São Paulo, sexta-feira, 20 de outubro de 2006

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ANÁLISE

Números enganosos e consenso oculto

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para Luiz Inácio Lula da Silva, os juros atuais do Banco Central são a metade da taxa fixada ainda anteontem. Para Geraldo Alckmin, os petistas que aparelham a máquina do governo federal somam o dobro das vagas disponíveis.
Os dois números falsos mais evidentes de um festival de números enganosos declamados pelos dois candidatos servem para sintetizar o debate de ontem. Lula, como de hábito, a exagerar os feitos de seu governo; Alckmin, que desta vez deixou as acusações de corrupção em segundo plano, a exagerar os defeitos do adversário.
No mundo do petista, a Selic, a taxa do BC, já caiu a 6,85%. Alckmin não aproveitou para lembrar que a taxa está em 13,75%. Preferiu falar dos 40 mil companheiros de Lula supostamente empregados no governo. O presidente-candidato não perguntou como alojar tanta gente em 20 mil cargos de livre provimento existentes.
O rosário de cifras nem sequer primava pela originalidade. Lula voltou a dizer que investiu R$ 10 bilhões em saneamento, dado utilizado no debate anterior e já desmentido pela Folha. Alckmin tentou ser mais claro ao tratar de um suposto corte de R$ 1,6 bilhão nas verbas para a saúde, tema que já havia mencionado na Bandeirantes -e que não passa de uma antiga discussão legislativa sobre o que deve ser considerado gasto em saúde ou não.
Sem ouvir um ao outro, os oponentes priorizaram repetir à exaustão os bordões ensaiados para o evento. "Nunca antes neste país foi feito tanto", disse Lula sobre praticamente todos os temas abordados. "Nós somos diferentes", dizia o tucano no início de quase todas as suas intervenções.
Curiosamente, porém, o candidato inédito e o candidato diferente se acusaram pelas mesmas coisas: baixo crescimento, aumento da carga tributária, escassez de investimentos, desemprego, piora na segurança pública, crise na educação e na saúde. Noves fora os dados errados de lado a lado, ambos tinham razão: as gestões tucana e petista padeceram de males muito semelhantes.
PT e PSDB têm, hoje, diagnósticos também muito semelhantes para as áreas econômica e social, que se tornaram, porém, pretextos para ataques recíprocos no debate. Os dois partidos entendem que o crescimento econômico é insuficiente, que os gastos permanentes do governo devem ser reduzidos, que a carga tributária não pode aumentar mais e que os programas sociais devem ter foco nos mais pobres.
Esse quase consenso entre os dois grupos políticos que encabeçaram as disputas nas últimas quatro eleições presidenciais é inédito desde a redemocratização -e, no entanto, fica escondido sob perguntas-acusações sobre gastos com juros ou intenções de privatizar.


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