São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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ELIO GASPARI

De Teixeira Coelho@gov para Lula@org


Majestade, sem a CPMF, vossos maus ministros estão agindo como os vorazes reinóis de Lisboa


SENHOR,
Sou José João Teixeira Coelho, vosso humilde vassalo, nascido em Portugal no ano de 1731, durante o reinado de d. João 5º. Cuidei da arrecadação dos tributos do ouro nas Minas Gerais por mais de uma década. Coube-me administrar a primeira crise fiscal da terra. Quando cheguei a Vila Rica, os mineiros haviam deixado de cumprir a obrigação de remeter anualmente 1,5 tonelada de ouro ao nosso rei. Acabo de receber um exemplar da "Instrução para o governo da Capitania de Minas Gerais", que escrevi e deixei em Lisboa, na esperança de que o lessem. O Tancredo Neves, a quem encontro nas procissões da Irmandade de São Francisco, disse-me que o neto dele acabou de reeditá-las. Temo que pouca atenção mereçam. Há mais de dois séculos recomendo aos titulares do cargos que deixem memórias que sirvam de orientação para seus sucessores. Perdi meu tempo.
Tenho acompanhado a ansiedade de vossos ministros com a perda da arrecadação de 835 toneladas de ouro anuais, resultante do fim da CPMF. Digo-lhe que não faz mérito a um monarca querer prorrogar o provisório. Em 1756, o marquês de Pombal baixou um imposto "voluntário" para a reconstrução de Lisboa destruída pelo terremoto. Deveria durar dez anos. Passou o tempo, e prorrogaram-no por mais dez. Entrou para a história dos desmandos.
Quando as minas não conseguiam remeter ouro suficiente para o rei, inventavam-se manhas fiscais e bodes expiatórios. Opus-me a tudo. O problema não estava no extravio, muito menos na estrutura da arrecadação. Estava no mau governo. Tínhamos que reorientar a indústria e a economia. Imagine que desmontavam morros, soterrando riquíssimos veios. Cobravam aos vendeiros impostos devidos pelos mineradores. Expliquei isso nas "instrução". O ouro acabou e, como nada fizeram, pouco restou.
Majestade, com a perda da CPMF, vossos ministros estão agindo como os parasitas de Lisboa. Fazem chegar suas imposturas à vossa real presença, ora culpando os senadores, ora ameaçando a população com novas formas de tributo. Falam como reinóis vorazes numa próspera colônia. Falta-lhes a retidão natural com as determinações reais e os interesses do Estado. Proteja-se.
Quero terminar apresentando-lhe um cálculo singelo que poderá ajudá-lo a refletir sobre o fardo tributário que os brasileiros carregam. Entre 1736 e 1750, a Coroa taxava em até quatro oitavas e 3/4 de ouro cada escravo da capitania. Convertendo isso para vossa moeda, na presente cotação do metal, resulta uma carga de R$ 820 anuais. Pois acredite que vossos ministros taxam o trabalho de um brasileiro que ganha o salário mínimo em pelo menos R$ 1.800 anuais. São quase dez oitavas. (No padrão dos franceses, valem 36 gramas, o peso de uma pulseira desses relógios Rolex que há por aí.)
Fico a vosso serviço. Saiba que, por cá, o senhor tem na Chica da Silva uma grande defensora. Tendo trocado o gemido da senzala pela fidalguia do salão, pede que o cumprimente e manda "o poder do seu amor" para Noel Rosa de Oliveira e Anescarzinho, que levaram sua história para a avenida; para Cacá Diegues, que a botou no cinema e para a professora Junia Ferreira Furtado, autora de "Chica da Silva e o contratador de diamantes", que contou sua vida em livro.
Subscrevo-me, humilde servidor,
J. J. Teixeira Coelho


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