São Paulo, sábado, 21 de fevereiro de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Funcionário de bingo diz que melhor estratégia não é "pagando deputado", mas agindo em ministério

Gravação envolve ministro em lobby para legalizar jogo

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Gravação feita pela Operação Anaconda flagrou um funcionário de um bingo de São Paulo dizendo ao agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez que a melhor estratégia em Brasília para legalizar o jogo não é "pagando deputado", mas agir diretamente com o ministro do Esporte. O diálogo ocorreu no dia 19 de maio de 2003, segundo relatório da Polícia Federal.
O ministro do Esporte, Agnelo Queiroz (PC do B), na pasta desde 1º de janeiro de 2003, confirmou à Folha ter recebido representantes do setor no ano passado em pelo menos duas ocasiões para conversar sobre a legalização dos bingos. Afirmou, no entanto, não ter acatado as suas sugestões.
O telefonema gravado mostra um certo Carlinhos articulando com o agente da PF para reabrir bingos que a polícia fechara no interior paulista. A voz de Carlinhos não é a mesma da do empresário de bingos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. O policial com quem Carlinhos fala, o agente da PF Rodriguez, está preso em São Paulo desde o dia 30 de outubro do ano passado sob a acusação de integrar uma quadrilha que intermediaria a venda de sentenças judiciais.

Pagando deputado
Carlinhos inicia o diálogo com uma crítica à Abrabin (Associação Brasileira dos Bingos) e à gestão de seu atual presidente, Olavo Sales da Silveira.
"Porque a gente já conseguiu muita coisa lá em Brasília, tudo que o Olavo não conseguiu em quatro anos, pagando deputado lá errado, entendeu? Coisa que deveria ser feita direta com o ministério", afirma Carlinhos.
"Já tivemos três audiências lá com o ministro, e o ministro não tem nada sobre números. E ele está precisando de números, porque cortaram a verba dele e um monte de coisa".
O presidente da Abrabin afirma que a entidade "nunca pagou deputado" porque "seria um erro estratégico se vincular" a um só representante.
Era fato que o ministério precisava de "números", como diz Carlinhos referindo-se à verba suplementar que o bingo propiciaria à pasta. O Ministério dos Esportes e do Turismo, que depois seria dividido, sofrera um dos cortes mais brutais do primeiro ano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Começara 2003 com R$ 715,5 milhões e só a área de Esporte teve um corte para R$ 53,1 milhões em fevereiro de 2003.
Se o bingo já estivesse funcionando segundo o anteprojeto elaborado sob a coordenação da Casa Civil, o Esporte receberia R$ 80 milhões a mais, como mostra um estudo feito pela Caixa Econômica Federal.
Já virou estratégia dos advogados de defesa dos que foram presos pela Operação Anaconda alegar que as conversas gravadas revelam bravatas, não fatos. Pode até ser, mas, no caso do bingo, parte do relato de Carlinhos é fato, não fanfarrice.
O Danilo ao qual ele se refere na conversa chama-se Danilo Uchida. Foi eleito vice-presidente da Associação Brasileira dos Bingos e aparece até hoje nessa condição no site da entidade -a assessoria de imprensa da Abrabin diz que ele ocupou o cargo só por duas semanas e depois demitiu-se.
Uchida é um dos sócios do bingo citado por Carlinhos, o Granbingo, na avenida Santo Amaro, na zona sul de São Paulo.
Por meio de sua advogada, ele informou que não quer se pronunciar sobre o telefonema gravado pela Operação Anaconda.
Três empresários de bingos ouvidos pela Folha dizem que Uchida representava os pequenos empresários do setor, que não se consideravam representados pela Abrabin. Os contatos que alegavam ter com o ministro do Esporte e a tentativa de reabrir os bingos no interior de São Paulo seriam trunfos para concorrer à presidência da entidade, segundo interpretação desses empresários.


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