São Paulo, quarta-feira, 21 de março de 2001

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ELIO GASPARI

Paulo Francis manda notícias

O signatário recebeu hoje a seguinte carta de Paulo Francis:
"Ao contrário do que muita gente pensa, não estou no inferno. Vou bem e fiz as pazes com o Sérgio Motta. Ele me contou tudo, mas não se pode dizer para o pessoal daí o que se ouve aqui. Waaal.
Este bilhete destina-se a ajudar o Philippe Reichstul. Primeiro porque eu acho que ele estava muito certo ao querer mudar o nome da Petrobras para Petrobrax. Segundo, porque, se amanhã afundarem todas as plataformas, e vazarem todos os oleodutos, ele pouco tem a ver com isso. Trata-se de um tucano. Achou que podia varrer para baixo do tapete a Petrotasca que recebeu do doutor Joel Rennó. Outro dia encontrei com o Hércules, aquele dos 12 trabalhos. Ele me disse que limpar as cavalariças de Augias foi coisa de servente. Mandaram o Reichstul limpar calado e ele achou que isso era possível.
Tem gente que acha que eu morri por causa do Rennó. Não creio. Eu tinha dito que toda a diretoria da Petrobras tinha conta na Suíça, e ele me processou, pedindo US$ 2 milhões. Eu ia me retratar, mas morri. Vim a saber que um almirante da diretoria da Petrobras que não tinha conta nem fora do Rio de Janeiro ficou furioso e pediu o processo. Mas esse é assunto vencido. Contrariando o desejo do doutor Rennó, não fui para o inferno.
O Reichstul recebeu a Petrobras em condições piores que as do marechal Castello Branco quando se tornou síndico da massa falida do João Goulart.
Vocês podem dizer que seu silêncio foi coisa de tucano, que ele deveria ter colocado os arquivos da empresa nas barracas de camelôs do largo da Carioca. Devia, mas foi aconselhado a entrar com mão de seda. Recebeu a Petrocaos com um tipo especial de loteamento político. Tem até hoje um diretor indicado por um cacique do PMDB. Há também um assessor do professor Cardoso que dá palpites na empresa. Finalmente, é bom lembrar que o Joel Rennó era protegido do PFL.
A Petrojoel foi a única empresa em toda a história da exploração de petróleo em águas profundas que decidiu concentrar quase todas as suas encomendas num só fornecedor, a Marítima, que, por sua vez, nunca tinha construído plataformas, nem dessas que as peruas andaram usando. Foi contratada para fornecer seis.
Um dos diretores da Petrobras fez o possível para evitar que a Marítima concentrasse tantas encomendas. Técnicos da empresa mostraram-se cautelosos na contratação de plataformas operacionais. Os concorrentes cansaram de avisar que os equipamentos não seriam entregues no prazo, muito menos pelo preço contratado. Um deles disse que ia gritar na rua, mas acabou ganhando um naco de contrato pelo qual não esperava.
Os contratos foram embaralhados de tal forma que ninguém sabe o que se estava construindo, a que preço nem a que prazo. Não se pode dizer que a P-36 foi construída pela Marítima, pois quem terminou a obra foi a Petrobras. Levando-se em conta que ela começou no Canadá e passou por Cingapura, basta pensar qual seria a qualidade de um armário embutido que recebesse a mão de obra de três marceneiros. Na época em que a Petrobras agasalhava e produzia os atrasos, um fornecedor da Shell postergou uma obra. Teve o contrato cancelado e tomou um prejuízo de US$ 60 milhões.
Um diretor da Petrobras informou a um boboca que a P-36 custaria entre US$ 140 e 150 milhões. Seu aluguel por 12 anos ficou em US$ 356 milhões. O pobre do Reichstul meteu uma auditoria em cima da província petrolífera que recebeu e acabou cancelando diversos contratos. Mais não conseguiu porque ficou calado. Se algum dia acontecer alguma coisa com a P-37 ou com a P-40, vocês vão precisar de um fundo musical de Richard Wagner.
É uma pena que vocês sejam obrigados a desperdiçar miolos com uma coisa dessas. Ser contemporâneo do Joel Rennó é um dos padecimentos resultantes da vossa expulsão do Paraíso. Felizmente, me livrei dessa. Vocês fariam muito melhor se passassem numa livraria e comprassem o livro "Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond", organizado pela professora Flora Sussekind. Nele há 42 cartas trocadas entre João Cabral e Manuel Bandeira. Cartas de dois poetas, mestres e cavalheiros. De um tempo em que não havia fax, secretária eletrônica, telefone celular em restaurante e muito menos e-mail para azucrinar a vida da pessoas. Uma época em que as cartas e os bípedes andavam de navio. Éramos mais gentis, muito menos burros. (A correspondência de João Cabral com Drummond está mais para lenga-lenga de funcionários públicos, mas quem a ler não perde muita coisa.)".


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