São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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MÁQUINA ELEITORAL

Coordenadora do programa do governador Zeca do PT, que distribui comida, diz a carentes: "É o Lula, gente"

Petistas usam cesta básica a favor de Lula

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A CAMPO GRANDE

FABIANO MAISONNAVE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Coordenadores do programa de distribuição de cestas básicas do governador de Mato Grosso do Sul, José Orcírio, o Zeca do PT, têm feito reuniões com moradores pobres nos bairros de Campo Grande para pedir votos a Luiz Inácio Lula da Silva e Zeca, candidato à reeleição. O programa distribui 60 mil cestas por mês.
Houve pelo menos 14 reuniões em dois dias da semana passada. Sem que fosse pedida identificação à reportagem, a Folha acompanhou uma dessas reuniões na última quarta. A platéia é formada por cerca de 60 mulheres, muitas delas com crianças no colo, e quatro homens. Todos ouvem a palestra com atenção e alguns apertam na mão títulos de eleitor e carteiras de identidade.
No centro da roda, no quintal de uma casa de três cômodos na periferia de Campo Grande, a psicóloga Isabel Fernandes Alvarenga, 47, discursa: "Dia da eleição, é 13. É fácil, não é mais complicado. Aperta o [botão" verdinho, põe 13 de novo, aperta o verdinho. Só. Ninguém vai saber em quem vocês votaram".
A palestrante não é uma simples militante do PT. Coordena em Campo Grande o Programa de Segurança Alimentar do governo, que distribui mensalmente 60 mil cestas básicas.
O grupo começou a chegar às 13h. Durante toda a manhã, pessoas passaram em casas do bairro Monte Castelo para chamar moradores "para fazer o cadastro e ter direito a uma cesta básica".

Silva
Na reunião, Isabel se identifica como coordenadora do Programa de Segurança Alimentar e pede votos para Zeca do PT e para Lula: "Quem tem trânsito na sociedade, seja do mais simples sem-terra ao maior? É o Lula, gente. É uma pessoa que tem trânsito, que tem respeito. Então, a gente não tem que ter medo. É da Silva, sim. É Luiz Inácio Lula da Silva. Igual muita gente que é Silva".
Uma senhora concorda: "Eu também sou Silva". Encorajada, a oradora segue em frente: "É nossa hora, nós temos chance, como o Lula tem chance".
Na parede da casa, um adesivo do PT. A proprietária, Yolanda recebe os convidados vestindo uma camiseta com propaganda de Zeca e do seu sobrinho Vander Loubet, deputado federal eleito.
Na hora marcada, o portão está aberto e as pessoas vão entrando. A maioria fica em pé. Às 13h30 começa a falar uma mulher que se apresenta como assistente social do governo. Ela enaltece o governador, explica que ele atende 60 mil famílias com cestas básicas e leite e diz que ele "precisa continuar" esse trabalho.
Perto da oradora, uma senhora de uns 80 anos de idade começa a chorar e balbucia: "Eu moro em Jaraguari [a 70 km de Campo Grande" e não recebo essa cesta básica. Eu preciso muito".
A assistente social diz que aquele caso "vai ser resolvido".
Uma outra senhora pergunta o que deve fazer para receber a cesta de alimentos, dúvida que parece comum a todos. A assistente social explica que "a coordenadora" chegaria logo para explicar como seria "o cadastramento".
No fundo da platéia, uma mulher vira-se para outra e comenta: "Eles vão cadastrar a gente e depois entregar a cesta em casa".
Após o primeiro discurso da tarde, todos ficam à espera da "coordenadora". Passa-se uma hora. A impontualidade causa algumas defecções. Algumas senhoras vão embora com suas sombrinhas e carrinhos de bebê. Uma tenta convencer a amiga a ficar: "Eles vão cadastrar a gente". A outra responde: "Eu não falei que era só política?".

"Compração de voto"
Uma garota de 18 anos, com o título de eleitor na mão, atravessa a conversa: "Será que eles não vão entregar o sacolão?". A mulher explica: "Não, só vão cadastrar e depois dar. Senão fica que nem "compração" [sic" de voto".
Dois homens com broches do PT circulam com celulares na mão, ansiosos. Isabel chega, para alívio geral, por volta das 15h. Põe a bolsa numa cadeira e logo se forma um círculo ao seu redor. Desculpa-se pelo atraso, dizendo que estava em outra reunião.
Mais tarde, procurada pela Folha, ela contou ter feito seis reuniões do gênero naquele dia e disse que faria oito no dia seguinte, quinta-feira. A agenda está lotada no segundo turno.
Isabel também enaltece o governador petista. "Porque o nosso governo, o do Zeca, o futuro governo do Lula, é um governo que pensa na pessoa. Exemplo: quando a gente fala de Bolsa-Escola, o governo Fernando Henrique também tem Bolsa-Escola. Só que a dele quanto vale?", pergunta à platéia, que responde, em coro: "Quinze reais!".
Isabel continua: "E a nossa, quanto vale?". E as mulheres: "Cento e trinta seis!". Então argumenta: "Nosso Estado é pequeno. Imagina se o nosso Estado teria condições, se não fosse a seriedade do governador Zeca, de estar dando R$ 136 para 20 mil famílias. Só tem se for governo sério".
A psicóloga fala por 20 minutos, pede votos, mas diz que "não está forçando ninguém" a votar no PT. Mas ressalva: "Só que a gente sabe. Se não for o nosso governo, não fica assim". E continua: "Meu pedido é esse, não é obrigar ninguém, não é pressionar ninguém, não. É um pedido que a gente faz. Nós precisamos continuar com nossos projetos sociais".

Triagem
Uma mulher se aproxima e pergunta o que deve fazer para receber uma cesta básica. Isabel explica que o governo quer ampliar o número de cestas para 100 mil. Afirma que o governo não está distribuindo cestas no período eleitoral - só "em casos emergenciais"-, mas orienta os interessados a dar nome e endereço para a técnica do programa que está na reunião, Aparecida, para uma triagem posterior, que dirá se o caso é grave ou não.
O grupo se anima quando a técnica se senta num banquinho e começa a anotar os primeiros nomes e endereços. Rapidamente se forma uma fila de 32 pessoas. Cida faz as anotações numa agenda.
Está na hora de Isabel ir embora. Ela acena para Aparecida: "Cida, estou indo para o (bairro) Campo Belo". E Cida responde: "Boa viagem. Daqui a pouco vou para o Talismã".
O repórter pede um telefone de contato de Cida. Ela entrega um papel com o seu celular anotado. Do outro lado, vem uma mensagem escrita a lápis, assinada por uma moradora da rua Doutor Meireles, a duas quadras dali.
A súplica revela o que ela, afinal, esperava daquela reunião: "Tenho dois netos para criar e necessito deste sacolão para ajudar na alimentação da família".


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