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ELIO GASPARI
Lula 1.2 poderá importar trabalhadores
A contratação de mão-de-obra chinesa renasce durante
o mandarinato de dois ex-líderes sindicais metalúrgicos
LUÍS MARINHO, ex-presidente
da CUT e atual comissário do
Trabalho de Nosso Guia, recebeu um pedido da siderúrgica
ThyssenKrupp para a contratação
de 600 trabalhadores chineses. Viriam para as obras de construção de
uma usina no distrito industrial de
Santa Cruz, no Rio de Janeiro. O investimento global da empresa na região vai a US$ 3,4 bilhões, sobre os
quais a Viúva aspergirá as habituais
isenções de impostos.
Os operários chineses são parte de
um contrato de US$ 425 milhões firmado com o grupo estatal Citic, de
Pequim. Ele inclui a venda de equipamentos e de mão-de-obra. Inicialmente queriam embarcar para o Rio
4.000 trabalhadores, mas baixou-se
para 600, a maioria dos quais, segundo a Thyssen, seriam engenheiros. Pode ter havido um acordo verbal, mas ainda não saiu a licença de
importação.
A construção de uma usina como a
da Thyssen jamais precisará de mais
de 150 engenheiros fazendo serviço
de engenheiro. O comissário Marinho trabalhou na Volkswagen e sabe
que em nenhuma fase da história da
fábrica houve em São Bernardo
mais de 300 engenheiros europeus.
São 300 os engenheiros que trabalham no quartel-general do Google.
Duzentos anos depois da primeira
de uma série de propostas fracassadas para a importação de mão-de-obra chinesa, ela renasce no mandarinato de dois ex-líderes sindicais
metalúrgicos. A mais festejada tentativa de substituição de escravos
negros por assalariados chins deu-se em 1883, quando passou pelo Rio
a figura de Tong King Sing, poderoso
mandarim da corte Qing. Usava um
rabicho e fazia-se acompanhar por
um secretário negro, americano. Foi
admirado nos melhores salões e fazendas do Vale do Paraíba.
Se os trabalhadores da Citic fossem todos engenheiros, a discussão
seria bonita. A China tem duas vezes
mais engenheiros que os Estados
Unidos e eles trabalham por pouco
mais de mil dólares mensais (metade do Bolsa-Ditadura de Nosso
Guia). Custam certamente menos
que os brasileiros e não há engenheiros dirigindo táxis em Shangai.
Deve-se admitir que, se trabalhadores desempregados pela indústria
de calçados do Sul do Brasil podem
trabalhar na China, é razoável que a
mão-de-obra qualificada da Citic venha ganhar dinheiro em Pindorama.
Essa é a globalização do século 21
e, se os chineses sabem aproveitá-la,
parabéns.
Como não parece provável que a
Thyssen esteja a importar exclusivamente engenheiros, há um estranho cheiro de Tong King Sing no pedaço. No século 19 os mandarins (e o
Mikado japonês) vendiam seus miseráveis por quatro patacas. No 21, o
stalinismo de mercado chinês exporta mão-de-obra barata em benefício de um projeto estratégico nacional. Não lhe passa pela cabeça fazer isso em países verdadeiramente
capitalistas, como a Alemanha, berço da Thyssen e da Krupp.
Seria fácil dizer que os trabalhadores chineses não devem entrar no
Brasil. Foi com parolagens desse tipo que Lula e Marinho chegaram a
Brasília. Faria bem a todo mundo se
os chineses colocassem o pleito numa discussão séria, sem essa de engenheiros. Os empregos que o investimento da Thyssen criará no Rio
justificam a concessão das isenções
tributárias e trabalhistas que ela reivindica? Pode ser que sim, e nesse
caso a patuléia ficará mais bem informada, convivendo com o baixo
custo da mão-de-obra chinesa sempre que isso interessar a uma siderúrgica alemã. Esse pode ser o projeto estratégico do comissariado.
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