São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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JANIO DE FREITAS

Remédios, como sempre


Até do Judiciário vêm dificuldades que, ainda mais do que da ação de governo, atingem a população


CONTRADIÇÃO à brasileira: na hora mesma em que a Anvisa, Agência Nacional de Saúde, ao fiscalizar o alcance fácil de remédios por clientes em farmácias, encontra em abundância até remédios falsificados, uma decisão judicial derruba o que seriam as regras mais rigorosas de comercialização e exposição dos produtos farmacêuticos.
A indústria e o comércio de remédios compõem um dos setores brasileiros que mais justificariam medidas em defesa da população. Mas a força dos laboratórios, originária sobretudo das multinacionais e por elas regida, há dezenas de anos impõe-se às iniciativas que pretendam restringir alguns dos seus excessos de "royalties" desregrados e lucros multiplicados.
Quando, antes do golpe de 64, travou-se a dura batalha pelo projeto da Lei de Remessa de Lucros -as remessas desmedidas de lucro são uma transferência da poupança e da riqueza nacional-, a indústria farmacêutica multinacional encabeçou a defesa da emigração ilimitada de lucros. O que não conseguiu durante alguns meses, logo recebeu de Roberto Campos e dos militares.
O Ministério da Saúde e a Anvisa precisariam, e não têm, de um suporte político robusto do Executivo, de Senado e Câmara e mesmo do Judiciário, para enfrentar em condições razoáveis a força da indústria farmacêutica. Tal força não está só no lobby interno mas também em pressões poderosas das matrizes e de seus protetores em governos estrangeiros. José Serra teve surpreendentes experiências nesse sentido, quando, ministro da Saúde, decidiu fortalecer os genéricos criados pelo ministro Jamil Haddad no governo Itamar Franco e combater a rigidez, muitas vezes até desumana, do controle privado de patentes.
Uma das muitas consequências dessa fragilidade da Saúde, trágicas várias delas, é sentida por todas as famílias com frequência e sem saída: o remédio vendido no Brasil é dos mais caros do mundo. É comum o mesmo remédio custar, aqui, três ou quatro vezes o seu preço na Europa e nos Estados Unidos, e não só no país onde é produzido. O pretexto usual dos impostos brasileiros não cabe aí: é cada vez maior a importação, pelos laboratórios, do remédio pronto ou semiacabado, para embalagem aqui. Com o objetivo, muito bem sucedido, de redução dos custos e respectivos impostos e encargos brasileiros.
Em vez de impostos e encargos, a indústria farmacêutica deveria citar os truques que utiliza. Como as embalagens entram na formação e nos aumentos de preço, é comum encontrar remédios aqui vendidos com embalagens muito maiores que as adotadas no exterior. O mesmo motivo explica as frequentes indicações de "nova embalagem", que nada justificaria: que diferença faz senão para aumento do preço, por exemplo em um antibiótico, que sua embalagem passe de duas a ter três cores?
Truque semelhante, e muito difundido, passa-se com o tamanho de cartelas e de drágeas e pílulas: aquelas crescem aqui para aumentar as embalagens e sua taxa de lucro sobre o custo; pílulas e drágeas são engrandecidas com maior quantidade do "excipiente" inútil, sem que a quantidade da substância medicamentosa seja diferente da usada no exterior.
Sem alarde, como é próprio do dedicado e competente ministro José Gomes Temporão -um ponto alto do governo Lula-, o Ministério da Saúde vem adotando inovações quanto à produção e oferta de remédios e a patentes e pesquisas. Mas até do Judiciário vêm dificuldades que, ainda mais do que da ação de governo, atingem a população. Como sempre, quando se trata de remédios.


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