero e Lívia Tinocco. Ao enviá-lo à Presidência, o
procurador-geral o assina.
A mensagem condena a política federal sobre o direito à informação. Sustenta que "não
representa avanço na promoção do direito à verdade" a
transferência para o Arquivo
Nacional de documentos em
poder da Agência Brasileira de
Inteligência. O motivo principal é a ausência de arquivos do
Exército. Se houve queima ou
extravio de papéis, como a Força alega, a Procuradoria solicita
o nome dos "responsáveis pelos
atos de destruição".
Sugere a instauração de "procedimento administrativo, não
sigiloso, de reconstituição da
documentação". Um meio seria
convocar militares que "vêm se
portando de maneira a demonstrar que possuem parte
dessa documentação".
"Artimanhas"
Muitas entidades não reconhecem no acervo que o Arquivo Nacional vem recebendo
avanço para conhecer o passado. O Grupo Tortura Nunca
Mais-RJ considera que a Lei
11.111, sancionada por Lula em
2005, contém "artimanhas para a liberação de documentos
tidos como sigilosos; somente
aqueles pouco significativos
para resgatar a história desse
período virão a público".
Para o mesmo grupo, o governo "encena um espetáculo,
mais uma tentativa para manipular a opinião pública".
O movimento Desarquivando o Brasil reúne advogados e
acadêmicos. Diz: "Ao admitir a
possibilidade de "segredo eterno" para determinados documentos, a lei [11.111] restringe o
exercício de um direito que hoje figura como alicerce dos Estados democráticos: o direito à
informação, devidamente assegurado pela Constituição".
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