São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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JANIO DE FREITAS

A oportunidade

Os sinais estão todos aí. Dentro do governo e fora dele, no país. Mas não sei se mais dentro ou mais fora, tantos e tão embaralhados são uns e outros. O que ajuda a explicar essa constatação-quase-lamentação: nunca vi, tenho certeza de que nunca vi, um governo que me parecesse mais difícil de entender. Ou impossível.
Os sinais de governo desnorteado são cabais, diários e incessantes. Estão nas reuniões palacianas que nada resolvem, nas divergências internas que não se solucionam, na inutilidade dos ministérios a que são negadas suas verbas vitais, na inexistência de programa, na incompatibilidade total entre o que o governo é e o que Lula diz. Na fermentação social que se acelera, na continuada vulnerabilidade do país ao mero palpite de um banco de especulação estrangeira, no desalento dos setores produtivos e comerciais.
O que pretende o núcleo de petistas que assumiu o poder? Não sei e não sei de quem saiba.
Seria apenas fazer transações políticas, a maioria delas no nível de politicagem fisiológica, a ponto de não se saber mais se o governo é petista ou do PMDB? E pagar juros até que os cofres dos que ganham não agüentem mais tanto lucro? Ou os cofres públicos do país não tenham mais com que pagar? Se não for isso, que isso é tudo ao se completar um terço do mandato, não sei de quem possa dizer, de modo convincente, que outros propósitos têm, de fato, os que fazem a cara e a alma do governo. Ou do não-governo.
A incompetência explica parte do caráter deletério do governo Fernando Henrique, que não soube sair da armadilha implícita em sua política econômica. A outra parte se explica pelo elitismo do próprio Fernando Henrique, bastante para determinar a natureza do seu governo. E o governo Lula? A incompetência para sair da mesma armadilha é, no mínimo, idêntica à do antecessor. Mas a incompetência nunca é tudo, porque não nega a possibilidade de procura além de si mesma. Então se cai outra vez na dificuldade de compreender o que é, como é, por que é o governo Lula. E por que não é um governo.
Ouvi há poucos dias: "O governo Lula acabou antes de começar". Se não acabou, mesmo, foi só por não ter feito o indispensável para acabar: começar. Incompreensível, ainda mais se pensarmos na oportunidade que se esvai, entre as mãos de pessoas que não sei o que pretendem.


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