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Entrevista da 2ª/Herbin Hoyos Medina
Radialista que leva mensagens de familiares a reféns defende direitos políticos para as Farc e diz haver 4.200 pessoas em cativeiro na Colômbia
"Um seqüestrado sem alento, quer a morte"
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
UM DOS MAIS profundos conhecedores do drama do seqüestro na
Colômbia é o jornalista Herbin
Hoyos Medina, 38. Há 14 anos, ele
transmite o programa semanal de rádio "Vozes
do Seqüestro", em que familiares dirigem
mensagens de apoio a seus parentes seqüestrados. Importante para manter elevado o ânimo
dos reféns, os seqüestradores permitem que os
programas sejam acompanhados pelos cativos.
A esperança de ficar um pouco mais perto dos cativos já levou mais de 15 mil familiares de
reféns a gravar mais de 320 mil
mensagens de ânimo para o
programa de rádio "Vozes do
Seqüestro". Clara Rojas e Consuelo González, recém-libertadas pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), fizeram questão de agradecer a seu criador por manter
as "Vozes" e de atestar a importância do programa para que a
esperança da libertação não as
abandonasse.
Leia a seguir os principais
trechos da entrevista que Herbin Hoyos concedeu à Folha
no lobby do Hotel Gran Meliá
Caracas, aonde foi para receber
Rojas e González, entregues
pela guerrilha ao presidente
venezuelano, Hugo Chávez, no
último dia 10.
FOLHA - Como o senhor teve a
idéia de criar um programa de rádio
para seqüestrados?
HERBIN HOYOS - O programa
"Vozes do Seqüestro" surgiu
em 1994. Nessa época, eu trabalhava na rádio Caracol [da Colômbia]. A guerrilha havia me
seqüëstrado para me obrigar a
difundir um comunicado contra o governo. Durante dois
dias de caminhada, passamos
por abismos e penhascos até
que chegamos a um acampamento guerrilheiro, onde, sob
uma barraca de plástico, estava
um homem de uns 60 anos,
muito magro, barbado. Ele tinha uma corrente presa à mão
direita. No outro extremo, a
corrente estava amarrada a
uma árvore e puxava a mão dele
para fora da barraca. Quando
chovia, a mão ficava branca como se fosse de um cadáver.
Pois bem, esse homem tinha
um radinho que ligava e desligava a cada hora. A surpresa foi
quando ele sintonizou a rádio
onde eu trabalhava e me perguntou: "Por que vocês jornalistas não fazem nada por nós?"
Nesse instante, vi que tinha de
fazer algo pelos seqüestrados.
FOLHA - Quantos seqüestrados
existem hoje na Colômbia?
HOYOS - Existem duas cifras: a
oficial e a que maneja a organização "Vozes do Seqüestro". O
Estado diz que há 735 seqüestrados. Digo que há 4.200.
FOLHA - Por que a diferença?
HOYOS - Porque a guerrilha,
quando seqüestra uma pessoa,
ameaça a família para que não
denuncie ao Estado. Diz que, se
for denunciada, o preço do resgate será três vezes maior -e
será mesmo. Resultado: a
maioria das famílias não denuncia, e o governo não computa esses seqüestros.
FOLHA - Só as Farc seqüestram?
HOYOS - Não. Também existem
os seqüestros feitos pelo ELN
[Exército de Libertação Nacional] e os cometidos por bandidos comuns. Esses bandidos,
quando extorquem as famílias,
dizem pertencer às Farc, ao
ELN ou ainda às AUC [grupo
paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia], sem sê-lo,
para imprimir medo.
FOLHA - Não há relação entre os
guerrilheiros e os bandos de delinqüentes?
HOYOS - A maioria dos seqüestros da década de 90 nas cidades era feita por bandos que
vendiam suas vítimas para a
guerrilha. Mas acabou havendo
um descontentamento porque
os bandos seqüestravam, arriscavam-se em uma cidade superpoliciada, e a guerrilha pagava a eles apenas US$ 10 mil ou US$ 20 mil, por seqüestrados de famílias dispostas pagar
US$ 500 mil pelo resgate.
O resultado foi que essas quadrilhas passaram a querer ir até
o fim do processo.
FOLHA - O que é pior para o refém?
HOYOS - Essas quadrilhas não
têm a infra-estrutura que tem a
guerrilha para reter os seqüestrados. Não conseguem fazer
como os guerrilheiros, capazes
de andar 400 quilômetros ao
longo de três departamentos
[Províncias] sem que ninguém
os ache. As quadrilhas preferem a imobilidade. Amarram o
seqüestrado pelos pés e mãos
em um apartamento ou casa na
cidade, ou o deixam sob uma
cama, às vezes por semanas. Já
aconteceu de um seqüestrado
ser encontrado com o corpo coberto por sanguessugas depois
de imobilizado por muitos dias.
Cair nas mãos de uma quadrilha dessas é mais arriscado.
FOLHA - Por que os seqüestradores
permitem que os reféns escutem
seu programa de rádio?
