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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ VISÃO DA CRISE
Candido Mendes sustenta que os programas sociais asseguram o apoio das classes baixas a Lula, que deve ser reeleito em 2006
Lula perdeu a classe média, diz sociólogo
UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
Ressentida e irritada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a
classe média, "classicamente
amarrada ao moralismo", rompeu de forma "irrecuperável"
com o PT. Por outro lado, em decorrência do êxito dos programas
sociais, as classes baixas manterão
a confiança no presidente, que será reeleito em 2006.
A análise é do sociólogo e cientista político Candido Mendes, 77,
que lançou, na semana passada, o
livro "Lula Depois de Lula" (Garamond), o terceiro dele sobre o
atual presidente. Na entrevista a
seguir, Mendes ainda afirma que
a oposição "repete o pior do lacerdismo", diz que Lula se mostrou
"muito mais importante" do que
o PT e sugere o recall (que permite
ao eleitor se manifestar sobre a
continuidade ou não de um mandato antes de seu término) como
solução para a corrupção.
Folha - Como o sr. vê a atual crise?
Candido Mendes - A crise teve
um componente inicial claramente do "Brasil bem", o Brasil
que não se conformou de ter sido
derrubado pela chegada do Lula.
Esse Brasil, que eu chamo de neolulista, a classe média, acabou, em
2002, dando os votos além do que
Lula teria naturalmente. Esse pessoal, hoje, está na maior irritação.
A classe média é, classicamente,
amarrada ao moralismo. E, nisso,
repetiu o fenômeno do lacerdismo. Os discursos do Roberto Jefferson são a repetição do lacerdismo reacordando a classe média.
É preciso ver que o Brasil continua o país das clientelas. Em que o
cargo público era compensação
das classes médias que, com a República, chegava ao poder. Em
que o nepotismo se transforma na
clientela, e a clientela se transforma no "mensalão".
Folha - O sr. vê o "mensalão" como algo "natural"?
Mendes - Digo que o "mensalão"
está na lógica normal da nova etapa. A posição é extremamente
bem articulada e é anterior ao governo Lula. Mas o PT a comprou.
A questão é ver quem estava por
trás disso tudo. Quem estava ao
lado de Marcos Valério? Por que
pararam de ouvir Daniel Dantas?
O resultado é que disso sai uma
condenação do PT pelas classes
médias que acho irregenerável.
Folha - O sr. acha que a oposição
tem atuado bem nessa crise?
Mendes - Não. Acho que ela foi
pega de surpresa. A oposição, hoje, está repetindo o pior do lacerdismo, com comportamentos típicos desse oportunismo político
classicamente denuncista e moralista. Jefferson virou o vingador da
moralidade pública.
Folha - O sr. não crê em uma conspiração das elites?
Mendes - Não. Acho que não havia "timing" para isso. E acho que
nunca os setores economicamente dominantes estiveram tão satisfeitos com o governo. O que há é
uma classe média irrecuperável,
ressentida, já que fez um enorme
esforço para votar no Lula.
Folha - E se mudar a política econômica, numa eventual saída do
ministro Antonio Palocci, o presidente perde a classe alta?
Mendes - Não acho que o Palocci
caia. Mas isso não importa. Acho
que o Lula mostrou que nesse governo não há personagens indispensáveis. A não ser ele.
Folha - O sr. critica a atuação do
STF na crise. Por quê?
Mendes - Quando o STF decidiu
que José Dirceu poderia ser submetido a processo de cassação
por quebra de decoro, ele tomou
uma decisão política. Entregou
Dirceu às feras, na lógica de que
era preciso cassá-lo como contrapartida à cassação de Jefferson.
Mas autorizar o Legislativo a
julgar um deputado por sua atuação enquanto ministro, a meu ver,
arruína o sistema de poderes.
Isso eu acho que é matéria para
o Conselho da República, previsto
na Constituição [art. 89] e que
nunca foi usado. Aliás, há outra
solução para a crise mais geral, e
essa eu propus ao presidente em
agosto: o recall. Acho que é a
grande solução para a corrupção.
Folha - Por quê?
Mendes - No fundo, não se pode
dar quatro anos para o sujeito comer à vontade. Claro que a solução última é cidadania e etc. Mas,
se você corta ao meio o período da
digestão, já dá uma travada na
corrupção. Ninguém vai arriscar
entrar em esquema ilícito sabendo que o povo vai poder cobrar
mais cedo, no meio do mandato.
Folha - Se houvesse um recall hoje, o sr. acha que Lula venceria?
Mendes - Acho que sim.
Folha - Por quê?
Mendes - Há três questões que
fazem com que a classe marginalizada mantenha íntegra a confiança no Lula. Primeiro, por meio do
Bolsa-Família, que já atinge 11 milhões de pessoas e tem um efeito
irradiador incrível. O segundo
ponto é o avanço do SUS. O terceiro é a educação, e aí vem o indiscutível sucesso do ProUni.
E há outro fator: a oposição não
saiu dessa crise com nenhum
campeão.
Folha - Ou seja, o sr. acha que Lula tem chances de vencer em 2006?
Mendes - Estou absolutamente
certo de que ele vence em 2006.
Folha - O sr. agora escreveu o terceiro livro sobre Lula. Por que todo
esse interesse?
Mendes - Há certo tempo eu me
interessei muito pelo que podia
ser o Lula. Por ter conseguido ser,
por meio da idéia do partido diferente, a alternativa ao que, em
uma situação de injustiça social,
poderia levar à violência.
Por meio da investidura política, do chegar lá pelo voto, ele conseguiu uma integração simbólica.
Folha - Pelo carisma?
Mendes - O Lula não é carismático. O que ele tem é uma capacidade de integração social e identificação simbólica. Há um capital de
mudança que torna o Lula muito
mais importante do que o PT.
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