São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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JANIO DE FREITAS

Entre mudar e fracassar

O desempenho do governo no ano passado, em comparação com o prometido por Lula, foi no mínimo péssimo. Pois olhe, talvez não seja o pior ano do governo Lula. Talvez. É cada vez mais evidente que o governo escorrega para a situação dramática em que, ou dá uma parada e repensa, ou vai em frente e dificilmente se livrará do fracasso, até por exigüidade de tempo.
No terceiro mês do ano, o Ipea, instituto sério e oficial, revê para baixo sua previsão, já baixa, de crescimento anual. Revisão pequena, mas significativa, porque induzida pela realidade captada nas pesquisas mais atualizadas. Mesmo que não se repita o resultado vergonhoso de 2003, quando a economia nacional ficou menor e o país mais pobre, é muito consistente a perspectiva de um ano medíocre (salvo para banqueiros e outros beneficiários dos juros). Assim sendo no segundo ano de governo, o terceiro já estará bastante comprometido, servindo, no máximo, para fazer em benefício do quarto ano o que era esperado desde o primeiro. Mas o quarto ano será eleitoral, e nada mais perturbador da administração federal do que eleição, ou reeleição, de presidente.
Neste ano em que seria fundamental, para o governo, recuperar-se de 2003, o primeiro passo precisava ser a melhoria de padrão no ministério. Lula fez uma mexida ditada apenas pelo fisiologismo de seu enlaçamento com o pior PMDB e, de quebra, fazer mais cupinchices, como a permanência de Ricardo Berzoini. Além da ineficácia administrativa, a mexida acarretou um problema político: o governo entregou-se ao PMDB. E isso quer dizer muita coisa, porque o PMDB no governo age, como se fora dele, em benefício do PMDB, e o resto é o resto. A base política do governo não se fortaleceu, como se vê no Senado, e ficou menor o poder de negociação do governo.
Comentaristas atribuem ao caso Waldomiro Diniz a evidente perda de prestígio do governo, e do próprio Lula, nas últimas semanas. Ninguém no alto nível do governo fora até então ligado às vigarices de um funcionário de terceiro nível. O fato Waldomiro Diniz é, a rigor, uma insignificância, considerado todo um conjunto de governo. E como tal seria tratado, não fosse a paralisia administrativa, que deixa espaços a serem preenchidos pelo que der e vier para oposição e mídia. A dimensão e os efeitos do caso Waldomiro Diniz devem-se, sobretudo, ao mau estado do governo.
No âmbito presidencial e ministerial da administração, a desordem impera sem restrições. Lula quer viajar e fazer eventos que o ponham na TV e nas primeira páginas. A cada viagem no Brasil, ainda que seja só para lançar uma campanha pelo tratamento dentário - por si só, motivo injustificável para uma viagem presidencial-, é um dia inteiro sem trabalho.
E no dia seguinte é a visita a uma fábrica de carros, com outro dia sem trabalho de governante. E assim se vão as semanas. Raros são os despachos com ministros, individualmente. Se José Dirceu suprisse a omissão de Lula, vá lá. Mas a omissão é tão grande e o cumularam de tantas atribuições, que a solução não funcionou.
Nenhum ministro recebe orientação presidencial sobre coisa alguma. O próprio governo não tem diretrizes. É um bater de cabeças sem fim.
Ainda ontem, Jorge Bastos Moreno narrava, no "Globo", que o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, falando a 30 parlamentares, referiu-se ao ministro Guido Mantega, do Planejamento, como vagabundo e mandou-o a uma parte maternalmente muito degradante, pobres mães.
A área econômica, referência obrigatória para todos os ministérios, é um esconderijo inacessível a outros ministros. O desentrosamento é total.
Desse estado da administração superior não sai governo. Logo, não sai recuperação do mau desempenho até aqui, nem, muito menos, o crescimento econômico consistente e a administração profícua que as emergências brasileiras imploram.
É impossível saber de quanto tempo Lula disporia para reconsiderar o seu governo, supondo-se que desejasse fazê-lo. Por certo, não é muito tempo. Mas a dificuldade principal não está no tempo: ao que parece, está no próprio Lula, a quem o tempo corrente não faz menos inebriado e mais próximo do chão onde seu governo caminha mal.


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