São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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Serra propõe agências mais abertas

As agências reguladoras foram suficientemente independentes tanto do mercado como do Executivo? Os senhores pretendem levar ao Congresso uma reformulação das agências nesse aspecto?
A privatização buscou a eficiência nos serviços prestados à população, o que, em grande medida, foi conseguido. Buscou, também, criar novas fontes de financiamento para os investimentos em infra-estrutura, e isso também se deu. Vale, aliás, lembrar que a tese da privatização foi defendida de forma pioneira pelo economista Ignácio Rangel, um dos maiores pensadores do desenvolvimento brasileiro. Ele colocou muito bem a questão: o Estado não teria como financiar os investimentos, já o setor privado poderia alavancar os recursos necessários.
As agências reguladoras são a expressão pública do processo de concessão ao setor privado da exploração de áreas onde o setor público operava diretamente a produção. Ou seja, o Estado deixou de ser produtor para ser regulador. Essa foi a grande transformação dos últimos anos. Jamais seria uma transição fácil. Aliás, nem homogênea ela foi, porque cada agência foi criada com um determinado grau de autonomia e construiu diferentes formas de relação com o setor privado.
Trabalhamos para que as agências sejam executoras de políticas gerais traçadas pelos ministérios. No Ministério da Saúde, usei o instrumento do contrato de gestão entre cada uma das duas agências que criamos e o ministério. Isso preserva a independência no que importa, que é a execução das políticas gerais, que só podem ter força como políticas de governo. Não é necessária alteração legal de caráter geral para isso.
No governo, José Serra não tomaria a atitude que o PT anunciou nos últimos dias de exigir a demissão de todos os dirigentes. Há aí uma grande diferença. Serra não aceita o rompimento da institucionalidade, especialmente porque a nomeação foi feita dentro dos marcos legais. Os dirigentes foram sabatinados e aprovados pelo Congresso. É uma infelicidade ver a falta de compromisso com a estabilidade institucional que propostas como essa revelam.

A sociedade não dispõe hoje de um conselho de observadores nas agências reguladoras do setor privado. Um conselho poderia aumentar a publicidade e o controle dos atos das agências. Como os senhores avaliam essa proposta? Várias agências já têm conselhos consultivos, e é bom que tenham. Mas a transparência e a possibilidade de controle social devem ir além dos atuais conselhos, até porque não é fácil para um conselheiro, por melhor que seja sua atuação, conseguir informar e representar a sociedade. Devemos ampliar a participação de representantes da sociedade civil e apostar em mecanismos como a consulta pública, agora extremamente facilitada pelas telecomunicações. De toda forma, isso é um problema de postura do administrador público. Pelo que conheço de José Serra, no governo dele os administradores ouvirão a sociedade. Mas sublinho: ouvirão a sociedade, não um conjunto de interesses corporativos, que lutam por privilégios, seja para empresários, seja para trabalhadores. Serra sempre foi um homem público independente e o PSDB é um partido do Brasil e não das corporações.

Os senhores consideram que, no caso do racionamento e no caso das fusões de empresas de telefonia, as agências foram lenientes ou duras demais com as empresas privatizadas? Os senhores consideram que houve algum favorecimento indevido? Ou que as empresas tenham sido prejudicadas pelas agências? Desenvolver um aparato regulatório não é uma tarefa fácil, e os órgãos responsáveis estão criando um conhecimento e um modo de fazer o que não existia no Brasil. Não houve favorecimento a empresas, nem elas foram pressionadas de forma indevida. As empresas cumpriram os compromissos previamente assumidos por ocasião do processo de transferência patrimonial. Tomemos o caso da Anatel. A antecipação do cumprimento das metas de universalização do acesso à telefonia foi uma decisão das próprias empresas, incentivadas pelas normas fixadas no processo de privatização. A Anatel não teve outra ação, senão acompanhar o processo.
Por fim, gostaria de enfatizar que vejo as agências regulatórias como uma forma institucional nova e democrática, que tem muito a avançar e precisa ser aperfeiçoada, não podendo ser simplesmente revogada diante de uma ameaça remota de alternância no poder. Acho que absurdos como esse pedido de demissão de todos os dirigentes devem ser fortemente repudiados por quem acredita nas instituições e na democracia.


Geraldo Biasoto Junior, 41, doutor em economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-secretário de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde, é colaborador do programa de José Serra e respondeu às questões pelo candidato.








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