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JANIO DE FREITAS
Feliz aniversário
Na semana seguinte haveria uma concorrência de US$ 2,5 bilhões e nós já sabíamos os futuros ganhadores
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AINDA que pareça, não é
coincidência. É o final
feliz, embora não para
todos, construído pelo longo
percurso que levou José Reinaldo Tavares a ministro, a
parlamentar, a governador e,
nesta semana, à cadeia. Na
ocasião mesma em que faz
exatos 20 anos, completados
no dia 13, o maior dos escândalos provocados pela corrupção em licitações públicas: o da concorrência de
US$ 2,5 bilhões, que a Folha
comprovava ser fraudulenta,
para construção da ferrovia
Norte-Sul (ou Maranhão-Brasília) sob a responsabilidade de José Reinaldo Tavares, ministro dos Transportes no governo Sarney.
Concorrências e obras públicas sempre foram cenários de fraudes e alta corrupção, com duas barragens
protetoras. Uma, a dificuldade de comprovação, na hipótese (nunca mais do que hipótese) de que um político
se dispusesse à denúncia;
outra, as variadas ligações
das grandes empreiteiras
com os meios de comunicação. Ao valor inicial fabuloso, porém, o projeto da Norte-Sul acrescentou a novidade de um esquema complexo
para sua implantação.
Uma subsidiária obscura
da então estatal Vale do Rio
Doce, chamada Valec, foi
reativada e deslocada para a
órbita do Ministério dos
Transportes, com o encargo
de fazer as operações relativas à Norte-Sul. A longa extensão da ferrovia foi dividida em 18 setores de construção, cada um deles a ser atribuído a uma empreiteira. A
licitação equivalia, portanto,
a 18 concorrências. Ou à
complicada acomodação dos
interesses de 18 grandes empreiteiras, na divisão de lotes com tarefas e valores diferentes, e ainda, no outro
lado, os interesses dos que
criaram o projeto, geriam a
concorrência e conduziriam
a obra.
Ainda assim, no dia 7 de
maio pude telefonar da redação carioca da Folha para a
sede paulista, com um assunto importante. Já diretor
de redação, Otavio Frias Filho estava no exterior, falei
com Octavio Frias de Oliveira: na semana seguinte haveria uma concorrência de
US$ 2,5 bilhões (ele estava a
par) e nós já sabíamos os futuros ganhadores, mas o
problema era a comprovação do conhecimento antecipado, que desnudaria a
concorrência como farsa e
demonstraria a fraude e a
corrupção. "Já sabemos?"
-era mais um desejo irônico
de confirmação do que espanto. Sabemos, e a idéia seria publicar disfarçadamente o resultado em alguma
parte do próprio jornal.
Não ouvi mais do que uma
breve resposta com o sentido indireto de assentimento.
Nenhuma advertência, nenhum sinal de apreensão.
Não creio que alguém, em
qualquer tempo do jornalismo brasileiro até então, pudesse imaginar uma atitude
assim, tão objetivamente livre, tão puramente jornalística, de um empresário de
imprensa diante de um assunto sempre imaculado por
força dos seus muitos perigos. De minha parte, todos
os minutos daqueles dias foram de tensão pura, mas
com a certeza de que já encontrara naquele telefonema o momento culminante,
para mim, de todo o episódio
jornalístico da concorrência.
Com o aspecto de comunicado referente a sorteio ou
algo assim, e sob o título
"Lotes", montei um anúncio,
posto entre os classificados,
combinando letras que identificassem cada empreiteira
e, ao lado de cada uma, o número do setor que lhe caberia como "vencedora" na disputa das propostas técnicas
e de preço. Presença já secular nos jornais, os classificados enfim tornavam-se parte do jornalismo: à noite do
dia 12 a Valec divulgava o resultado da concorrência e,
na manhã seguinte, a Folha
reproduzia o anúncio publicado cinco dias antes. A relação oficial dos "vencedores"
da disputa era exatamente
igual ao antecipado pelo
anúncio.
O escândalo foi imediato.
No governo sucederam-se
reuniões. José Reinaldo Tavares comunicou um processo contra mim na Lei de
Segurança Nacional. Dissuadido por Saulo Ramos, consultor-geral da República,
transferiu a Romeu Tuma,
diretor da Polícia Federal, a
instauração de inquérito policial para me incriminar pela afirmação, no texto do dia
13, da ocorrência de fraude e
corrupção, que não estariam
provadas. Poucos dias depois, em sua reportagem de
capa, "Veja" explicava serem
necessários uns 10 milhões
de anúncios, considerando-se o alto número de concorrentes e de setores em disputa, para acertar o resultado com a precisão exibida.
O procurador da República designado para me interrogar com a PF, e participar
da investigação, mostrou-se
mais hostil e determinado a
me incriminar do que o delegado incumbido do inquérito. Mas, no relatório final,
chegou à conclusão da existência de motivos para processo criminal, sim, mas
contra os responsáveis e
operadores da concorrência,
os do lado governamental
como os das empreiteiras.
Meses de manobras, para esfriar o assunto até o esquecimento, encerraram-se pelo
arquivamento do inquérito e
da recomendação do procurador.
A anulação da concorrência não impediu José Reinaldo Tavares de seguir sua carreira e sua vocação autêntica, até ser preso, agora, sob
acusação de relações corruptas com uma empreiteira,
quando governador do Maranhão (até cinco meses
atrás). As grades da carceragem da Polícia Federal em
Brasília o impediram de
também estar na inauguração, feita anteontem por Lula, de um trecho da Norte-Sul. Mas, para celebrar ao
menos os fatos que gerou, e
que me permitiram provar a
corrupção em concorrências
de obras públicas, mandei-lhe na cadeia um cartão de
cumprimentos. Acompanhado de um bolo com as velinhas de 20 anos.
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