São Paulo, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

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Entrevista da 2ª/Herbin Hoyos Medina

Radialista que leva mensagens de familiares a reféns defende direitos políticos para as Farc e diz haver 4.200 pessoas em cativeiro na Colômbia

"Um seqüestrado sem alento, quer a morte"

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

UM DOS MAIS profundos conhecedores do drama do seqüestro na Colômbia é o jornalista Herbin Hoyos Medina, 38. Há 14 anos, ele transmite o programa semanal de rádio "Vozes do Seqüestro", em que familiares dirigem mensagens de apoio a seus parentes seqüestrados. Importante para manter elevado o ânimo dos reféns, os seqüestradores permitem que os programas sejam acompanhados pelos cativos.

A esperança de ficar um pouco mais perto dos cativos já levou mais de 15 mil familiares de reféns a gravar mais de 320 mil mensagens de ânimo para o programa de rádio "Vozes do Seqüestro". Clara Rojas e Consuelo González, recém-libertadas pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), fizeram questão de agradecer a seu criador por manter as "Vozes" e de atestar a importância do programa para que a esperança da libertação não as abandonasse.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Herbin Hoyos concedeu à Folha no lobby do Hotel Gran Meliá Caracas, aonde foi para receber Rojas e González, entregues pela guerrilha ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, no último dia 10.  

FOLHA - Como o senhor teve a idéia de criar um programa de rádio para seqüestrados?
HERBIN HOYOS
- O programa "Vozes do Seqüestro" surgiu em 1994. Nessa época, eu trabalhava na rádio Caracol [da Colômbia]. A guerrilha havia me seqüëstrado para me obrigar a difundir um comunicado contra o governo. Durante dois dias de caminhada, passamos por abismos e penhascos até que chegamos a um acampamento guerrilheiro, onde, sob uma barraca de plástico, estava um homem de uns 60 anos, muito magro, barbado. Ele tinha uma corrente presa à mão direita. No outro extremo, a corrente estava amarrada a uma árvore e puxava a mão dele para fora da barraca. Quando chovia, a mão ficava branca como se fosse de um cadáver.
Pois bem, esse homem tinha um radinho que ligava e desligava a cada hora. A surpresa foi quando ele sintonizou a rádio onde eu trabalhava e me perguntou: "Por que vocês jornalistas não fazem nada por nós?" Nesse instante, vi que tinha de fazer algo pelos seqüestrados.

FOLHA - Quantos seqüestrados existem hoje na Colômbia?
HOYOS
- Existem duas cifras: a oficial e a que maneja a organização "Vozes do Seqüestro". O Estado diz que há 735 seqüestrados. Digo que há 4.200.

FOLHA - Por que a diferença?
HOYOS
- Porque a guerrilha, quando seqüestra uma pessoa, ameaça a família para que não denuncie ao Estado. Diz que, se for denunciada, o preço do resgate será três vezes maior -e será mesmo. Resultado: a maioria das famílias não denuncia, e o governo não computa esses seqüestros.

FOLHA - Só as Farc seqüestram?
HOYOS
- Não. Também existem os seqüestros feitos pelo ELN [Exército de Libertação Nacional] e os cometidos por bandidos comuns. Esses bandidos, quando extorquem as famílias, dizem pertencer às Farc, ao ELN ou ainda às AUC [grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia], sem sê-lo, para imprimir medo.

FOLHA - Não há relação entre os guerrilheiros e os bandos de delinqüentes?
HOYOS
- A maioria dos seqüestros da década de 90 nas cidades era feita por bandos que vendiam suas vítimas para a guerrilha. Mas acabou havendo um descontentamento porque os bandos seqüestravam, arriscavam-se em uma cidade superpoliciada, e a guerrilha pagava a eles apenas US$ 10 mil ou US$ 20 mil, por seqüestrados de famílias dispostas pagar US$ 500 mil pelo resgate. O resultado foi que essas quadrilhas passaram a querer ir até o fim do processo.

FOLHA - O que é pior para o refém?
HOYOS
- Essas quadrilhas não têm a infra-estrutura que tem a guerrilha para reter os seqüestrados. Não conseguem fazer como os guerrilheiros, capazes de andar 400 quilômetros ao longo de três departamentos [Províncias] sem que ninguém os ache. As quadrilhas preferem a imobilidade. Amarram o seqüestrado pelos pés e mãos em um apartamento ou casa na cidade, ou o deixam sob uma cama, às vezes por semanas. Já aconteceu de um seqüestrado ser encontrado com o corpo coberto por sanguessugas depois de imobilizado por muitos dias. Cair nas mãos de uma quadrilha dessas é mais arriscado.

