São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2004

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ELIO GASPARI

O golpe dos seis anos para Lula

É golpista a suave sugestão do senador José Sarney endossada, em tese, por Lula (segundo o ministro Aldo Rebelo) que pretende prorrogar de quatro para seis anos o mandato do presidente da República. Trata-se de uma fórmula astuciosamente vaga destinada a consumo imediato. É golpista, velha e tão imoral quanto a reeleição comprada por FFHH.
É golpista na ida e na volta. Na ida porque joga para 2008 a sucessão de Lula, dando-lhe dois anos de mandato sem o voto do povo. Na volta porque cassa (ou troca) o direito de Lula de disputar um novo mandato de quatro anos. Se o governo é ruim, Lula deve ser mandado para casa, pelos eleitores, em 2006. Se é bom, deve ser reeleito para governar até 2010. Isso foi o que se combinou em 2002 com a patuléia. Se Sarney, Lula ou o Bei de Tunis acham que o Brasil precisa de um presidente com seis anos de mandato, podem votar essa emenda constitucional, desde que ela não valha para o atual governante. Se FFHH tivesse feito isso, a praga da reeleição teria outra cara.
Em 1994 o mandato presidencial era de cinco anos. Quatro meses antes da eleição, quando Lula tinha 41% das preferências nas pesquisas, e FFHH, 19%, o Congresso encolheu o mandato para quatro anos. Quando a plutocracia receia um candidato, o período presidencial encurta. Quando o ama, prorroga-o. Em 1996 deu-se a FFHH o direito à reeleição.
Já houve presidente brasileiro com seis anos de mandato. Faltou sorte à experiência. Ela beneficiou o general João Figueiredo, um cardiopata abatido por um enfarte em 1982 que cumpriu a segunda metade do seu tempo de governo em estado de para-excentricidade. Sarney certamente se lembra de suas inconveniências. Figueiredo preferiu sair pela porta dos fundos do palácio a entregar-lhe a faixa presidencial.
A idéia da prorrogação é tão séria quanto uma proposta de redução do preço do bife com batata frita enquanto os interessados almoçam. Salvo os generais Eurico Dutra e Ernesto Geisel, todos os presidentes tiveram áulicos à sua volta sugerindo reeleições, prorrogações e outras bruxarias destinadas a manter no governo quem no governo está. De todos, com grande prejuízo para as instituições nacionais, só Castello Branco e FFHH prevaleceram.
Foram três os presidentes depostos na segunda metade do século passado. Todos os três, em algum momento, namoraram mecanismos excêntricos de permanência no poder: Getulio Vargas, João Goulart e, em ponto menor, Fernando Collor.
O custo mínimo desse cambalacho é a transformação do governo numa corretora de votos para aprovar a emenda constitucional do benefício.

O sindicalista do fraque foi de bermuda

Fino personagem o Paulinho, presidente da Força Sindical. Na quarta-feira, depois de uma marcha, foi de bermuda ao Palácio do Planalto para uma audiência com o presidente da República. Visto com o olhar dos excluídos do Bolsa-Roupa, desafiou as convenções hegemônicas do vestir dos poderosos.
Palhaçada. Na hora de formalizar sua própria indumentária, o poderoso Paulo Pereira da Silva casou-se em janeiro de 2000 vestindo fraque, colarinho engomado e plastron de seda, combinando com o colete e o lenço. Saiu até na revista "Caras".

A Viúva financiará o terceiro pólo naval

Lula decidiu botar dinheiro da Viúva no financiamento de um pólo de construção naval no Rio de Janeiro. Deverá produzir 42 navios, negócio de uns US$ 3 bilhões.
Talvez Lula não saiba, mas desde 1945, quando ele nasceu, a geração de brasileiros à qual pertence já financiou outros dois pólos de construção naval. Todos no mesmo lugar, com o mesmo objetivo. Terminaram em catástrofes, custeadas pela Viúva.
O pai do primeiro pólo naval foi JK, nos anos 50. Explodiu na década seguinte. O segundo veio durante a ditadura e estourou nos anos 80. Juntos, podem ter custado à Senhora uns US$ 2 bilhões. Em 1980 o espeto ia a US$ 1,5 bilhão.
Um dos seus grandes financiadores privados foi o Banco Bozano Simonsen. Tomou um calote de US$ 100 milhões e conseguiu uma proeza típica da formação bruta (põe bruta nisso) de capital em Pindorama. Migrou do nacional-desenvolvimentismo estatista para o liberal estagnacionismo privatista. Reciclou o mico, transformou-o em moeda boa para a ekipekonômica, juntou-o a outros miquinhos e comprou três siderúrgicas estatais, entre elas a Usiminas.
Nenhuma outra geração, em lugar algum, financiou três pólos navais.

Rombo cultural

Com o Banco Santos quebrado, Edemar Cid Ferreira anuncia que fechará a Brazil Connects.
Pena. Desde que se acabaram as pessoas físicas de Ciccillo Matarazzo e Assis Chateaubriand, nenhuma pessoa jurídica agrupou tantos êxitos como essa usina de agitação cultural.
Ela patrocinou a grande exposição dos 500 anos do descobrimento (15 mil obras) e a mostra dos guerreiros chineses. Atraiu algo como 3 milhões de visitantes ao parque Ibirapuera. E levou o altar dourado dos beneditinos de Olinda para Nova York.