HOYOS - O programa transmite
fé, esperança, otimismo. É comum que seqüestrados entrem
em um processo de ensimesmamento, em uma negação do
que está vivendo, em um quadro depressivo profundo. Muitos não conseguem comer -como Ingrid Betancourt [ex-candidata à Presidência da Colômbia, seqüestrada há seis anos].
E um seqüestrado sem alento,
enfraquecido, não consegue caminhar, quer que o matem, desafia os guerrilheiro. Isso constitui-se em um problema para a guerrilha, que precisa dos seus
reféns para a chantagem política ou para a extorsão financeira. Um seqüestrado que escute
a mãe dizendo-lhe pelo rádio
"Filho, te amo muito, estou te
esperando", ou a mulher informando "Meu amor, nosso filho
está crescendo", esse seqüestrado quererá viver.
FOLHA - O que o senhor acha da
proposta do presidente Hugo Chávez de reconhecer as Farc como "força insurgente", retirando-as da caracterização de "terrorista"?
HOYOS - O que significa uma
mudança dessa natureza? Que
as Farc podem buscar representação diplomática em um
país vizinho. Que podem ter
um controle territorial delimitado e reconhecido por outro
país. Que podem ter um controle político e social desse território. O que o presidente Chávez não entende é que está propondo indiretamente ao governo que abra a possibilidade de
as Farc fracionarem o território colombiano. Isso não passou nunca pela cabeça dos colombianos. Eu sou favorável a que as Farc adquiram direitos
políticos, inclusive que disputem eleições. Que se faça o debate democrático e não uma
concessão ao terror.
FOLHA - Como se deve tratar o seqüestro na imprensa?
HOYOS - A prioridade tem de
ser a vida. Depois a informação.
Por exemplo: uma coisa é dizer
que um hipotético Carlos Rodrigues foi seqüestrado por um
grupo de quatro jovens que estavam armados com revólveres
e que o interceptaram na rua X
esquina com a Y, levando-o em
uma carro preto da marca tal,
placas tal e tal. Isso está perfeito. Outra coisa é dizer que seqüestraram o industrial Carlos
Rodrigues, proprietário da rede
de lojas X, com uma fortuna
pessoal avaliada em Y. Isso está
errado. Quase sempre a imprensa dá a notícia do seqüestro e, depois, o perfil econômico do seqüestrado.
Não é raro que seqüestradores capturem
uma pessoa sem as informações completas sobre de quem
se trata. Às vezes, escolhem-na
porque tem um carro caro ou
uma casa de bom tamanho.
Agora, se a imprensa fornece
aos seqüestradores todo o perfil econômico do cativo, um
resgate que custaria US$ 50 mil
passa para US$ 2 milhões. Em
muitos casos, os jornalistas devem se abster de informar. Se a
notícia pode fazer com que os
bandidos aumentem o preço do
resgate, melhor não dar. Se
contribui para que o matem,
melhor não dar. Se contribui
para que os seqüestradores fujam, melhor não dar.
FOLHA - Os seqüestrados colombianos sempre reclamam de uma
suposta indiferença da população
para com seu destino.
HOYOS - É preciso que os governos comecem a promover a cultura da denúncia contra o seqüestro. É preciso promover a
solidariedade com os seqüestrados e uma atitude social maciça contra o seqüestro, de modo que o seqüestrador saiba
que, se capturar uma pessoa,
nas ruas os pedestres vão apontá-lo, os taxistas vão correr
atrás. O seqüestrados não podem fazer nada, por temer a
morte. Mas a população pode
fazer muito. No dia em que os
seqüestradores souberem que
o crime não será fácil, porque a
cidadania está preparada para
enfrentar o crime hediondo,
eles pensarão duas vezes. Hoje,
seqüestram porque sabem que
a maioria das pessoas é indolente, indiferente, que não se
importa com o que está passando o outro. Contam que as pessoas até lhes abrirão o caminho.
FOLHA - Por que essa cultura de denúncia não funciona na Colômbia?
HOYOS - Funciona, sim. Há
muitas denúncias. A Colômbia
talvez seja o país que mais sabe
de seqüestros no mundo. Somos "experts". Se seqüestram
uma pessoa, em três minutos
são fechadas todas as saídas da
cidade. O jeito para os seqüestradores é matar ou soltar a
pessoa -na maioria dos casos,
soltam-na. É por isso que a
guerrilha agora prefere seqüestrar fora dos grandes centros.
FOLHA - As reféns Clara Rojas e
Consuelo González, ao serem soltas,
fizeram questão de agradecer o
apoio recebido do seu programa...
HOYOS - Eu não posso viver do
reconhecimento. Sei que o seqüestrado que hoje me agradece será o que preferirá me esquecer amanhã. Amanhã, tudo o que o seqüestrado quererá é
esquecer a tragédia que lhe sucedeu e da qual, sem dúvida,
acabei tornando-me parte. É
preciso esquecer para continuar a viver. Assim tem de ser.
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