São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2008

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JANIO DE FREITAS

Anistia para o impasse


Tudo no rescaldo da ditadura tem sido tratado mal nos 23 anos desde seu fim cabisbaixo, mas relutante

A IMPUNIDADE dos crimes de tortura, assassinatos e desaparecimentos cometidos pela repressão, durante a ditadura, está de volta à ordem do dia, com o acréscimo, afinal, de uma retardada contribuição oficial. Qual seja, o questionamento ao alcance da Lei de Anistia, feito pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, que o considera restrito a transgressões de sentido político, pois que se trata de lei política, e portanto insuficiente para acobertar atos não-políticos como as violências repressoras. Mas o retorno ao tema só terá conveniência real se ultrapassar as contraposições verbais e, afinal, buscar uma das possíveis soluções objetivas.
O lado militar, que só em seus níveis mais antigos da ativa ou já na reserva se envolve no assunto, tem uma nova indagação a responder. Porta-vozes habituais de parte significativa dessa oficialidade rebateram Tarso Genro, e aos processos em curso contra acusados de repressão criminosa, com o argumento tradicional de que a anistia foi para os dois lados. E, a haver julgamento ou punição para um lado, teria de haver para o outro.
O argumento é considerável, sem dúvida, mas não escapa de duas observações. Até parece, nesse repetitivo "então tem que haver para o outro lado também", que os termos da Lei de Anistia não foram escolhidos pelo próprio regime militar, que atenderam a pedidos dos vitimados e opositores em geral do regime. A lei foi adotada pelos condutores do regime para proteger o futuro daqueles que o instauraram e o mantiveram, o que foi feito ao preço de anulação das diferentes represálias a opositores.
Mas a generalização do sentido e do alcance da Lei da Anistia ficou deixada à conveniência interpretativa dos interessados, assim como, de outra parte, sua incapacidade de assegurar impunidade a autores de crimes contra a vida. Os impositores da lei não lhe deram tais explicitudes. Esta, porém, é a questão essencial do impasse que já vai entrar em um quarto de século.
Uma solução para a controvérsia emperrada é oferecida pelo próprio regime constitucional e democrático que incorporou a Lei da Anistia. Em benefício tanto da parte que quer proteger os comprometidos com a repressão, como da parte que reclama justiça, o necessário é a definição, com plenos poderes, do sentido e do alcance que a Lei de Anistia tem de direito e de fato. Tarefa para a qual o regime dispõe do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Ministério Público.
A resposta que o enfrentamento objetivo do impasse cobra ao lado militar é simples: é a sua aceitação à palavra decisória da instituição que pode dá-la em tais casos. O outro lado sabe-se que a deseja e acata.
Tudo no rescaldo da ditadura tem sido tratado mal nos 23 anos desde seu fim cabisbaixo, mas relutante. Também outra vez em evidência, as indenizações cometem, com as maiores vítimas pessoais e familiares da repressão, injustiças só explicáveis pela formulação incompetente ou irresponsável da legislação específica. E indenizam por "danos causados pela ditadura" quem ganhou muito dinheiro do governo Médici, criando cartazes e personagens publicitárias para a Caixa Econômica Federal, Instituto Brasileiro do Café e outros ótimos pagadores de cartunista "de esquerda".
Já é tempo de entregar os impasses e algumas das injustiças à decisão do tribunais.


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