São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 2002

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Espelho, ESPELHO MEU


Presidenciáveis transformam auto-elogio em arma para atacar os adversários na campanha


ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu me amo, eu me amo/ Não posso mais viver sem mim." O rock do Ultraje a Rigor, sucesso na década de 80, não trairia a irreverência da banda se ressuscitasse hoje como jingle dos quatro principais candidatos à sucessão de Fernando Henrique Cardoso.
Seguindo velho hábito das campanhas eleitorais, Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes, José Serra e Anthony Garotinho costumam tecer auto-elogios quando se pronunciam publicamente. Fazem-no cada um à sua moda e com intensidades distintas. Todos, porém, parecem querer o mesmo: desqualificar os adversários.
Enquanto destacam as próprias virtudes, estão, por tabela, atribuindo falhas à candidatura alheia. Apregoam ter de sobra aquilo que, deduz-se, os concorrentes não têm. É um ataque disfarçado -e, em consequência, mais palatável. Na busca por votos, louvar-se significa desmerecer o outro sem o ônus de soar agressivo.
Com a finalidade de mapear os egos em disputa, a Folha analisou o debate que a Rede Bandeirantes promoveu entre os presidenciáveis há duas semanas. Também assistiu às entrevistas de 20 minutos que eles deram, isoladamente, para o "Jornal da Globo" (Ciro no dia 5 de agosto, Lula no dia 6, Serra no dia 7 e Garotinho no dia 8).
Selecionou, então, os momentos em que os candidatos falaram bem de si mesmos e, depois, produziu um ranking. Por falar bem, entenda-se exaltar realizações positivas ou características pessoais.
Resultado da garimpagem: Garotinho é quem mais se ama. O representante do PSB protagonizou, durante o debate e a entrevista, um total de 29 intervenções narcisísticas. Ciro e Serra dividem o segundo lugar, com 21 intervenções cada. Lula, o terceiro colocado, somou 9.
De feição geralmente populista, os auto-elogios de Garotinho referem-se sobretudo à época em que governou o Rio. Dezoito das 29 menções egocêntricas festejam o desempenho do presidenciável no comando do Estado que lhe serve de base eleitoral. O candidato não apenas aponta conquistas em diferentes áreas da vida fluminense (educação, segurança, indústria naval) como tenta transmitir a idéia de que ninguém, senão ele, as poderia alcançar.
Alardeia fé religiosa e, para se definir, emprega adjetivos comuns às narrativas cristãs. Diz-se puro, humilde, de mãos limpas, por não firmar "alianças espúrias" nem contar com recursos financeiros expressivos em sua campanha. Usa, volta e meia, o plural de modéstia: "Nós entendemos de comércio exterior".
Já as manifestações de Ciro Gomes procuram, indiretamente, contestar defeitos que os adversários lhe impingem. Assim, quando o presidenciável do PPS afirma "suportar insultos" e cultivar "profunda vocação democrática", está refutando os que o classificam de explosivo e autoritário. Para negar comparações com Fernando Collor, ressalta não ser "nenhum aventureiro".
Outra tecla em que bate insistentemente: a da sinceridade. Aqui, elege por alvo aqueles que o tacham de mentiroso. "Sirvo à verdade", vangloria-se. Ou, ainda: "Não há precedente de incoerência na minha trajetória".
Existem incoerências, entretanto, em certas intervenções do candidato. O Ciro que, na TV, rejeita o rótulo de "salvador da Pátria" é o mesmo que adota tom messiânico ao explicar como virou ministro da Fazenda. "Chamaram-me às pressas, numa emergência, porque o Plano Real corria o risco de acabar. Tive, então, de deixar o governo do Ceará."
Trocando em miúdos: agiu à maneira de um redentor, que aceita sacrificar-se para cumprir missão maior.
Os auto-elogios de José Serra percorrem dois caminhos aparentemente paradoxais. De um lado, o tucano reforça a faceta intelectualizada e elitista. Apresenta-se, por exemplo, como professor de economia e exímio ministro da Saúde.
Em contrapartida, almeja identificar-se com as camadas mais simples da população. "Vim de baixo", proclama, heróico. "Meu pai vendia frutas. Estudei em escola pública e subi na vida graças à sorte e ao trabalho. Sempre trabalhei bastante." A passagem por escolas públicas, aliás, tornou-se troféu que Ciro e Garotinho também gostam de erguer.
Quando enfatiza que já lecionou economia e que sempre trabalhou, o tucano lança farpas veladas contra Lula. O candidato do PT, líder nas pesquisas de intenção de voto, não completou o primeiro grau e, frequentemente, sofre acusações de que trabalha pouco.
A inexperiência administrativa do petista é outro ponto que os concorrentes fustigam. Tanto Serra quanto Ciro e Garotinho repetem à exaustão os cargos que ocuparam no Executivo - clara artimanha para atingir o ex-metalúrgico. Lula responde alegando possuir grandeza de caráter e compromisso com o povo. Ambos os dotes, argumenta, valem mais que qualquer currículo.
Ele enaltece, ainda, as próprias habilidades de negociador, forjadas nos tempos de sindicalismo, e avisa: é o único presidenciável capaz de estabelecer um novo pacto social entre os brasileiros.
Elogia-se menos porque também ataca menos. Moderado, evasivo, evita toda sorte de atritos e prefere calar-se. Aposta na eloquência do silêncio.


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