São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Os efeitos do sucesso

O grande sucesso da semana não teve sucesso, mas gerou até imprevisíveis efeitos de ordem comercial, bem além do seu propósito eleitoral e da confusa discussão que provocou.
Embora aliados e aliadas de José Serra publicassem que sondagens indicavam melhoria da sua posição, sugerindo eficácia da representação ideológica de Regina Duarte, o estado-maior do candidato captava uma certeza cruel. A sonoridade provocada pela atriz foi a esperada, desde a primeira entrada na segunda-feira, mas com os sinais inesperados. Na expectativa de que os efeitos pretendidos viessem pela insistência, a representação foi repetida na terça-feira e, já com relutância, ainda na quarta. Nesse dia, a sondagem de repercussão sentenciou: Regina Duarte tinha que ser retirada. Já o programa de quinta-feira foi modificado.
Era tarde, a julgar pelo ocorrido em cinco dias, de segunda a sexta, dos quais três com Regina Duarte: nos votos em geral, a distância entre José Serra e Lula da Silva subiu de 26 para 29 pontos, com o primeiro repetindo os 32 pontos da semana anterior e o petista passando de 58 para 61. Nos votos válidos, distância aumentada em de 28 para 32 pontos, com Lula subindo de 64 para 66 e Serra caindo de 36 para 34. Tudo isso na aferição do Datafolha concluído na sexta.
Não foi só. Alheio à campanha de Serra, outro estado-maior passava por efeitos dramáticos criados pela atriz. Não o comando da campanha de Lula, está visto por quê, mas o da Telemar, a telefônica que opera na maior parte do país. Estava tudo pronto para o lançamento, em princípio na terça-feira, de uma vasta campanha publicitária da empresa, quando na véspera, em cima da hora, desastre à vista.
À vista de quem estivesse vendo o programa lançado pela campanha de Serra e depois visse a campanha da telefônica: a personagem central da pesada propaganda política atingia letalmente a suave personagem da publicidade comercial. Eram a mesma. E nenhuma promessa de bons serviços evitaria, nos 76% que votaram contra José Serra, deduções negativas para a empresa.
A Telemar e seus publicitários perceberam com mais presteza do que os marqueteiros de José Serra que, a par do desejo amplamente majoritário de mudar o que o atual governo representa, o eleitorado se mostrara cansado de ataques no estilo collorido. O que resultara contra Roseana Sarney e Ciro Gomes, com a contribuição decisiva de ambos, ao voltar-se contra Lula não funcionou. Apesar disso, a campanha de Serra ainda conta com seis dias para atacar Lula e já mostrou que nesse propósito não reconhece limites rígidos.
O efeito mais geral da atitude de Regina Duarte foi positivo. Evidenciou uma confusão de conceitos e de idéias que explica muito do Brasil atual. A questão suscitada pela atitude de Regina Duarte não é a liberdade de expressão, invocada por tantas pessoas respeitáveis com argumentos como "ela tem o direito de dizer o que quiser", estão fazendo "patrulhamento" -essa expressão fascistóide para fugir a críticas-contra ela, e por aí afora.
A questão suscitada foi a da ética na liberdade de opinião. E não consta que seja ético atribuir, sem expor nem o mínimo fundamento, intenções malignas que justificassem a frase "tô com medo", que nem era a afirmação de um estado de espírito, mas o claro intuito de induzir um medo não justificado mas que influísse no exercício da cidadania por outros. Afirmar que Lula, se eleito, vai "jogar na lata de lixo" tudo o que é bom, é usar de mentira, é desonesto.
Regina Duarte e qualquer outro goza do direito de ir à TV e dizer por que prefere tal candidato e por que não vota em tal outro. Mas, se isso implica julgamento de valor, o "por que" é fundamental. E nem mesmo ele torna absoluto o "direito de dizer o que quiser": em um exemplo extremado para ser ponto final, alguém tem o direito de ir à TV sugerir a crianças que experimentem drogas?



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