Números

O economista Márcio Pochmann avisa, pela enésima vez:
Cada R$ 1 atribuído pelo governo ao aumento do salário mínimo custa à Viúva R$ 185 milhões e injeta na economia outros R$ 500 milhões.
Cada ponto percentual de aumento do salário mínimo eleva em 0,8% a renda média dos brasileiros ocupados.
Para quem acha que salário mínimo é coisa de pobre, Pochmann informa:
Entre 1996 e 2003 geraram-se 17,5 milhões de empregos. Na faixa dos brasileiros empregados com salários superiores a três salários mínimos, desapareceram 6,3 milhões de postos de trabalho. (Com uma ressalva: muita gente foi demitida e reempregada como autônomo)

75 x Fidel

As lâmpadas formando a dezena 75 que os diplomatas americanos puseram na decoração natalina de seu escritório em Havana estão lá para criar um caso. Mesmo levando-se em conta que o caso, seja qual for, foi criado por Fidel Castro quando prendeu 75 pessoas por delitos de opinião, é esquisito que o desafio surja na hora em que Fidel soltou 14 deles.
Os americanos sabem que Fidel usa seus presos como uma espécie de reserva monetária. Desde 1961, quando trocou por dinheiro e remédios mais de mil invasores da ilha capturados na Playa Giron, ele prende quando quer e solta quando precisa. Em 1978, Fidel negociou pessoalmente uma aproximação com o governo americano libertando 3.600 prisioneiros.
Pelo cheiro da brilhantina, os americanos perceberam que Castro está perto de obter um significativo apoio da comunidade européia contra o bloqueio dos EUA. Uma missão da comunidade visitou a ilha e sugeriu um abrandamento da política em relação a Havana. A proposta será apreciada pelos chanceleres europeus em janeiro.
Numa hora dessas, nada melhor que obrigar o velho tirano a se comportar como tirano velho.

Flagelo de cima

Lula faz o possível para melhorar a auto-estima dos nativos, mas não consegue apoio nem no seu ministério.
Outro dia o chanceler Celso Amorim louvou sua gestão no Itamaraty e esclareceu: "Como nós temos esse hábito da autoflagelação, achamos que o Mercosul vai terminar".
Falar mal dos brasileiros é hábito antigo de uma turma que gosta de se autoflagelar.

Jantarzinho

O governador mineiro Aécio Neves já se reuniu com grandes empresários paulistas.
Grandes empresários paulistas é o nome que se dá ao pedaço da plutocracia nacional que passa anos conversando com os candidatos à Presidência da República e, na reta final, apóia o vencedor.

Tucanos malvados

O tucanato do governador Geraldo Alckmin vai para uma briga com o PT da cidade de São Paulo.
Por unanimidade, o Conselho Estadual de Educação mandou ao arquivo os pedidos da prefeitura para que se abrissem (a sua custa) duas Faculdades de Saúde Pública e de Gestão de Saúde em Cidade Tiradentes, um dos maiores aglomerados da periferia paulistana.
O Conselho sustenta que a prefeitura deveria dar prioridade aos ensinos infantil e fundamental.
Tudo bem. A administração petista informa que abriu 200 mil vagas na rede municipal e 40 mil nas creches. A educação consumiu 33% do Orçamento municipal em 2003.
As duas faculdades de saúde da periferia não custaram aos cofres do doutor Alckmin uma só revistinha de palavras cruzadas. A despesa foi do MEC (R$ 6,5 milhões) e da prefeitura (R$ 1,3 milhão). O prédio está pronto e poderia receber 160 alunos já em março. Outra iniciativa, que não depende do conselho estadual, abrirá 640 vagas para estudantes de cursos técnicos.
Cidade Tiradentes é um daqueles pedaços do andar de baixo onde cerca de 250 mil pessoas vivem com renda média inferior a R$ 1.200 (para os moradores dos conjuntos habitacionais) ou abaixo de R$ 500 (para a turma dos loteamentos e das favelas). Por incrível que pareça, são brasileiros a quem se deve dar a oportunidade do ensino superior.
Por falar em loteamentos, o doutor Alckmin poderia dar uma olhada no massacre que sua burocracia impõe à regularização de lotes urbanos em Diadema (356 mil almas). A prefeitura petista da cidade informa que, nos últimos três anos, de 27 pedidos para regularizar antigos loteamentos ocupados por trabalhadores de baixa renda, só 2 foram deferidos. De cada dois domicílios de Diadema, um não tem documentação.

Papai Noel existe

A ekipekonômica não é mais a mesma. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, anunciou que o governo planeja o Orçamento de olho numa mudança da contabilidade do FMI. Alguns investimentos de infra-estrutura que hoje o fundo considera como dívidas passariam a ser o que sempre foram: investimentos. A mudança pode render uma folga de US$ 1,4 bilhão.
Logo o doutor Levy, que há pouco mais de um ano classificava esse assunto como um "não debate", coisa de tapuias que acreditam em Papai Noel.
Se a ekipenômica tivesse começado a apertar o FMI durante o tucanato, é possível que a mudança já tivesse acontecido.
Uma coisa é certa: se a inquietação de Lula não tivesse mostrado o maçarico aos çábios, é provável que o doutor Levy continuasse a achar que estava diante de um "não debate".


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