São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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Lavrador diz ter visto o enterro de 12 guerrilheiros em base no Araguaia

De acordo com ex-preso, corpos foram sepultados por militares em vala comum em antiga base aérea

Lavrador conta que, após a área ter sido desmatada, não tem mais referência de onde ficava a cova coletiva; terra hoje é de uma fazenda

Rafael Andrade/Folha Imagem
O lavrador José Rodrigues da Silva (à frente) com José Nazário, em São Geraldo do Araguaia


SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A XAMBIOÁ (TO)

Preso pelo Exército durante a campanha de combate à guerrilha do PC do B na região do Araguaia, nos anos 70, o lavrador José Rodrigues da Silva, 70, conta ter visto militares enterrarem em uma vala comum, em Xambioá (norte do Tocantins), os corpos de 12 guerrilheiros até hoje desaparecidos.
A informação é inédita. Localizado pela Folha na cidade paraense de São Geraldo do Araguaia, separada de Xambioá pelo rio Tocantins, Baiano, como é conhecido, disse que os cadáveres foram sepultados na antiga base aérea, em buraco aberto em meio à floresta entre a margem direita do rio e a pista de pouso então usada por aviões militares.
Os enterros não foram simultâneos. Aconteceram ao longo dos 15 dias, possivelmente em 1974, em que Baiano -acusado de ser amigo e de mensageiro dos guerrilheiros- permaneceu amarrado a um tronco. A área, relembra o lavrador, era um "cocalão fechado, frio". No linguajar do Araguaia (região que abrange terras no sudeste do Pará, norte do Tocantins e sul do Maranhão), cocalão é um aglomerado de coqueiros, nascidos de modo natural na selva amazônica, então abundante.
Tempos depois do fim do que ele chama de "guerra", a floresta foi devastada -"tratorizaram", disse. A Folha esteve na segunda-feira passada no município de Xambioá, no local indicado pelo lavrador.
Não há mais mata no terreno de 300 metros de largura por cerca de 1.000 metros de comprimento, entre a esburacada pista e o Tocantins. Passados 35 anos, também não há ali vestígios da ação militar. As terras pertencem hoje a uma fazenda. A vegetação é rasteira, arbustiva. Serve como pasto.
Baiano conta que, com o desmatamento, perdeu a referência dos pontos onde ficaram a árvore em que esteve preso e a cova coletiva.
"E a derrota tá é aí, porque eu não dou conta mais. Mas se eu tivesse uma coisa recente, de menos de dois anos, eu dava conta de mostrar tudo direitinho", afirmou Baiano.
Ele reivindica da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça indenização pelas quatro prisões sofridas e pela destruição a granadas dos seis alqueires de bananais que plantava em terras vizinhas às ocupadas pelos guerrilheiros. Os militares destruíam plantações para que os fugitivos não tivessem com que se alimentar.

Enterros
Baiano disse que do tronco avistava os enterros clandestinos. Algumas vezes, os militares o soltavam para observar o corpo. "Quinze dias passei amarrado no coqueiro. Só me desamarravam quando chegava um morto. No dia em que o finado Paulo Rodrigues chegou lá, eles me chamaram, me desamarraram (...): "De onde você conhece esse aqui?" Eu disse, "eu não conheço não". "Porra, tu mora aqui e não conhece ninguém?" Eu conhecia eles, conhecia eles tudinho (sic)."
Desaparecido em dezembro de 1973, Paulo Mendes Rodrigues era um dos chefes da guerrilha. Devido ao mesmo sobrenome, Baiano disse que os militares falavam que eram irmãos.
""Ah, meu amigo, você é irmão do Paulo". "De que Paulo, meu amigo? Paulo era meu pai, eu não tenho irmão de nome Paulo, não". "Você é irmão do Paulo, você vai dar conta dele". "Eu digo, tá ruim". Porque o Paulo era doutor, até analfabeto eu sou. Quem sou eu para ser irmão de um doutor", rememora Baiano um diálogo mantido à época com interrogadores.
Depois de Paulo, chegaram mais 11 corpos, segundo o relato. "Quando chegava um morto, eles iam lá e enterravam, aí deixavam. Quando chegava outro, eles faziam tipo uma camada. Sei que ficaram 12."
Dos 12, ele afirma ter reconhecido cinco: Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa), Paulo Rodrigues, Vítor (José Toledo de Oliveira), Zé Francisco (Francisco Manoel Chaves) e Antônio (Antônio Carlos Monteiro Teixeira).


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