FOLHA - Por que os seqüestradores permitem que os reféns escutem seu programa de rádio?
HOYOS
- O programa transmite fé, esperança, otimismo. É comum que seqüestrados entrem em um processo de ensimesmamento, em uma negação do que está vivendo, em um quadro depressivo profundo. Muitos não conseguem comer -como Ingrid Betancourt [ex-candidata à Presidência da Colômbia, seqüestrada há seis anos].
E um seqüestrado sem alento, enfraquecido, não consegue caminhar, quer que o matem, desafia os guerrilheiro. Isso constitui-se em um problema para a guerrilha, que precisa dos seus reféns para a chantagem política ou para a extorsão financeira. Um seqüestrado que escute a mãe dizendo-lhe pelo rádio "Filho, te amo muito, estou te esperando", ou a mulher informando "Meu amor, nosso filho está crescendo", esse seqüestrado quererá viver.

FOLHA - O que o senhor acha da proposta do presidente Hugo Chávez de reconhecer as Farc como "força insurgente", retirando-as da caracterização de "terrorista"?
HOYOS
- O que significa uma mudança dessa natureza? Que as Farc podem buscar representação diplomática em um país vizinho. Que podem ter um controle territorial delimitado e reconhecido por outro país. Que podem ter um controle político e social desse território. O que o presidente Chávez não entende é que está propondo indiretamente ao governo que abra a possibilidade de as Farc fracionarem o território colombiano. Isso não passou nunca pela cabeça dos colombianos. Eu sou favorável a que as Farc adquiram direitos políticos, inclusive que disputem eleições. Que se faça o debate democrático e não uma concessão ao terror.

FOLHA - Como se deve tratar o seqüestro na imprensa?
HOYOS
- A prioridade tem de ser a vida. Depois a informação. Por exemplo: uma coisa é dizer que um hipotético Carlos Rodrigues foi seqüestrado por um grupo de quatro jovens que estavam armados com revólveres e que o interceptaram na rua X esquina com a Y, levando-o em uma carro preto da marca tal, placas tal e tal. Isso está perfeito. Outra coisa é dizer que seqüestraram o industrial Carlos Rodrigues, proprietário da rede de lojas X, com uma fortuna pessoal avaliada em Y. Isso está errado. Quase sempre a imprensa dá a notícia do seqüestro e, depois, o perfil econômico do seqüestrado.
Não é raro que seqüestradores capturem uma pessoa sem as informações completas sobre de quem se trata. Às vezes, escolhem-na porque tem um carro caro ou uma casa de bom tamanho.
Agora, se a imprensa fornece aos seqüestradores todo o perfil econômico do cativo, um resgate que custaria US$ 50 mil passa para US$ 2 milhões. Em muitos casos, os jornalistas devem se abster de informar. Se a notícia pode fazer com que os bandidos aumentem o preço do resgate, melhor não dar. Se contribui para que o matem, melhor não dar. Se contribui para que os seqüestradores fujam, melhor não dar.

FOLHA - Os seqüestrados colombianos sempre reclamam de uma suposta indiferença da população para com seu destino.
HOYOS
- É preciso que os governos comecem a promover a cultura da denúncia contra o seqüestro. É preciso promover a solidariedade com os seqüestrados e uma atitude social maciça contra o seqüestro, de modo que o seqüestrador saiba que, se capturar uma pessoa, nas ruas os pedestres vão apontá-lo, os taxistas vão correr atrás. O seqüestrados não podem fazer nada, por temer a morte. Mas a população pode fazer muito. No dia em que os seqüestradores souberem que o crime não será fácil, porque a cidadania está preparada para enfrentar o crime hediondo, eles pensarão duas vezes. Hoje, seqüestram porque sabem que a maioria das pessoas é indolente, indiferente, que não se importa com o que está passando o outro. Contam que as pessoas até lhes abrirão o caminho.

FOLHA - Por que essa cultura de denúncia não funciona na Colômbia?
HOYOS
- Funciona, sim. Há muitas denúncias. A Colômbia talvez seja o país que mais sabe de seqüestros no mundo. Somos "experts". Se seqüestram uma pessoa, em três minutos são fechadas todas as saídas da cidade. O jeito para os seqüestradores é matar ou soltar a pessoa -na maioria dos casos, soltam-na. É por isso que a guerrilha agora prefere seqüestrar fora dos grandes centros.

FOLHA - As reféns Clara Rojas e Consuelo González, ao serem soltas, fizeram questão de agradecer o apoio recebido do seu programa...
HOYOS
- Eu não posso viver do reconhecimento. Sei que o seqüestrado que hoje me agradece será o que preferirá me esquecer amanhã. Amanhã, tudo o que o seqüestrado quererá é esquecer a tragédia que lhe sucedeu e da qual, sem dúvida, acabei tornando-me parte. É preciso esquecer para continuar a viver. Assim tem de ser.


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