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ELIO GASPARI
Paulo Francis manda notícias
O signatário recebeu hoje
a seguinte carta de Paulo
Francis:
"Ao contrário do que muita
gente pensa, não estou no inferno. Vou bem e fiz as pazes com o
Sérgio Motta. Ele me contou tudo, mas não se pode dizer para o
pessoal daí o que se ouve aqui.
Waaal.
Este bilhete destina-se a ajudar o Philippe Reichstul. Primeiro porque eu acho que ele estava muito certo ao querer mudar o nome da Petrobras para
Petrobrax. Segundo, porque, se
amanhã afundarem todas as
plataformas, e vazarem todos os
oleodutos, ele pouco tem a ver
com isso. Trata-se de um tucano. Achou que podia varrer para baixo do tapete a Petrotasca
que recebeu do doutor Joel Rennó. Outro dia encontrei com o
Hércules, aquele dos 12 trabalhos. Ele me disse que limpar as
cavalariças de Augias foi coisa
de servente. Mandaram o
Reichstul limpar calado e ele
achou que isso era possível.
Tem gente que acha que eu
morri por causa do Rennó. Não
creio. Eu tinha dito que toda a
diretoria da Petrobras tinha
conta na Suíça, e ele me processou, pedindo US$ 2 milhões. Eu
ia me retratar, mas morri. Vim
a saber que um almirante da diretoria da Petrobras que não tinha conta nem fora do Rio de
Janeiro ficou furioso e pediu o
processo. Mas esse é assunto
vencido. Contrariando o desejo
do doutor Rennó, não fui para o
inferno.
O Reichstul recebeu a Petrobras em condições piores que as
do marechal Castello Branco
quando se tornou síndico da
massa falida do João Goulart.
Vocês podem dizer que seu silêncio foi coisa de tucano, que
ele deveria ter colocado os arquivos da empresa nas barracas
de camelôs do largo da Carioca.
Devia, mas foi aconselhado a
entrar com mão de seda. Recebeu a Petrocaos com um tipo especial de loteamento político.
Tem até hoje um diretor indicado por um cacique do PMDB.
Há também um assessor do professor Cardoso que dá palpites
na empresa. Finalmente, é bom
lembrar que o Joel Rennó era
protegido do PFL.
A Petrojoel foi a única empresa em toda a história da exploração de petróleo em águas profundas que decidiu concentrar
quase todas as suas encomendas
num só fornecedor, a Marítima,
que, por sua vez, nunca tinha
construído plataformas, nem
dessas que as peruas andaram
usando. Foi contratada para
fornecer seis.
Um dos diretores da Petrobras
fez o possível para evitar que a
Marítima concentrasse tantas
encomendas. Técnicos da empresa mostraram-se cautelosos
na contratação de plataformas
operacionais. Os concorrentes
cansaram de avisar que os equipamentos não seriam entregues
no prazo, muito menos pelo preço contratado. Um deles disse
que ia gritar na rua, mas acabou ganhando um naco de contrato pelo qual não esperava.
Os contratos foram embaralhados de tal forma que ninguém sabe o que se estava construindo, a que preço nem a que
prazo. Não se pode dizer que a
P-36 foi construída pela Marítima, pois quem terminou a obra
foi a Petrobras. Levando-se em
conta que ela começou no Canadá e passou por Cingapura,
basta pensar qual seria a qualidade de um armário embutido
que recebesse a mão de obra de
três marceneiros. Na época em
que a Petrobras agasalhava e
produzia os atrasos, um fornecedor da Shell postergou uma
obra. Teve o contrato cancelado
e tomou um prejuízo de US$ 60
milhões.
Um diretor da Petrobras informou a um boboca que a P-36
custaria entre US$ 140 e 150 milhões. Seu aluguel por 12 anos ficou em US$ 356 milhões. O pobre do Reichstul meteu uma auditoria em cima da província
petrolífera que recebeu e acabou
cancelando diversos contratos.
Mais não conseguiu porque ficou calado. Se algum dia acontecer alguma coisa com a P-37
ou com a P-40, vocês vão precisar de um fundo musical de Richard Wagner.
É uma pena que vocês sejam
obrigados a desperdiçar miolos
com uma coisa dessas. Ser contemporâneo do Joel Rennó é um
dos padecimentos resultantes
da vossa expulsão do Paraíso.
Felizmente, me livrei dessa. Vocês fariam muito melhor se passassem numa livraria e comprassem o livro "Correspondência de Cabral com Bandeira e
Drummond", organizado pela
professora Flora Sussekind. Nele
há 42 cartas trocadas entre João
Cabral e Manuel Bandeira.
Cartas de dois poetas, mestres e
cavalheiros. De um tempo em
que não havia fax, secretária
eletrônica, telefone celular em
restaurante e muito menos e-mail para azucrinar a vida da
pessoas. Uma época em que as
cartas e os bípedes andavam de
navio. Éramos mais gentis, muito menos burros. (A correspondência de João Cabral com
Drummond está mais para lenga-lenga de funcionários públicos, mas quem a ler não perde
muita coisa.)".
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