São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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BRASIL PROFUNDO

Comissão quer mais agilidade do governo na apuração dos casos
Pastoral cobra ação contra o trabalho escravo no país

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O grande número de denúncias relativas à utilização de trabalhadores em situação análoga à escravidão em fazendas, principalmente no Pará, levou a CPT (Comissão Pastoral da Terra) a pedir ao governo mais agilidade na apuração dos casos e também um aumento da fiscalização.
Com base nas denúncias recebidas, a comissão estima que existam cerca de 3.200 trabalhadores nessa situação só em áreas do Pará. O número de fazendas denunciadas no Estado sob a acusação de utilizar trabalho escravo passou de 24, em 2001, para 80 neste ano (até o início de outubro).
"Esse número é assustador, pois ainda não terminou o ano, e é possível que fique até três vezes maior do que em 2001", disse Frei Xavier, coordenador da CPT.
Para ele, os mecanismos implementados pelo governo federal para o combate ao trabalho escravo, como o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, não têm sido suficientes para atender a todas as denúncias. "O Grupo Especial de Fiscalização Móvel aumentou o número de resgate de trabalhadores escravos, mas está longe de atender a quantidade de fazendas que precisam ser fiscalizadas."
O Ministério do Trabalho reconhece que as denúncias aumentaram, mas diz que está investindo na melhoria da estrutura do grupo especial (leia nesta página).
Para Xavier, há regiões no Amazonas, Pará e Mato Grosso que nunca foram fiscalizadas. A CPT estima que haja 15 mil trabalhadores em situação análoga à escravidão na Amazônia, por exemplo. No Brasil, o Pará é o Estado com maior incidência de trabalho escravo, seguido de Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Xavier disse que a CPT já havia alertado o governo sobre uma possível explosão do número de denúncias, mas que o governo não agiu. Para ele, a crise econômica, aliada à paralisação da reforma agrária e à falta de fiscalização, são fatores que levam a esperar um crescimento dos casos.
Para Xavier, a impunidade é outro fator que estimula os fazendeiros a utilizar essa mão-de-obra. Segundo dados do Ministério do Trabalho, de 1995 a 2002 (até setembro), 4.581 trabalhadores foram libertados, porém apenas 26 pessoas foram presas em flagrante e três, condenadas.
Caracterizam a situação análoga à escravidão casos em que há coerção moral ou física, cerceamento da liberdade, presença de pessoas armadas no ambiente de trabalho, não-recebimento de salário e ciclo de dívidas dos trabalhadores com patrões, ou seja, são obrigados a comprar produtos (como alimentos e material de higiene) no local de trabalho.

Legislação
Não há caracterização específica na lei para quem emprega trabalhadores nessa situação. Os acusados são enquadrados em outros tipos de crime, como privar de liberdade mediante sequestro (reclusão de dois a oito anos) ou aliciamento de trabalhadores (detenção de um a três anos e multa).
A CPT considera que somente a fiscalização não basta para combater o trabalho escravo e é a favor de medidas sociais para auxiliar os trabalhadores, além de defender punição mais rígida para os empregadores.
A comissão apóia algumas propostas defendidas pelo Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, como a expropriação de fazendas que tenham trabalhadores escravos, além da criação de um seguro-desemprego e qualificação profissional para trabalhadores resgatados do trabalho escravo. (SANDRO LIMA)


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